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INSS obrigatório, mas sem CLT: os planos para o trabalho por app

Tema entra na campanha eleitoral; Justiça do Trabalho ainda não fechou jurisprudência sobre vínculo

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São Paulo

O aplicativo emite uma notificação, avisando que há uma corrida na região. Ao lado de uma moto ou de uma bicicleta, um entregador se prepara para a jornada. Formalmente, esse trabalhador não é funcionário da empresa que solicitou a corrida —na maioria das vezes, um restaurante—, tampouco do aplicativo que usou para se colocar à disposição.

Essa situação de informalidade ganhou mais atenção a partir de 2020, com o início da pandemia, e depois das manifestações batizadas de "Breque dos Apps", em julho do mesmo ano, e gerou uma onda de propostas que tentar dar alguma segurança a esses trabalhadores.

Segundo pesquisa do Cepi (Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação) da FGV Direito, pelo menos 128 projetos de lei tratando trabalho por plataformas digitais foram apresentados na Câmara e no Senado até julho de 2021.

Entregadores durante manifestação realizada em março de 2021 na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos-19.mar.21/Folhapress

Também começou a ganhar espaço no debate eleitoral deste ano. Como mostrou a coluna Painel, o PT definiu o assunto como prioridade do programa de governo de Lula.

Nas últimas semanas, o assunto voltou a tomar espaço nos grupos de discussões de entregadores e motoristas, depois que circulou entre eles uma proposta que prevê a contribuição obrigatória ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Os descontos passariam a ser retidos pelos aplicativos e calculados sobre um percentual dos ganhos mensais.

As empresas também teriam de desembolsar parte dessa contribuição. Somados os pagamentos, os trabalhadores de aplicativo passariam a ter uma alíquota de 11% de contribuição previdência, a mesma que existe hoje para autônomos.

Quem acompanha as negociações no Congresso e as conversas sobre o assunto no governo tem também a expectativa de que o Ministério do Trabalho e Previdência encaminhe um projeto para regulamentar essas atividades.

A pasta confirma que um grupo de trabalho do governo analisa o tema. O texto que circulou entre os entregadores estava em negociação na Frente Parlamentar Mista de Economia Digital.

Em comum, as duas propostas em discussão buscam conter a obrigação de enquadramento via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Em um dos artigos, a proposta diz que a relação entre os prestadores de serviço e a plataforma tecnológica não será a de "qualidade de empregado" prevista na lei trabalhista.

Se o texto avançar e virar lei, o motorista e o entregador que usam os aplicativos para trabalhar passariam a ter um desconto mensal. O cálculo desse abatimento seria feito sobre o valor bruto faturado pelos trabalhadores. Para motoristas, a base para o cálculo da contribuição ao INSS equivaleria a 20% do faturamento; no caso dos entregadores, seria de 50%.

Segundo o deputado Rodrigo Coelho (Podemos-SC), coordenador-geral da Frente Digital, o debate sobre como garantir maior segurança aos trabalhadores que atuam por meio dos aplicativos cresceu especialmente a partir da tramitação do projeto de lei que resultou na Lei 14.297.

Foi por meio dela que as empresas passaram a ser obrigadas a contratar um seguro por acidentes e a pagar uma assistência financeira em caso de afastamento por contaminação por Covid-19. Essa lei, porém, trata da proteção aos entregadores durante a pandemia. Quando o estado de emergência em saúde pública for revogado pelo governo, ela também perderá a validade.

Atualmente, depende de cada entregador e motorista a iniciativa de formalização, disponível apenas por meio do MEI (microempreendendor individual). O custo é de R$ 65,60 mensais (a contribuição equivale a 5% do salário mínimo e mais R$ 5 referente ao ISS, que é o imposto municipal) e deve ser pago pelo próprio trabalhador.

A proteção previdenciária, que dá direito ao auxílio-doença, por exemplo, só começa depois de 12 contribuições.

Para Coelho, o MEI é burocrático, o que acaba favorecendo a inadimplência no pagamento, além de ser um custo fixo para uma atividade de renda variável. "É fundamental que as plataformas passem também a contribuir, para as contas fecharem."

Apesar de as duas principais plataformas —iFood e Uber— defenderem publicamente a inclusão de motoristas e entregadores na rede de proteção social e previdenciária, elas querem garantir que esses trabalhadores não sejam considerados seus funcionários, com o pacote de direitos e obrigações que essa relação implica: além da contribuição ao INSS, carteira assinada, recolhimentos ao FGTS, e responsabilidade pela atividade.

A carteira assinada também não é uma unanimidade entre os entregadores e empregadores. Mesmo grupos que defendem uma regulamentação, como a Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil), não veem o enquadramento via CLT como a melhor opção. "É remédio antigo para dor nova", disse à Folha Edgar Francisco da Silva, o Gringo, presidente da entidade.

Na Justiça do Trabalho, ainda não há uma jurisprudência firmada sobre a existência ou não de vínculo de emprego. Na 3ª Turma, uma ação contra a Uber já tem maioria de votos pelo enquadramento dos motoristas como funcionários da empresa. Na 4ª e 5ª turmas, os pedidos de motoristas haviam sido negados.​

Com a divergência, a discussão judicial sobre o assunto deverá ser levada à Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais para uniformização do entendimento na Corte trabalhista. No fim do ano passado, o Ministério Público do Trabalho apresentou ações civis públicas contra os principais aplicativos.

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