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Em virada, Netflix avalia planos mais baratos com anúncios; entenda

Maior serviço de streaming do mundo derruba estratégia após interrupção em sua década de crescimento de assinantes

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Alex Barker Anna Nicolaou
Londres e Nova York | Financial Times

Ao transformar a Netflix no maior serviço de streaming do mundo, um dos mantras da administração de Reed Hastings era que sua equipe "dissesse ao imperador quando ele estivesse nu".

Com a Netflix perdendo quase dois terços de seu valor de mercado desde novembro e analistas comparando sua queda ao crash das "empresas pontocom", Hastings finalmente seguiu seu próprio conselho e admitiu que sua estratégia corporativa pode estar seriamente subestimada.

Ao longo de uma hora na terça-feira (19), o fundador e executivo-chefe da Netflix abandonou os princípios que defendia há muito tempo, reorientando um grupo de mídia que mudou Hollywood para lidar com tempos mais magros, de crescimento lento e contenção de gastos.

Fachada do edifício sede da plataforma de streaming Netflix, em Los Angeles, nos Estados Unidos - Robyn Beck/AFP

Compartilhamento de senhas? Em 2016, Hastings brincou "nós amamos ver as pessoas compartilhando a Netflix". Agora ele pretende reprimir essa prática; Hastings estimou que 100 milhões de pessoas estão compartilhando contas.

Concorrência? Durante anos, ele descartou a ameaça da Disney, da Apple e da HBO, insistindo que os maiores concorrentes da Netflix eram Fortnite, YouTube e "dormir". Na terça-feira, ele admitiu que a Netflix precisa "crescer um pouco" porque seus concorrentes têm "alguns programas e filmes muito bons".

Mas talvez a virada mais clara tenha sido na publicidade. Tendo sempre defendido a Netflix como uma zona livre de publicidade que permite aos espectadores "relaxar" sem ser "explorados", Hastings abriu as portas para o dinheiro do marketing.

Mencionando casualmente a mudança de estratégia durante uma ligação com analistas, Hastings anunciou que a Netflix trabalharia numa versão mais barata e apoiada por publicidade de seu serviço, "no próximo ano ou dois".

E os gastos? A Netflix criou sozinha um modelo de streaming em que o mercado de ações a recompensava por gastar mais. A empresa queimou dinheiro durante anos, enquanto os investidores aplaudiam seu rápido crescimento de assinantes e o compromisso de produzir constantemente novos programas de TV e filmes. Pela primeira vez, a empresa disse na terça-feira que reduzirá seus gastos com conteúdo.

"Foi chocante", resumiu Michael Nathanson, analista da MoffettNathanson. "Esses caras pareciam qualquer outra equipe de gerenciamento que ainda não tinha as respostas."

A reviravolta é um momento de humildade para uma empresa que, embora visse suas assinaturas aumentarem no auge da pandemia, estava confiante o suficiente para começar a cancelar proativamente contas de pessoas que não as usavam.

Depois de um período histórico na Bolsa como uma das grandes empresas de tecnologia "Faang" (Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google), atingindo uma avaliação de quase US$ 310 bilhões em outubro, ela encolheu para US$ 95 bilhões. As ações da Netflix caíram mais de 38% apenas na quarta-feira (20).

"Vimos uma empresa passar da queridinha do crescimento ao purgatório do crescimento em um instante", disse Nathanson.

Uma das decisões mais dolorosas para Hastings pode ter sido sobre a publicidade.

Suas rivais previam há muito tempo que a Netflix acabaria recuando da posição antipublicidade que Jason Kilar, ex-executivo-chefe da Warner Media, comparou recentemente a uma "religião". Mas poucos imaginavam que chegaria tão cedo.

"A maneira como você consegue um bilhão [de assinantes] não é continuar cobrando um preço premium sem anúncios", disse Kilar. "[A Netflix] certamente chegará a essa conclusão."

O Morgan Stanley espera que, no longo prazo, a Netflix possa ganhar "bilhões" com publicidade, calculando que os anúncios geram cerca de US$ 3 bilhões em receita por ano para o serviço rival Hulu.

Mas os analistas do banco também questionaram se a opção de oferecer assinaturas mais baratas aumentaria as receitas da empresa, uma vez que já convenceu 75 milhões de famílias nos Estados Unidos e no Canadá a pagar em média US$ 15 por mês. "Ao migrar os clientes para um nível suportado por anúncios a um preço mais baixo, poderá gerar [receita] geral mais alta? Isso está menos claro."

Mark Read, executivo-chefe do grupo de publicidade WPP, disse que a mudança na estratégia reflete a necessidade de alcançar novos clientes e os claros "limites dos modelos de crescimento só de assinatura".

"A história mostrou que as companhias de mídia de sucesso têm assinatura e publicidade", disse ele. "Sem dúvida, a pressão sobre os orçamentos das famílias, bem como o número crescente de ofertas de assinaturas, concentraram as mentes dos consumidores."

O desafio para a Netflix é introduzir um plano de assinatura com anúncios sem consumir sua base de assinantes existente, ou dedicar muito tempo e dinheiro à construção de um negócio de publicidade que antes considerava uma distração.

Depois de anos como líder de mercado em serviços de assinatura de vídeo, a Netflix deve se ajustar ao papel de retardatária no streaming financiado por anúncios, aprendendo com Disney, Discovery, Paramount e NBC. "Nunca houve o medo de estarmos com problemas", disse um ex-executivo da Netflix. "O sentimento era: estamos anos bissextos à frente."

Agora ela enfrenta forte concorrência das maiores empresas de mídia e tecnologia do mundo, que tiveram grande sucesso com programas de televisão como Ted Lasso, da Apple, e Succession, da HBO.

Entre alguns investidores e analistas, há uma sensação de que os gastos generosos da Netflix devem render uma programação melhor. "Se você gasta US$ 18 bilhões em conteúdo, eu gostaria de pensar que pode convencer as pessoas a entrarem na sua plataforma de streaming", disse um dos dez principais acionistas da Netflix.

Mas a queda do preço das ações é preocupante para toda a indústria do entretenimento, porque os maiores grupos de mídia dos EUA destinaram mais de US$ 100 bilhões para gastar em conteúdo apenas este ano, tentando imitar o modelo da Netflix.

Agora Hollywood está questionando se os executivos da Netflix superestimaram seriamente o tamanho do mercado de streaming.

A Netflix tem 222 milhões de assinantes pagantes, e Hastings disse aos investidores que seu "mercado endereçável total" era qualquer casa no mundo com acesso à internet –potencialmente um bilhão de assinantes. Havia muito espaço para crescer e amplo espaço para novos concorrentes, insistiu ele.

Mas como seu crescimento parou, os analistas estão abrindo buracos nessas suposições otimistas.

Dadas as questões de acessibilidade e acesso global a sistemas de pagamento digital, Nathanson estima que o mercado endereçável "real" esteja mais próximo de 400 milhões.

Igualmente preocupante, ele questiona se a Netflix já atingiu a saturação total nos EUA e no Canadá, onde a empresa revelou na terça-feira que mais 30 milhões de pessoas estão compartilhando contas além de seus 75 milhões de assinantes existentes. O número de assinantes de TV paga nos EUA durante o pico da televisão em 2011 foi de cerca de 100 milhões, indicando que a Netflix pode ter atingido seu maior mercado.

Esta é uma má notícia para outros grupos de mídia porque suas avaliações foram referenciadas com a da Netflix. As ações da Warner Bros Discovery caíram 5% na quarta-feira, enquanto a Disney caiu 4% e a Paramount Global perdeu 10%.

Rich Greenfield, analista da Lightshed Partners, observou a ironia de que campeões de streaming como Netflix e Disney agora estão adotando a publicidade, um pilar chave na estratégia de mídia antiga, para reanimar seus negócios.

"É assustador se a única maneira de revigorar o crescimento for oferecer produtos mais baratos que pioram a experiência do consumidor, essencialmente tornando-a mais parecida com a experiência da TV linear moribunda", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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