Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Oligarcas não têm como derrubar Putin, diz investidor que foi banido da Rússia

Bill Browder fez fortuna no país, mas depois lutou por sanções contra o governo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Apesar de os milionários russos estarem perdendo dinheiro com as sanções ocidentais, eles não têm força para confrontar o presidente Vladimir Putin, que decidiu invadir a Ucrânia no final de fevereiro. Assim, a situação pode ficar parecida com a da Coreia do Norte, onde por mais que a população sofra com os problemas econômicos, não consegue confrontar o governo.

A avaliação é de Bill Browder, CEO e fundador do Hermitage Capital Management. Ele foi um dos maiores investidores estrangeiros na Rússia, mas acabou deportado e banido do país em 2005.

Homem de óculos e gravata vermelha
O investidor Bill Browder, em Londres - Tolga Akmen - 2.mar.22 / AFP

Seu advogado, Sergei Magnitsky, foi torturado e morto após revelar um caso de corrupção local, em 2009. O caso levou os EUA e a Europa a adotarem sanções contra autoridades russas a partir de 2012, que foram chamadas de Global Magnitsky Act.

Browder, 57, lança em abril nos EUA o livro "Freezing Order", no qual afirma que Putin tem US$ 200 bilhões escondidos no exterior. Ele diz que descobriu o dinheiro ao investigar a morte de Magnitsky. A obra será lançada no Brasil no segundo semestre.

Ele também é autor de "Alerta Vermelho" (ed. Intrínseca), no qual conta como fez fortuna investindo na privatização de estatais russas nos anos 1990 e, depois, seus embates com o governo Putin.

Em 2013, a Justiça da Rússia o condenou por fraude fiscal e pediu sua prisão à Interpol, que se recusou a cumprir a ordem por considerar que se tratava de uma ação política.

Como avalia as sanções aplicadas até agora? São as mais fortes que já foram impostas a um país na história. O dano econômico causado por elas a Vladimir Putin é extraordinário. Dito isso, não acredito que ele recuará da invasão com base nas sanções. Não penso que vá dizer "ok, não vou fazer mais isso, porque é muito custoso". O propósito das sanções neste momento é sangrá-lo financeiramente, de modo que ele não tenha dinheiro suficiente no futuro para continuar essa guerra cara.

No entanto, mais sanções precisam ser impostas para obter este objetivo. A principal medida a ser tomada é a Europa parar de comprar gás e petróleo da Rússia. A estimativa é que desde o início da guerra, em 24 de fevereiro, a Europa proveu US$ 18 bilhões em dinheiro para a Rússia, pelo petróleo e gás. Os europeus estão enviando a Putin uma quantidade enorme de dinheiro, e isso tem de mudar.

As sanções ocidentais podem criar espaço para que outros países invistam na Rússia, como a China? Depende. Há países que não estão honrando as sanções. A China vem falando sobre se tornar mais ativa na Rússia, mas pode pagar o preço com consumidores no Ocidente, que podem culpar outros países e empresas que continuarem a fazer negócios com a Rússia. Esse poderá ser o preço a pagar por qualquer país que queira tirar vantagem do mercado esvaziado na Rússia.

A economia da Rússia deve demorar a superar o impacto das sanções? Ela deve encolher 30%, o que seria equivalente à Grande Depressão nos Estados Unidos. A situação econômica deve continuar catastrófica para o povo russo pelos próximos anos, até que Putin não esteja mais no poder. Se um líder democrático assumir, o Ocidente poderia relaxar as sanções e permitir que a Rússia "voltasse" ao mundo. Mas não acho que essa possibilidade exista enquanto Putin comandar a Rússia.

Vê algum caminho para que Putin seja retirado do poder? Os oligarcas poderiam se unir contra ele? Não. Acho muito improvável que ele seja retirado pelos oligarcas ou pelo povo da Rússia. Os oligarcas têm medo dele, e o povo também. É mais provável que tenhamos um cenário como na Coreia do Norte, onde há muitos sujeitos pobres e com raiva que não têm capacidade de fazer nada.

Como avalia a relação atual entre os empresários russos e o governo? Eles estão terrivelmente revoltados com Putin porque seus patrimônios foram retirados, tanto pelo crash no mercado de ações quanto pelas sanções. Porém, os oligarcas podem ser poderosos, individualmente e economicamente, mas não têm nenhum poder sobre Putin. Não importa o que eles pensem. Se Putin sentir qualquer deslealdade, vai colocá-los na cadeia, tomar seu dinheiro e matá-los.

Seu novo livro, "Freezing Order", trata da fortuna de Putin, que você estima em ao menos US$ 200 bilhões. Como chegou a esse valor? O livro trata da missão que realizei, uma década atrás, para encontrar informações sobre os US$ 230 milhões relacionados ao caso de Sergei Magnitsky, que era meu advogado. Ele expôs [um caso de lavagem de dinheiro] e foi assassinado. Investigamos para onde o dinheiro tinha ido e vimos que parte dele foi para Putin. E ele estava tão incomodado com esta investigação que acabou interferindo no processo político dos EUA, para ajudar a eleger [Donald] Trump [em 2016]. Ele pensava que Trump seria mais leniente com ele do que Hillary Clinton. E também descobrimos que Putin e seus comparsas haviam roubado não US$ 230 milhões, mas US$ 230 bilhões. Mil vezes mais.

Como Putin teria conseguido esse dinheiro? Basicamente por extorsões e roubo do governo russo. É dinheiro que deveria ser gasto em serviços públicos, educação, saúde etc. Mas, em vez disso, tem sido gasto em mega iates, mansões e outras coisas. Ele vive como um rei. E uma das principais razões para ele ter começado esta guerra é por estar com medo de que seu povo se revolte. E o melhor jeito de evitar uma revolta é criar um inimigo externo, uma distração. É o que ele fez com essa guerra.

O que acha que deverá acontecer com este conflito? Pode escalar rumo à terceira guerra mundial? Putin seguirá avançando até ser parado. Não acho que ele começará uma terceira guerra mundial porque não tem como bancar isso. Ele mal pode executar uma guerra contra a Ucrânia, imagine contra o mundo. Ele não tem aliados naturais. Poderia ameaçar uma guerra nuclear, mas nós podemos facilmente ameaçar ele de volta com armas nucleares. O Ocidente precisa pará-lo de modo adequado. Eu falo militarmente. Fazer ele entender que caso se levante contra a América, vai durar uma tarde só.

Se Putin tiver sucesso na Ucrânia, vai se mover contra outros países. Ao fazer isso, vai chegar a países da Otan. E é de grande interesse do Ocidente que o pare antes disso, porque não queremos uma guerra nuclear com a Rússia. Uma zona de exclusão aérea e várias coisas assim precisam ser implantadas na Ucrânia para impedir uma vitória dele.

Uma zona de exclusão aérea não poderia ser usada por Putin como razão para escalar o conflito e atacar outros países? Ele pode fazer isso. Mas ele também disse que suprir a Ucrânia com armas era uma linha vermelha. Que retirar a Rússia do Swift seria uma declaração de guerra. Não podemos ouvir o que ele diz. Temos que fazer o que é preciso. Ele tem capacidade militar fraca. É muito improvável que vá para uma guerra contra o Ocidente.

Por que acha que Putin decidiu invadir a Ucrânia neste momento, após tantos anos de crise com o país vizinho? Há várias razões. Uma é que vários ditadores ao redor dele foram ameaçados. [Nursultan] Nazarbaiev, ditador do Cazaquistão, foi derrubado. Em Belarus, Aleksandr Lukachenko quase foi derrubado. E então ele sentiu que seu tempo estava acabando. E viu que tinha uma grande vantagem agora, porque o Ocidente está fraco economicamente depois da Covid. Há muita inflação, grandes déficits nos orçamentos públicos e um grande desejo nos países ocidentais de voltar ao normal. Ele pensou que a fragilidade econômica do Ocidente lhe daria vantagem, porque as pessoas do Ocidente iriam pensar em sua situação econômica antes de reagir contra ele de forma dura. Ele julgou o Ocidente de forma totalmente errada.

Você ainda tem contato com pessoas na Rússia? Não tenho mais nenhum amigo próximo. Todos partiram. Mas o que posso ver dos números econômicos é que a situação é terrível. O mercado de ações foi suspenso, o rublo foi arruinado, as contas bancárias foram congeladas. Todos os produtos que você podia comprar antes, agora não pode mais.

A Rússia teria condições de recuperar sua economia apostando em soluções domésticas, como produzir localmente as coisas que importava? Absolutamente não. A Rússia não tem soluções locais para quase nada. A economia inteira é basicamente uma economia do petróleo. Isso significa que os russos não terão acesso a quase tudo que costumam gostar. Não haverá mais Netflix, Disney, McDonald's, móveis da Ikea. Será como no tempo da União Soviética. Eu estive lá pouco depois do fim da União Soviética, e era terrível, porque muitos dos confortos do Ocidente não existiam lá. E esta é a situação para a qual estão voltando.


Raio-x

Bill Browder, 57
Nasceu em Princeton, Estados Unidos, em 1964. Estudou economia na Universidade de Chicago e fez MBA em Stanford. Depois, foi atuar em fundos de investimento em Londres, onde se especializou em negócios no Leste Europeu e na Rússia. Em 1996, fundou o Hermitage Capital Management, junto com Joseph Safra. Em 2005, foi deportado da Rússia e considerado "ameaça de segurança nacional". Depois disso, se tornou um dos principais críticos de Vladimir Putin no exterior.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.