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Pãozinho vai ficar mais brasileiro nos próximos anos

Guerra desperta a necessidade da tropicalização da cultura do trigo

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Com tropicalização do trigo, pãozinho deve se tornar mais brasileiro nos próximos anos Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

O pãozinho deverá ser mais brasileiro nos próximos anos. A guerra da Ucrânia mostrou a necessidade de o país repensar algumas atividades agrícolas, principalmente a do trigo.

O Brasil foi afetado fortemente em dois pontos fundamentais na dependência externa que o agronegócio tem: fertilizantes e trigo.

No caso do primeiro, as importações vêm diretamente de um dos países envolvidos no conflito, que é a Rússia. Com relação ao trigo, tanto Ucrânia como Rússia são importantes exportadores mundiais do cereal.

Embora os dois não tenham importância direta no volume de trigo importado pelo Brasil, o país está sofrendo os efeitos do repique internacional dos preços.

Trigo é cultivado em Balsas, no Maranhão - Gil Correia/Folhapress

A produção nacional deste ano deverá subir para 7,9 milhões de toneladas, com consumo de 12,7 milhões. Daí a necessidade de importação de 6,5 milhões de toneladas. Boa parte será nos patamares atuais de preços, que estão 35% superiores aos de há um ano.

Uma das saídas é a tropicalização do trigo, um desafio que a Embrapa vem encarando há vários anos. O trigo tem de seguir os caminhos da soja e do milho. E isso começa a ocorrer. Experimentos já indicam boa produtividade do cereal até em Roraima.

No final dos anos 1970, pelo menos 87% da área semeada com soja estava concentrada nos três estados do Sul. Em 2000, após o desenvolvimento de variedades adaptadas ao cerrado brasileiro, esse percentual recuou para 43%. Atualmente é de 31%.

Também no final dos anos 1970, o Sul era responsável por 42% da área semeada com milho. Atualmente são apenas 20%. Esses produtos ganharam novas áreas, novas tecnologias e liquidez interna e externa.

É o caminho que o trigo deverá seguir, segundo Celso Moretti, presidente da Embrapa. Nos anos 1970, a área de trigo do Brasil estava concentrada no Sul, que representava 93% do espaço dedicado a essa cultura. Cinco décadas depois, o Sul ainda detém 90% da área semeada de trigo.

Na avaliação do presidente da Embrapa, é necessária uma tropicalização do produto, assim como ocorreu com a soja e com milho. E a guerra da Ucrânia despertou ainda mais essa necessidade.

O avanço da tecnologia permitiu a ida desses produtos para novas regiões, e o país passou de importador de alimentos para a autossuficiência e, inclusive, se tornou um dos principias exportadores mundiais.

O trigo poderá tomar o mesmo rumo e, em uma década, o país será autossuficiente e exportador. Nas contas da Embrapa, a produção nacional poderá subir para 14,7 milhões de toneladas em dez anos.

O Brasil central dá a possibilidade de cultivo de trigo em duas milhões de hectares, em área já consolidada e sem a necessidade de incorporação de terra ainda inexplorada.

A área nacional a ser cultivada neste ano deverá ficar próxima de três milhões de hectares. "O Brasil tem tecnologia para o aumento de produção e eliminação da necessidade de importação de trigo. O papel da Embrapa é prover soluções", afirma o presidente da empresa.

É claro, segundo Moretti, que, assim como ocorreu com a soja e com o milho, o país precisa desenvolver uma infraestrutura para essa cultura. Além de crédito, serão necessários investimentos no setor de moagem, que está concentrado no centro-sul e no litoral. Ele acredita nessa evolução. "A guerra esquentou o tema", diz.

Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS), diz que os desafios ainda são grandes. Passam por um manejo adequado, definição da densidade de semeadura e época certa.

Além disso, o combate à brusone, uma das principais doenças do trigo na região, e a busca por cultivares que se adequem ao estresse hídrico são importantes.

Lemainski diz que o cerrado tem um potencial de atingir 280 mil hectares de área semeada já neste plantio. Na avaliação dele, o trigo começa a ganhar liquidez, o que é muito importante para os produtores.

A demanda cresce em três vertentes principais. Além da necessidade humana, há um aumento do plantio de trigo destinado à alimentação animal, além de uma evolução das exportações.

Nos três primeiros meses deste ano, as vendas externas de trigo somaram 2,21 milhões de toneladas, 289% a mais do que em igual período do ano passado. As importações recuaram para 1,53 milhão de toneladas no período, com queda de 17%.

Conforme dados divulgados pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior) na quinta-feira (7), o Rio Grande do Sul, ao exportar 1,97 milhão de toneladas, liderou as vendas externas. Esse volume supera em 247% o de igual período do ano passado.

Para Osvaldo Vieira, analista da Embrapa Trigo, a liquidez que o cereal está tendo é muito importante para o produtor. Ele destaca a importância do crescimento da triticultura no Nordeste.

A produção de Maranhão, saindo pelo porto de Itaqui, seria altamente competitiva no Norte da África. O produto brasileiro ganharia importância em grandes mercados, como os da Argélia, de Marrocos e do Egito.

Uma grande novidade é a chegada do trigo a Roraima. Os primeiros experimentos deixaram produtores e pesquisadores da Embrapa entusiasmados. A produtividade do estado chegou a 3.000 kg por hectare. A média do Brasil é de 2.748 kg.

Edvan Alves Chagas, chefe-geral da Embrapa Roraima, afirma que o plantio do trigo tem desafios no estado, devido às baixas altitude e latitude e ao clima seco, mas as vantagens são muitas.

O calendário de plantio de Roraima se assemelha ao dos Estados Unidos. A semeadura da soja ocorre de abril a maio, e a colheita, de agosto a outubro. Na sequência vem a safrinha de soja.

Os produtores estavam ficando sem opção porque vão ter de respeitar o vazio sanitário, uma vez que a ferrugem da soja está chegando à região.

O trigo, além de ser uma nova opção, quebra o ciclo de doenças na soja, facilita o controle de ervas daninhas e de nematoides e aumenta o volume de palhada no solo.

Os pesquisadores da Embrapa constataram que, devido à luz, o ciclo produtivo do trigo é bem mais rápido em Roraima. Enquanto no Sul algumas variedades demoram 120 dias para o desenvolvimento completo, no estado são necessários apenas 66 dias.

Com isso, os produtores podem fazer até duas safras de trigo após a retirada da soja do campo.

Os primeiros experimentos já indicaram uma produção elevada, mas esse volume poderá crescer para 5.000 kg por hectare, acredita Chagas, com manejo adequado e avanço das pesquisas.

A adaptação do trigo em Roraima deve seguir a trajetória da soja e do arroz. Este, quando iniciado o plantio no estado, tinha produtividade do sequeiro de 3.000 kg por hectare. Hoje são 6.000. O irrigado chega a 15 mil kg.

A soja, cuja produção atual é de 65 a 70 sacas por hectare, triplicou a produtividade nos últimos anos. Diante dessas adaptações, o chefe da Embrapa de Roraima afirma que a evolução do trigo será grande nos próximos anos.

Terra e semente não faltam no estado. A área de cerrado chega a um milhão de hectares, disponível para soja, arroz, milho e trigo. No caso das sementes, estão sendo utilizadas as variedades BRS 264 e BRS 394 da Embrapa.

Assim como ocorreu no Centro-Oeste durante o avanço da soja, Roraima não tem uma infraestrutura completa para o desenvolvimento da cadeia de trigo. O produto deverá ser escoado para Manaus, a 750 km, onde está localizado o moinho mais perto.

Chagas destaca, porém, que muitas carretas que levam produtos para o estado podem ser uma via de escape para desovar o trigo. Só o arroz já tem uma cadeia completa no estado. A soja só agora terá a primeira esmagadora da região.

"Estamos confiantes, mas ainda temos muito para fazer", afirma ele.

Quando essa expansão do trigo para os estados do Centro-Oeste, Nordeste e Norte realmente se confirmar, a sede da Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS), região inicial do trigo, também vai ter de se tropicalizar.

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