Descrição de chapéu Financial Times Guerra da Ucrânia Rússia

Por que os EUA impuseram sanções a alguns oligarcas russos, mas não a outros

Regime que ignora certas pessoas com laços estreitos com o Kremlin levanta questões sobre lógica da repressão

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Courtney Weaver James Politi Henry Foy
Washington e Bruxelas | Financial Times

Vladimir Potanin é o homem mais rico da Rússia. Um dos primeiros oligarcas do país, ele tem participação em sua maior produtora de níquel, ajudou o Kremlin a financiar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi e foi fotografado jogando hóquei no gelo com o presidente Vladimir Putin.

No entanto, seis semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, Potanin ainda não foi atingido pelas sanções dos Estados Unidos ou da União Europeia devido à guerra. Embora o Canadá e a Austrália tenham imposto sanções a ele, Potanin está numa categoria afortunada –pelo menos por enquanto– dos principais executivos russos que ainda podem fazer negócios com o Ocidente. A holding de Potanin fechou acordo nesta semana para comprar o ramo russo do banco francês Société Générale.

Vladimir Potanin participa de cerimônia de assinatura de acordo com o governo da região de Krasnoyarsk, em Moscou, Rússia - Sergei Karpukhin - 12.dez.2017/Reuters

O fato de Potanin e outros terem evitado o congelamento de ativos ou a proibição de transações levantou questões, inclusive no Congresso, sobre a lógica que fundamenta o regime de sanções dos EUA em resposta à agressão da Rússia.

"Se a principal qualificação fossem ligações com Putin, a lista seria muito maior", disse um banqueiro ocidental que trabalhou intensamente com oligarcas russos.

Potanin, cujos representantes não responderam a um pedido de comentário, está longe de ser a única incoerência.

O Reino Unido e a UE aplicaram sanções a Alexei Mordashov, proprietário de uma das maiores siderúrgicas da Rússia e acionista minoritário do Banco Rossiya, cujos acionistas incluem alguns dos associados mais conhecidos de Putin. Os EUA não o sancionaram.

O mesmo se aplica a Mikhail Fridman e Petr Aven, dois outros oligarcas russos originais que mantiveram laços estreitos com o Ocidente ao longo dos anos.

Nem os EUA nem a UE impuseram sanções a Leonid Mikhelson, que tem amplas ligações comerciais com o bilionário Gennady Timchenko, velho amigo de Putin. O Reino Unido impôs sanções a Mikhelson na semana passada.

Alisher Usmanov, magnata russo dos metais e da mineração, foi atingido pelas sanções dos EUA imediatamente após a guerra na Ucrânia, mas suas empresas não o foram. Roman Abramovich foi colocado sob sanções da UE e do Reino Unido, mas não de Washington, depois que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, pediu que ele fosse poupado por seu papel como mediador nas negociações de paz.

O Reino Unido e a UE também impuseram sanções a Andrei A. Guryev, executivo-chefe da PhosAgro, produtora russa de fertilizantes fosfatados, mas não a seu pai, Andrei G. Guryev, o maior acionista da empresa, nem ao segundo maior acionista da PhosAgro, o bilionário Vladimir Litvinenko, que foi orientador da tese de doutorado de Putin em São Petersburgo. Nenhum dos três foi alvo dos EUA.

As últimas rodadas de sanções representam um afastamento dos pacotes anteriores. Elas parecem direcionadas a pessoas com um grande papel na economia russa, enquanto ignoram outras com conexões mais próximas ao Kremlin.

Ex-funcionários dos EUA e pessoas familiarizadas com as deliberações dentro do governo Biden disseram que uma explicação da natureza seletiva do regime de sanções é que Washington quis evitar os erros que cometeu em 2018, ao atacar a empresa de alumínio Rusal, do oligarca Oleg Deripaska, e o grupo En+, que inclui hidrelétricas e metais, listado em Londres e que detém o controle acionário da Rusal.

Essa medida não havia sido devidamente examinada de antemão, segundo autoridades que trabalharam nas sanções na época. Isso causou turbulência no mercado à medida que os preços do alumínio subiram e os clientes industriais correram para garantir o fornecimento. Para aliviar a disrupção, os EUA foram forçados a emitir isenções para empresas e indivíduos ocidentais que trabalham com os grupos russos e, afinal, retiraram completamente a Rusal e a En+ de sua lista de sanções.

"A Rusal foi a primeira grande preocupação que foi bloqueada, e o que o governo Trump fez, assim que viu as consequências disso, foi dar passe livre para Rusal e Deripaska", disse Edward Fishman, ex-chefe de sanções da Rússia e da Europa no Departamento de Estado dos EUA.

O governo Biden pretendia manter a estabilidade dos mercados de commodities e evitar quaisquer distúrbios econômicos não intencionais, disseram funcionários atuais e anteriores do governo.
As sanções contra Potanin e suas empresas podem abalar os mercados de níquel e paládio, componentes cruciais para baterias de automóveis e conversores catalíticos, causando problemas para os fabricantes de automóveis. Mikhelson é o fundador e presidente da produtora de gás natural liquefeito Novatek.
Um ex-funcionário do Tesouro dos EUA disse que o setor de energia foi "muito expressamente excluído, pelo menos inicialmente, das sanções que foram impostas no início da invasão".

"Não se trata mais de justo e injusto", acrescentou essa fonte. "Estamos evitando atacar onde haveria implicações para os EUA e nossos aliados."

Os legisladores americanos começaram a questionar por que alguns empresários russos com laços estreitos com o Kremlin conseguiram escapar das sanções.

"Houve algum desacordo interno no Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro sobre como certos oligarcas seriam protegidos do profundo impacto econômico dessas sanções?", perguntou o congressista democrata David Scott à secretária do Tesouro, Janet Yellen, em uma reunião do comitê da Câmara dos Deputados na semana passada.

"Vocês se recusaram a sancionar outros oligarcas importantes? Existe uma hierarquia?", ele acrescentou.
Yellen respondeu: "Não vou fazer comentários sobre um indivíduo específico que não sancionamos".
O regime da UE também está cheio de incoerências. As restrições a oligarcas russos foram objeto de barganha pelos países membros da UE, disseram pessoas informadas sobre o processo, já que os capitais buscam proteger ativos industriais ou grandes empregadores que poderiam ser afetados.

Em vários casos, os executivos-chefes de empresas russas, e não os proprietários, foram os alvos em primeira instância, num movimento amplamente simbólico que evita consequências econômicas mais amplas.

Ex-autoridades dos EUA familiarizadas com as discussões internas do governo disseram que Washington também pode estar poupando alguns indivíduos para manter a ambiguidade em torno de sua reação e deixar alguma flexibilidade para fazer mais numa etapa posterior.

Mas grande parte da lógica parece ser econômica. Durante sua participação no comitê, Yellen enfatizou que os EUA estão altamente sintonizados com qualquer reação às sanções e estão calibrando suas ações de acordo.

"Nosso objetivo desde o início foi impor o máximo de problemas à Rússia enquanto, da melhor maneira possível, protegemos os Estados Unidos e nossos parceiros de danos econômicos indevidos", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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