Descrição de chapéu Financial Times

Reação econômica à Covid estimula taxa de natalidade

Número de nascimentos nas economias avançadas voltou para o nível que tinha antes da pandemia

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Federica Cocco
Londres | Financial Times

O número de nascimentos nas economias avançadas em geral se recuperou para o nível que tinha antes da pandemia do coronavírus, demonstra uma análise do Financial Times –uma recuperação que, segundo os especialistas, se deve em parte às políticas de estímulo adotadas para mitigar o impacto econômico da crise.

O número de nascimentos começou a cair acentuadamente no final de 2020, depois que a Covid-19 se enraizou e as pessoas ficaram confinadas em suas casas, agravando uma tendência demográfica já perigosa de declínio populacional, nos países ricos.

Crianças brincam em área de recreação de um complexo de shoppings em Xangai - Aly Song-1.jun.21/Reuters

A tendência espelhava as quedas de população sofridas durante a pandemia de gripe de 1918, a Grande Depressão e a crise financeira mundial de 2008. Mas uma análise de dados nacionais demonstra uma rápida recuperação na maioria dos países desenvolvidos.

"O declínio em curto prazo do número de nascimentos, em muitos países, é compatível com outras crises históricas, mas, no caso da Covid-19, a queda durou muito pouco tempo", de acordo com a ONU.

Isso aconteceu em boa parte por conta dos gastos e esforços dos governos para produzir e distribuir vacinas contra a Covid-19.

A incerteza econômica causada pela pandemia foi "contrabalançada por pacotes de estímulo e pelas reações expansivas dos bancos centrais", disse Klaus Prettner, professor de Economia na Universidade de Economia e Negócios de Viena.

O efeito da pandemia

Quando muitos países começaram a impor lockdowns a fim de combater a pandemia, no início de 2020, a atividade sexual declinou, de acordo com um levantamento do instituto francês de pesquisa de opinião púbica Ifop.

Do final de 2020 ao final do primeiro semestre de 2021, nove meses depois dos primeiros lockdowns, muitos países, entre os quais China e França, reportaram o menor número de nascimentos em suas histórias recentes. A Itália teve menos nascimentos em 2021 do que em qualquer momento desde a criação do país, em 1861.

O índice de fertilidade é uma projeção quanto ao número médio de bebês que uma mulher terá em sua vida. Os demógrafos em geral adotam como critério que a população de um país só pode crescer sem imigração se os casais tiverem em média pelo menos 2,1 filhos. Muitas das economias desenvolvidas já têm índices de fertilidade bem inferiores a esse.

Kate Choi, diretora do Centro de Pesquisa sobre Desigualdade Social, disse que as pessoas tendiam a ter um número menor de filhos quando enfrentavam "um evento catastrófico duradouro que resulte em alto nível de incerteza". Os casais da era da Covid "podem não desejar colocar uma criança no mundo se não souberem de onde virá seu próximo salário", ela disse.

Mas o número de nascimentos começou a se recuperar mais tarde em 2021, em lugares como os Estados Unidos, os países da Escandinávia, Austrália e Israel –voltando a, e em alguns casos excedendo, a tendência anterior à pandemia, como parte do que os demógrafos descrevem como um efeito de recuperação.

Na Inglaterra e no País de Gales o número de nascimentos caiu em 5% na primeira metade de 2021, comparado ao mesmo período em 2019. Pelo final de 2021, os dois países estavam registrando seu primeiro aumento de índice de natalidade desde 2015.

Depois de passar por uma forte queda no número de nascimentos, a Espanha registrou mais nascimentos em março e abril de 2021 do que nos mesmos meses um ano antes. Na Alemanha, houve mais nascimentos em março de 2021 do que em qualquer mês de março nos 20 anos precedentes.

Nos Estados Unidos, o Serviço de Recenseamento observou que o número de bebês nascidos de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021 foi incomumente baixo, o equivalente a 763 partos a menos por dia em dezembro. "Isso provavelmente foi resultado da pandemia da Covid-19", disse a demógrafa Anne Morse, do Serviço de Recenseamento.

Mas no segundo semestre de 2021, os Estados Unidos registraram um número de nascimentos semelhante ao do período em 2019.

Especialistas em população e economistas creditam o estímulo monetário e econômico promovido por muitos governos nos primeiros meses da pandemia como um fator crucial que ajudou a evitar um declínio mais duradouro nos índices de natalidade.

Karoline Schmid, que comanda a seção de fertilidade e envelhecimento populacional no Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, disse que as iniciativas de estímulo desempenhavam um papel em prevenir uma queda forte nos índices de fertilidade, ao oferecer proteção financeira contra a incerteza econômica.

"Os declínios de fertilidade durante e logo depois de crises econômicas são causados por casais que adiam a procriação devido a altas no desemprego, insegurança maior no emprego e redução de renda domiciliar", ela disse. "O estímulo monetário dos governos de alguns países ajudou a prevenir quedas fortes de fertilidade no começo da pandemia".

O "baby bust"

Mas isso ainda deixa o planeta diante da mesma bomba-relógio demográfica que enfrentava antes da pandemia: o declínio nos índices de fertilidade que ameaça desacelerar o crescimento mundial e forçar os países a enfrentar o custo do envelhecimento de suas populações.

O índice mundial de fertilidade chegou a um pico em 1960, e desde então está em queda livre. Como resultado, os demógrafos acreditam que, depois de séculos de crescimento populacional forte, o mundo está à beira de um declínio natural na população.

De acordo com um estudo publicado pela revista médica Lancet em 2020, a população mundial vai atingir um pico de 9,7 bilhões de pessoas em cerca de 2064 e depois cair a 8,7 bilhões no final do século. Há 23 países que devem antecipar uma queda de suas populações à metade, até 2100. A população japonesa cairá de um pico de 128 milhões em 2017 para menos de 53 milhões. A da Itália de 61 milhões para 28 milhões.

Os baixos índices de fertilidade deflagram uma cadeia de eventos econômicos. A redução no número de jovens resulta em uma força de trabalho menor, afetando as receitas tributárias, pensões e contribuições previdenciárias.

"Uma economia com um problema de escassez de mão de obra pode sofrer custos trabalhistas mais altos, declínio de produtividade e queda de padrão de vida", disse Choi.

Christopher Murray, um dos autores do estudo publicado pela Lancet, disse que era difícil superestimar o impacto econômico e social que o declínio na fertilidade pode ter.

"Temos de reorganizar a sociedade", ele disse.

Mas o futuro não precisa ser apocalíptico. Além dos benefícios amplamente reportados para o meio ambiente, o declínio na fertilidade pode levar governos a investir mais em educação, segundo Prettner.

"Quando os índices de fertilidade caem, os governos têm mais recursos para gastar com a educação", ele disse. "Muitas das consequências econômicas negativas que o declínio da fertilidade acarretaria podem ser compensadas pelo aumento de produtividade que as crianças [beneficiadas pela educação melhor] terão mais tarde no mercado de trabalho".

Traduzido por Paulo Migliacci

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