Quase 9 em 10 moradores da cidade de São Paulo são favoráveis a regular aplicativos de transporte e entrega para dar proteção aos entregadores e motoristas, aponta levantamento do instituto Locomotiva para o projeto Fairwork, da Universidade Oxford.
Empresas como Uber, iFood, Rappi e 99 não remuneram esses trabalhadores de maneira justa, na avaliação de 64% dos paulistanos ouvidos pelo instituto. Sete a cada dez disseram que deixariam de usar aplicativos de entrega e transporte que não garantam bons salários e condições de trabalho aos colaboradores.
A regulação das atividades de entregadores e motoristas está na pauta do debate eleitoral deste ano, nos planos do governo federal e até entre as metas dos próprios aplicativos.
Esse trabalho intermediado por plataformas ganhou visibilidade a partir de março de 2020, quando vários países decretaram confinamentos para combater o contágio pelo coronavírus.
Com o comércio e as empresas fechadas, as entregas foram, de um lado, uma saída para quem perdeu emprego e renda e, por outro, a solução para os que puderam cumprir em casa as ordens de distanciamento social.
A aproximação dos usuários com os trabalhadores apareceu durante o movimento Breque dos Apps, paralisação nacional que reuniu principalmente entregadores e pediu apoio durante a pandemia e melhores condições de trabalho.
O assunto ficou entre os mais comentados na rede social Twitter na época; no começo deste mês, 82% dos paulistanos consideraram justas as paralisações no levantamento feito para a Fairwork —um projeto global de pesquisa coordenado por Universidade Oxford, Oxford Internet Institute e WZB Berlin Social Science Center.
Sob pressão da opinião pública, as principais plataformas se viram levadas a procurar soluções. Do protesto de 2020 até este 1º de Maio, seguros contra acidentes, ajustes em valores mínimos por corrida e promessas de mais transparência foram algumas das medidas adotadas.
Das maiores, pelos menos três –99, iFood e Uber– encabeçam articulações por uma legislação que inclua os profissionais no INSS, mas fora da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A formalização tradicional, com carteira assinada, não é um consenso entre os entregadores.
A Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil), por exemplo, defende a criação de um novo modelo de proteção por meio do qual os entregadores consigam manter a autonomia para escolher suas cargas horárias e dias de trabalho.
A entidade cobra, no entanto, que haja uma regra clara para o funcionamento dos operadores logísticos (OLs), empresas que fornecem entregadores para as plataformas.
A flexibilidade de montar o próprio horário, diz a entregadora Juliana Iemanjara Janaina do Nascimento dos Santos, 34, é o lado bom dos aplicativos.
As OLs, nem tanto –depois de trabalhar por meio de uma empresa do tipo, "como se fosse um [funcionário] fixo", ela acabou bloqueada do app do iFood quando tentava ser autônoma (ou nuvem, como são chamados os profissionais conectados à plataforma sem intermediação).
Para garantir a renda da família, a entregadora trabalha por meio de quatro aplicativos –"às vezes você percorre oito quilômetros para ganhar R$ 5"–, faz bicos em bares e restaurantes e ainda produz bolos e doces com a mãe.
Na rua, faltam lugar para comer, para esquentar uma refeição, para descanso e até mesmo para carregar o telefone celular –o instrumento de trabalho mais importante depois da moto.
"O cara que faz R$ 5.000 por mês no aplicativo não tem vida, não tem família. Para o homem, é mais fácil. Para a mulherada que sai para a rua, deixa o filho com quem?"
Ela integra o grupo Entregadores Antifascistas, que ganhou projeção no breque de 2020 e defende a formalização dos trabalhadores que atendem via aplicativo.
Em São Paulo, embora mais da metade (54%) dos ouvidos para a Fairwork avaliem que as empresas tratam entregadores e motoristas de forma justa, 93% afirmam que as condições deveriam melhorar.
Para o coordenador do Fairwork Brasil, Rafael Grohmann, a percepção dos paulistanos sobre a atividade dos entregadores sinaliza, para as empresas do setor, a necessidade da adoção de "ações para melhorar ativamente as condições para seus trabalhadores."
Para Mark Graham, professor do Oxford Internet Institute e diretor do projeto Fairwork, a estratégia comercial das plataformas fica em risco caso elas ignorem que também os consumidores se sentem afetados pela percepção de como trabalham esses profissionais.
O iFood e a 99 dizem que, em diálogo com a Fairwork, têm buscado aprimorar suas práticas em prol do trabalho digno e justo. A Amobitec (associação que inclui iFood, Uber e 99), afirma estar atenta às demandas dos trabalhadores e atuar na busca de melhorias para o mercado de aplicativos de delivery e mobilidade de passageiros no Brasil.
A ABO2O (que representa empresas como Loggi e Rappi) diz que os consumidores são tão fundamentais para o ecossistema digital quanto os prestadores de serviços e que o diálogo sobre a relação dos profissionais com os aplicativos deve considerar as diferenças entre eles.
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