Descrição de chapéu copom juros Selic

Alta dos juros vai controlar a inflação? Veja o que dizem economistas

Analistas avaliam se política monetária terá resultado

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São Paulo

A sinalização do Banco Central de que a taxa básica de juros deverá subir além dos atuais 12,75% ao ano levou ao questionamento das causas e das formas de se lidar com uma inflação que poderá superar o limite da meta pelo terceiro ano consecutivo em 2023.

Para alguns analistas, a alta da inflação não é apenas uma questão de oferta e nem um fenômeno temporário, mas também um problema de demanda e de expectativas que continuam a piorar. Pelos princípios do regime de metas que vigora na maioria dos países, reduzir o índice de preços seria a melhor forma de garantir também uma retomada mais rápida do crescimento e do emprego.

Para outros, não há política monetária, no Brasil ou em qualquer outro país, que seja capaz de colocar a inflação e as expectativas em linha com metas de inflação extremamente baixas para um mundo que sofreu uma sequência inédita de choques de oferta que pode se estender por ainda mais tempo.

Composição do Copom em maio de 2022: (da esquerda para a direita) Bruno Serra Fernandes, diretor de Política Monetária; Otavio Ribeiro Damaso, diretor de Regulação; Paulo Souza, diretor de Fiscalização; Carolina de Assis Barros, diretora de Administração; Mauricio Moura, diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta; Roberto Campos Neto, presidente; Fernanda Guardado, diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos; Renato Dias de Brito Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução; e Diogo Abry Guillen, diretor de Política Econômica - Raphael Ribeiro/BC

Nesta quarta-feira (4), o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a taxa básica de juros em mais 1 ponto percentual e afirmou que antevê a necessidade de novo aumento em junho, porém de menor magnitude. As taxas dos contratos no mercado financeiro apontam para uma Selic de 13,25% ao final do ano, mas diversos analistas já falam em algo em torno de 14%.

Uma avaliação quase unânime é que o Copom não tem mais como evitar um estouro da meta de inflação pelo segundo ano seguido, em 2022. A questão é se novos aumentos de juros podem ou não evitar que a carestia se prolongue também por 2023. As projeções do mercado para o índice de preços no Brasil estão em 7,9% neste ano e 4,1% no próximo —sendo que o teto da meta é de 5% e 4,75%, respectivamente.

O BC projeta inflação de 7,3% para 2022 e 3,4% para 2023 (próxima do centro da meta de 3,25% para o próximo ano).

José Francisco de Lima Gonçalves, professor do Departamento de Economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP), afirma que é inútil o BC continuar elevando os juros, pois não há retração de demanda que compense os choques de oferta e seja capaz de levar a uma queda persistente da inflação.

Ele avalia ser inevitável um estouro da meta neste e no próximo ano, com uma inflação acima de 5% em 2023. E diz que, na prática, o Brasil e diversos países já trabalharam com um sistema de metas móveis, embora isso não possa ser admitido publicamente.

"Nenhum banco central quer dizer isso, que não tem meta. Você diz que tem, mas que vai demorar [para chegar nela]", afirma o economista citando as manifestações de autoridades monetárias em outros países.

José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e pesquisador do FGV Ibre, afirma que a política monetária é um instrumento que sempre mostrou resultado no combate à inflação e que desta vez não será diferente, apesar das incertezas que tornam difícil projetar quando o índice de preços irá desacelerar e até onde os juros terão de subir.

Ele afirma que os países desenvolvidos —que não vivem um surto inflacionário há 40 anos— estão sendo mais cautelosos no combate à inflação para não abortar a recuperação da economia nesses dois anos de pandemia.

No caso brasileiro, Senna diz que o histórico inflacionário obrigou o Copom a iniciar o processo de aumento de juros mais cedo, mas que não há espaço para os juros irem muito além do patamar atual, algo que já foi sinalizado pelo próprio BC.

"Se os bancos centrais partirem com força para cima da inflação, não há dúvida de que vai funcionar. No caso do Brasil, para que a política monetária produza resultados o mais rapidamente possível, seria muito bom que os sinais da política fiscal fossem melhores do que têm sido."

Simone Deos, professora do Departamento de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas), afirma que o BC adota uma política monetária equivocada, que não ajuda no combate à inflação e tem efeitos deletérios sobre a economia. Para ela, a alta de preços se deve em grande parte a uma política de preços equivocada da Petrobras. Uma ação do governo para aliviar a tributação de preços administrados também seria mais eficaz.

"Não há evidência de que sermos mais ‘hawkish’ nos leve a uma trajetória de inflação mais suave. Tudo isso que está acontecendo com os preços das commodities nenhum banco central consegue controlar. Se o Banco Central vai ou não atingir a meta não tem nada a ver com política monetária. Depende de fatores externos ou de política econômica", afirma.

João Luiz Mascolo, economista-chefe e estrategista para Brasil da consultoria SM Futures, afirma que as expectativas de inflação acima da meta são hoje um dos maiores riscos para o controle dos preços e que os modelos de projeção apontam que o Banco Central tem como atingir seu objetivo no próximo ano se colocar a Selic próxima de 14%.

Ele diz que somente neste ano a taxa básica atingiu um patamar que pode ser considerado contracionista, ou seja, com o juro real acima da taxa neutra estimada em torno de 3,5%. Avalia ainda que a política fiscal, o cenário externo e as expectativas para esses dois fatores jogam contra a ação do BC, o que obriga a instituição a ser mais rigorosa.

"Não faz sentido brigar para ter independência e perder a meta de inflação por três anos seguidos porque ele [BC] está meio reticente sobre o tamanho da alta", afirma. "Só com a inflação caindo e sob controle o empresário vai contratar gente e produzir mais", diz Mascolo, citando o ex-presidente do BC norte-americano Ben Bernanke.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco afirma que as raízes dessa "nova" inflação têm sido associadas a choques de oferta por conta da pandemia e da Guerra da Ucrânia e também aos excessos de estímulos adotados em relação à crise sanitária.

"Não há absolutamente nenhuma surpresa em que surjam várias vozes a argumentar que uma ‘inflação de oferta’ não se combate com política monetária", afirma Franco em relatório divulgado pela gestora Rio Bravo nesta quinta-feira (5). "É um clássico do inflacionismo tupiniquim."

Segundo ele, as autoridades aqui e no exterior estão diante da perspectiva de corrigir seus próprios excessos. "Elas hesitam, como é natural, mas precisam fazer o que deve ser feito", afirma. "Essas ansiedades vão passar e os bancos centrais vão cumprir o seu dever. Espera-se que seja assim também no Brasil, a despeito de os candidatos presidenciais gaguejarem a esse respeito."​

Vitoria Saddi, sócia da consultoria especializada em temas macroeconômicos SM Futures, afirma que o cenário externo pode se tornar ainda mais complexo devido ao tamanho da redução no balanço do banco central dos EUA, cujos efeitos na curva de juros norte-americana e sobre a atividade são incertos.

"As pessoas dizem que o Bacen está adiantado. Não é tão óbvio que o Banco Central aqui está na frente. Isso está errado. A situação aqui é diferente. Ele está na frente em termos temporais, mas não está na frente em termos de condução da política econômica, de capacidade fiscal, de credibilidade. A credibilidade do Banco Central daqui é menor que a do banco central americano, por exemplo."

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