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Colapso das criptomoedas pode não ficar apenas nas criptomoedas

Mesmo quem tentou evitar os criptoativos devem prestar mais atenção

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Katie Martin

Editora de mercados do Financial Times

O mercado de criptomoedas está sob pressão. Infelizmente, mesmo os administradores de fundos que fizeram questão de evitar essa classe desregrada de ativos, em mercados normais como os de títulos e ações, precisam prestar atenção.

Uma leve queda para abaixo do pico de US$ 68 mil na cotação do bitcoin se tornou uma avalanche, em parte por conta dos problemas com as chamadas "stablecoins" – que na verdade são qualquer coisa menos estáveis, mas mantêm o mercado em sincronia. No momento, a cotação do bitcoin mostra queda para cerca de US$ 27 mil.

Sim, "crypto bros", antes que vocês encham minha caixa de email (de novo) com mensagens escritas só em maiúsculas: estou ciente de que algumas pessoas continuam a apresentar retornos positivos sobre seus investimentos. É inteiramente plausível que o mercado prove ser capaz de se recuperar dessa crise, como o fez depois de diversos outros episódios desafiadores.

Representação das criptomoedas Tether, bitcoin e etherium em frente a gráfico de negociações - Justin Tallis - 8.mai.2022/AFP

Diga o que quiser sobre as criptomoedas, a base de fãs que elas têm é dedicada, e sua persistência é impressionante. No entanto, qualquer pessoa que tenha entrado no mercado do final de 2020 para cá está no vermelho, e os propulsores desse declínio parecem ser estruturais. Até mesmo alguns dos devotos mais leais das criptomoedas aceitam que desta vez a situação é diferente.

E quem se importa? Bem, é triste para as pessoas, muitas das quais jovens e não muito endinheiradas, que ignoraram todos os avisos e aplicaram todo o dinheiro que tinham guardado em criptomoedas tilintantes, atraídas por afirmações de que essas linhas de código binário tinham a capacidade de se tornar rivais sérias do dólar, e servir de base a uma nova utopia financeira. É desagradável para os defensores das criptomoedas que tentaram convencer investidores institucionais de que o bitcoin poderia servir de hedge contra a inflação, o que claramente é mentira. Nayib Bukele, o presidente de El Salvador e fanático defensor das criptomoedas, talvez precise deixar de lado seus planos grandiosos para criar a Cidade do Bitcoin, e reduzi-la a uma Vila do Bitcoin.

A questão em aberto é determinar se isso tudo importa para os mercados tradicionais, que já estão sofrendo oscilação por motivos próprios. O acontecido vai afetar as ações e os títulos?

Tipicamente, o que acontece nas criptomoedas fica nas criptomoedas. Mas movimentos grandes podem influenciar outros mercados. Uma campanha repressiva das autoridades chinesas, há quase um ano, gerou uma queda temporária de 30% na cotação do bitcoin, e fez com que os observadores do mercado de títulos da Alemanha se surpreendessem com a alta que seu mercado registrou como resultado da fuga de investidores de criptomoedas bem busca de segurança.

Um executivo financeiro me diz que os clientes de seu fundo de hedge estão acompanhando a situação atentamente, agora, e que diversos deles encaram com seriedade a possibilidade de que um grande crash no mercado de criptomoedas, caso venha a acontecer, redunde em vantagem para o mais crucial dos mercados, o de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, uma vez mais sob a ideia de que isso causaria uma corrida em busca de lugares mais seguros em que estacionar dinheiro.

Assim, a questão é se estamos a caminho de uma reprise da queda de 30% que o bitcoin sofreu no ano passado. Sinais de que a Tether está sofrendo pressão agravam a sensação de que a atual queda de preços pode ser O Grande Colapso. A ‘stablecoin’, que opera quase como um banco central para o mercado de criptomoedas, enfrentou problemas em seu vínculo com o dólar depois que uma ‘stablecoin’ muito menos importante, a TerraUSD, entrou em colapso no começo da semana. As duas moedas digitais funcionam de maneira diferente, mas as nuanças podem ser descritas em boa medida como o narcisismo das pequenas diferenças. Ou essas moedas podem manter sua paridade com o dólar ou não podem. Se não podem, o sistema de crenças que embasa as criptomoedas está diante de um grande problema.

A Tether também pode importar para os mercados mais amplos por um canal diferente. Seu vínculo com o dólar é mantido não por meio de feitiçaria algorítmica, como o da TerraUSD, mas sim por velhas e boas reservas em dólares, ou assim a Tether afirma. Detalhes sobre o que exatamente faz parte dessas reservas são escassos, e elas não estão sujeitas a normas contábeis amplamente aceitas. Mas, em teoria, o valor das reservas chega a US$ 80 bilhões, para lastrear o volume de Tether que existe em circulação.

No ano passado, a agência de classificação de crédito Fitch alertou que, se os detentores de Tether decidirem converter suas posições em dinheiro real, isso poderia desestabilizar os mercados de crédito de curto prazo nos quais a empresa afirma deter grande quantidade de fundos.

"O rápido crescimento das emissões de ‘stablecoins’ poderia, com o tempo, ter implicações para o funcionamento dos mercados de crédito de curto prazo", afirmaram, os analistas da Fitch, apontando para "os potenciais riscos de contágio de ativos ligados à liquidação das posições de reserva das ‘stablecoins’".

Os mercados de crédito já estão oscilando devido à pressão da alta nas taxas de juros de referência. A ideia de que a Tether poderia, em caso de emergência, despejar parte de suas supostas reservas de US$ 24 bilhões em "commercial papers", US$ 35 bilhões em títulos do Tesouro americano e US$ 4 bilhões em "títulos corporativos, fundos e metais preciosos", em condições de mercado como as atuais, com certeza não ajudaria.

Agora seria um bom momento para a Tether declarar, com mais detalhes e com números atualizados até o presente, o que ela guarda em sua caixa. Isso ajudaria os investidores a compreender onde estão as vulnerabilidades e acalmaria as preocupações quanto ao lastro da moeda virtual.

Paolo Ardoino, vice-presidente de tecnologia da Tether, declarou em uma conversa no Twitter na quinta-feira que o grupo estava preparado "para manter o dólar como âncora cambial, a qualquer custo". Ele disse que a empresa recentemente vem adquirindo "uma tonelada" de títulos do Tesouro americano e estava preparada para vendê-los a fim de defender a cotação da moeda digital.

Os investidores do mercado de títulos de dívida, que já estão feridos com o tumulto que seu mercado vem enfrentando até agora este ano, fariam bem em acompanhar essa situação atentamente.

Tradução de Paulo Migliacci

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