Descrição de chapéu Financial Times

Criptobilionário diz que começou a investir sem ter ideia do que era blockchain

Sam Bankman-Fried, fundador da FTX, fala sobre a moda e o problema do bitcoin e como a criptomoeda pode construir um sistema financeiro mais justo

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Joshua Oliver
Londres | Financial Times

Quando um assessor me disse que "um de nossos motoristas" iria me buscar para almoçar com Sam Bankman-Fried, imaginei um enorme SUV preto do tipo que transporta grandes apostadores de e para os cassinos de Nassau, onde vive o criptobilionário de 30 anos. Em vez disso, um modesto Honda marrom estaciona diante do meu hotel.

A viagem veloz pela sinuosa estrada costeira da ilha nos leva além do condomínio com telhados de cerâmica que abriga a exchange [corretora] de criptomoedas de Bankman-Fried, a FTX, que processa bilhões em transações todos os dias, e o terreno à beira-mar coberto de vegetação onde ele planeja construir uma nova sede com mil lugares, após se mudar de Hong Kong para as Bahamas quando a China proibiu o comércio de criptomoedas, no ano passado.

Bankman-Fried, geralmente conhecido como SBF, também desafia as expectativas. Em apenas três anos, o sucesso da FTX o catapultou para a fama e uma fortuna pessoal de aproximadamente US$ 24 bilhões (R$ 123 bilhões) em papéis. Sua empresa é apoiada por investidores de primeira linha, incluindo BlackRock e fundos de pensão do governo. Em março, o executivo-chefe da Goldman Sachs, David Solomon, encontrou-se com ele no território caribenho de Bankman-Fried. E na semana anterior ao nosso almoço ele organizou uma conferência em que entrevistou Bill Clinton e Tony Blair, jantou com Katy Perry e Tom Brady e foi perseguido para selfies por admiradores. Mesmo no palco, ele usou seus shorts e camiseta típicos.

Sam Bankman-Fried, presidente-executivo da FTX - Saul Loeb - 9.fev.2022/AFP

Embora Bankman-Fried tenha um talento especial para conquistar adeptos, a criptomoeda ainda é atacada por críticos que veem o setor como uma máquina financeira de moto contínuo, algo próximo de um esquema de pirâmide, que sobrevive sugando dinheiro novo. (Na semana passada esse impulso foi invertido, pois os preços dos tokens caíram.)

Bankman-Fried oferece uma narrativa diferente, focada em como a criptomoeda pode fazer o bem e dar a pessoas comuns o controle de seu dinheiro. Ele planeja doar pelo menos 99% do que ganha o mais rápido que puder. "Tenho uns US$ 100 mil em minha conta bancária. E acho que doamos cerca de US$ 100 milhões até agora este ano", diz ele. (Ainda assim, ele revelou na quinta-feira, 12, que encontrou dinheiro nos últimos meses para comprar uma participação de 7,6% na corretora de ações online Robinhood por US$ 648 milhões.) Sua ascensão meteórica mostra como a criptomoeda aumentou o poder de uma nova elite financeira, que é mais versada em tecnologia do que a antiga.

Estamos jantando no Albany, um exuberante condomínio privado onde o californiano mora. O restaurante se situa num conjunto cor-de-rosa de passarelas sombreadas. No andar de cima, sentado na varanda ventilada, pergunto ao garçom por que a vista me parece familiar. Porque esta é a praia onde Daniel Craig saiu da água com seu físico de James Bond no filme "Casino Royale". Agora o nome do restaurante também faz sentido: Vesper.

É difícil conciliar esse cenário com a reputação de Bankman-Fried como um dissidente que evita luxos em favor da filantropia. Mas, como estou prestes a descobrir, com Bankman-Fried poucos assuntos são tão simples.

Ele chega correndo à varanda, com meia hora de atraso, faz uma saudação nervosa e se joga na cadeira, desdobra o guardanapo e o puxa até a metade da barriga, como um cobertor.

Apesar de sua agenda implacável, ele não parece cansado. Mas admite prontamente que suas baterias sociais foram esgotadas por todas as aparições públicas e encontros com celebridades. "Não sou superextrovertido", diz ele. "Tenho uma breve vertigem na primeira vez que algo acontece."

Somos a única mesa ocupada, e os garçons estão por perto. Escolho uma entrada, os tacos de carne falsa Impossible, e depois um hambúrguer Impossible, em deferência ao veganismo de Bankman-Fried. Ignorando as entradas, ele opta por uma tigela de falafel, sem o queijo feta.

Bebida? Não. Paro por um momento para considerar se a abstinência de Bankman-Fried pode ajudar a explicar por que –quase exatamente com a mesma idade– ele tem US$ 24 bilhões e eu não. Então me refaço e peço uma taça de rosé.

Ele bebe muito? Não. Nunca? Ele calcula seu consumo de álcool em 0,5 a 1 unidade por ano. "A quantia que algumas pessoas perdem em produtividade para a bebida? Eu não ficaria surpreso se fosse 25% a 30%", diz ele. "Tentei ficar bêbado uma vez para ver como era e falhei, porque realmente odeio o gosto do álcool." Porcentagens e experiências. Ambos acabam por ser característicos do meu parceiro de almoço.

Quando nos encontramos, o valor total do mercado de criptomoedas é de apenas US$ 2 trilhões, uma queda de cerca de 40% em relação à alta do outono passado. Desde então, uma venda brutal tirou outros 35% de seu valor e abalou as fundações da criptomoeda. Pergunto a Bankman-Fried em que se baseia o valor dos mercados de criptomoedas.

A pergunta o atrai. Ele se apruma nos braços da cadeira, empolgado, e começa a primeira de suas respostas rápidas e bem estruturadas. Bankman-Fried está no campo que vê o valor da maioria dos tokens como uma aposta no potencial do blockchain para construir um sistema financeiro melhor. Ele toma o exemplo de um simples pagamento transfronteiriço. Usando blockchain, diz, essa transferência "será mais barata, mais rápida e terá muito mais chances de sucesso. E essa é a parte mais atraente para mim, eu acho".

O bitcoin é um caso especial, acredita. Ele o compara ao ouro como "um ativo, uma mercadoria e uma reserva de valor", mas diz que nunca funcionará para pagamentos do dia-a-dia. O sistema usado para validar transações de bitcoin não é capaz de operar na escala necessária, e os custos ambientais seriam inaceitáveis. Usar bitcoin para pagamentos diários seria como pagar compras com barras de ouro, diz. "Por que não vamos a uma loja e pagamos com barras de ouro físicas? Em primeiro lugar, seria ridículo e absurdo. Seria incrivelmente caro. E tenho certeza de que seria ruim para o clima."

O que mais o incomoda nas criptomoedas? "É uma combinação de não seguir totalmente o produto, mas pensar –ou pelo menos se posicionar– como se já fosse um produto que muda o mundo", diz ele, referindo-se a startups arrogantes que produzem um produto que mal funciona. "Se eu fosse o JPMorgan, não sei se estaria muito entusiasmado."

Mesmo os que acreditam na tecnologia podem ver os preços das criptomoedas como descontroladamente inflacionados. Eu tento uma abordagem direta: quanto do valor de US$ 2 trilhões da criptomoeda é besteira?

Bankman-Fried não se importa com a pergunta, mas gostaria que ela fosse esclarecida. Depois de algumas barganhas, concluímos que, se a maior parte do valor de um ativo deriva de pura moda, chamaremos isso de besteira. Com as premissas estabelecidas, Bankman-Fried faz uma pausa. "Tudo bem, me dê um segundo, só para calcular", diz ele, e olha fixamente para o oceano além das palmeiras.
"Meu senso básico é que, por volume ou valor de mercado, a maioria das criptomoedas é real. Mas pelo número de tokens a maior parte é besteira", diz ele. Para colocar um número nisso, excluindo o bitcoin: "Algo como 80% do valor de mercado vem de tokens que pelo menos na maioria não são besteira".

A ideia de que a maioria dos tokens é exagerada parece uma crítica bastante contundente. Bankman-Fried esclarece que cerca de 50 a 100 tokens parecem ter valor, enquanto os milhares restantes não. Mais tarde, procuro o número: a FTX lista 293 tokens para seus clientes negociarem.

Pergunto o que ele pensa dos críticos que comparam a criptomoeda a uma pirâmide. Novamente, minha pergunta exige um pouco de trabalho. Primeiro, ele aborda golpes em que as pessoas tentam enganar os investidores. "Pelo número de pirâmides, há muito mais em criptomoedas, tipo per capita, do que em outros lugares. Mas pelo tamanho das pirâmides reais não tenho certeza de que seja particularmente incomum. É como uma tonelada de extremamente pequenas", diz.

Mas o que Bankman-Fried acha que as pessoas estão realmente perguntando, quando consultam pirâmides em criptomoedas, é: "Quanto de criptografia é uma espécie de sistema estranho em camadas?... [um] esquema de monetização complicado sem nada como base?"

A essa altura, ele está fazendo as perguntas e respondendo, e eu apenas tomo minha bebida. Bankman-Fried gesticula com a mão direita; percebo que há um girador de prata zunindo em seus dedos esquerdos debaixo da mesa.

Ele retorna à crítica de que a criptomoeda está "supervalorizada e superaquecida". "Acho que é uma afirmação totalmente plausível", diz. "Eu certamente não sinto fortemente que é errado. E acho que você poderia ter feito essa afirmação sobre o mercado de ações há seis meses.'"

A comida chega, tudo de uma vez. Bankman-Fried recebe uma trágica tigela de vegetais com três falafels caídos no meio. O tronco nodoso de "carne" Impossible no centro dos meus tacos parece pouco atraente; o hambúrguer é melhor.

A FTX gastou milhões incentivando as pessoas a comprar criptomoedas. Seu anúncio no Super Bowl comparou a blockchain a invenções como a roda e a lâmpada e implorou aos espectadores: "Não percam". Mas eu me pergunto: quantos investidores de primeira viagem são fascinados pela tecnologia, versus aqueles que veem os ativos digitais como um cercadinho no qual podem especular e ganhar dinheiro?

Bankman-Fried brinca com minha pergunta tanto quanto brinca com sua salada: "Aqui estão duas palavras que acho que são próximas de sinônimos, mas têm conotações muito diferentes... descoberta de preços e especulação". A descoberta de preços é uma característica vital dos mercados, mas exige que as pessoas assumam grandes apostas e aceitem a chance de perder.

Voltando aos motivos dos investidores em criptomoedas, ele lança outra fração. Dois terços a três quartos dos investidores iniciantes em cripto só querem ganhar dinheiro. Seis meses depois, pelo menos 50% serão conquistados pelo entusiasmo pela tecnologia, estima ele.

"Eu certamente posso dizer que estava nessa categoria. Envolvi-me sem a menor ideia do que era uma blockchain. Estava apenas fazendo arbitragem", diz ele.

A jornada de Bankman-Fried para a cripto foi improvável. Filho de dois professores de direito de Stanford, ele estudou física no Instituto de Tecnologia de Massachusetts antes de aceitar um emprego na corretora Jane Street. Ele já estava interessado em filantropia, então parte da atração de Wall Street era a oportunidade de doar uma grande fração de seu salário.

Em 2017, mudou-se para o setor de caridade, trabalhando no Center for Effective Altruism, organização sem fins lucrativos que visa promover doações de alto impacto. Na mesma época, Bankman-Fried se interessou por criptomoedas e se deparou com os preços de tokens extremamente diferentes cotados pelas exchanges japonesas –uma oportunidade de ouro para arbitragem. "Eu ficava negociando a noite toda e, na teoria, trabalhando o dia todo", diz ele. "E depois de um mês ou dois eu pensei: isto é idiota."

Ele deixou o centro para se concentrar no comércio de criptomoedas, ganhando milhões rapidamente e fundando sua primeira firma de trading, a Alameda Research. Um ano e meio depois, fundou a FTX. O timing foi impecável. Em poucos meses, os preços dos tokens começaram sua escalada espetacular. A FTX aproveitou a onda para se tornar uma das maiores bolsas de criptomoedas do mundo. Mas sua equipe continua pequena e unida.

Em sua cobertura em Albany, Bankman-Fried ainda mora com seu cofundador, que conheceu no acampamento de matemática, e vários ex-colegas de quarto do MIT. "Não tenho tempo para trabalhar muito na organização de eventos sociais e de uma vida social", diz ele.

Enquanto estou comendo minha entrada, ele devorou seu prato principal –amassando as bolas de falafel com os dedos–, deixando um único caroço de azeitona e um raminho de hortelã no prato, que o garçom corre para retirar.

Dou uma mordida superficial no meu hambúrguer e conduzo a conversa para a ética dele. Bankman-Fried diz que mudou de instituições de caridade para criptomoedas porque se convenceu de que faria melhor ganhando o máximo que pudesse e depois doando.

"Conversei com algumas instituições de caridade [e perguntei]... vocês gostariam do meu dinheiro ou do meu tempo?", ele lembra. As instituições de caridade disseram que não havia dúvida. "Seu dinheiro –por um fator de, tipo, cinco."

Sua formação em altruísmo eficaz, um movimento filantrópico de cunho utilitarista, lhe dá uma estrutura para suas decisões, pesando custos e benefícios para alcançar o maior bem para o maior número.

Como outros adeptos, Bankman-Fried favorece causas com maior impacto na vida humana, da mudança climática a doenças evitáveis. O principal limite de suas doações é a rapidez com que o dinheiro pode ser efetivamente utilizado, diz ele.

O mais educadamente que posso, ressalto que seu estilo de vida –uma noite em Albany custa cerca de US$ 3.000– ainda é muito mais luxuoso que o da maioria das pessoas que moram em Nassau, muito menos no mundo. Ele acha que os críticos dos ricos se concentram nas coisas erradas. "Há um escrutínio incrível em detalhes minuciosos estranhos que acabam assumindo algum significado político", como voar em um jato particular, diz ele. "Se meu consumo pessoal for inferior a 1% do que ganho, não vou me preocupar com isso."

Eu finalmente abandonei meu prato. Pergunto como a FTX pesa em seus cálculos éticos. "Minha prioridade básica sobre as coisas em finanças, se você ignorar o ângulo criptográfico, é que elas estão em algum lugar entre neutras, mas um desperdício de poder intelectual, e moderadamente boas para o mundo", diz ele.

Ele se preocupa com os clientes que perdem quantias enormes em especulação, alguns negociando produtos derivativos arriscados que são proibidos em vários países?

O assunto deixa Bankman-Fried visivelmente desconfortável. Durante a refeição, ele se remexeu na cadeira, mas agora está com os braços e as pernas cruzados, todos amontoados numa posição de ioga.

"Você não quer que seja uma maneira de transferir riqueza dos pobres para os ricos", diz ele. "Há obviamente exemplos em que isso aconteceu. Mas acho que houve muito mais exemplos de pessoas que tinham muito pouco, que acabaram ganhando muito com a criptomoeda e para as quais ela mudou sua vida."

Eu sinalizo pedindo a conta e, quando ela chega, Bankman-Fried imediatamente estende a mão para pegá-la. Explico que o FT paga o almoço. "Obrigado", diz ele, surpreso.

Aproveito a oportunidade para uma pergunta final: a criptomoeda cumprirá suas afirmações de empoderar as pessoas? Bankman-Fried diz que ainda está em equilíbrio. Depende se o setor é vítima de monopólios. Ele acredita que os efeitos de rede e as barreiras regulatórias dificultaram a disrupção de bancos e plataformas de rede social, criando uma "elite entrincheirada".

"Muito disso vai se resumir exatamente a como é a regulamentação", diz ele. "Poderia ir para qualquer lado." Da mesma forma, o resultado dependerá de chefes de criptomoedas como Bankman-Fried –e se a nova elite é realmente tão diferente da antiga.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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