Crowdwork ou microtrabalho: entenda o trabalho digital que parou na Justiça

Empresa terá que registrar trabalhadores que ajudam robôs a corrigirem falhas na inteligência artificial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A 59ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) determinou que uma empresa de tecnologia formalize a contratação de todos os seus prestadores de serviços que atuavam como microempreendedores individuais (MEI) ou autônomos.

A decisão atende a um pedido do Ministério Público do Trabalho, autor de ação civil pública apresentada à Justiça em março de 2020. Segundo os procuradores do trabalho, essa é a primeira decisão em ação coletiva do Judiciário trabalhista tratando do crowdwork, modalidade também conhecida como microtrabalho.

Nesse modelo, os trabalhadores atuam numa espécie de apoio às ferramentas de inteligência artificial que abastecem empresas e plataformas. Eles monitoram respostas em chats automatizados e revisam a transcrição de áudios, por exemplo, fazendo correções e ajustes quando necessário.

Entenda o que é inteligência artificial Horizontal
Quem trabalha em 'crowdwork' faz microtarefas para abastecer e aprimorar sistemas de inteligência artificial - Catarina Pignato

Essa interferência humana serve para calibrar e aprimorar a inteligência artificial, que vai sendo treinada a partir dessas correções.

Segundo o MPT, as atividades via crowdwork são, em geral, de baixa complexidade e de curta duração (por isso alguns se referem ao modelo como microtrabalho, pois preveem a execução de microtarefas).

A Ixia Gerenciamento de Negócios Ltda, condenada ao reconhecimento de vínculo de seus trabalhadores –a decisão não diz quantos serão registrados–, informou na ação que seus prestadores de serviços eram empreendedores e tinham pessoas jurídicas próprias.

A Folha não localizou representantes da empresa –não há telefone de contato no site da companhia, nem email. O advogado que atuou no processo também não foi encontrado por telefone. No site que mantém no ar, a empresa informa ter sido fundada em 2005, por um grupo de especialistas em inteligência artificial, "com a missão de levar o atendimento não humano ao próximo nível."

Para a juíza Camila Costa Koerich, a afirmação de que os prestadores de serviços são empreendedores não se sustenta, pois não há empreendimento algum na relação entre as duas partes. O que há, na avaliação dela, são elementos de relação de emprego, como o valor econômico do trabalho estipulado por um terceiro (a empresa) e horário de trabalho.

Koerich também escreveu na sentença considerar que esse modelo de trabalho apresenta um paradoxo: "a pessoa humana que trabalha é empregada para realizar um serviço (repetitivo e de vínculo jurídico precário) que a inteligência artificial não conseguiu realizar sozinha, alimentando esta mesma inteligência artificial para, no futuro, sua função ser absolutamente desnecessária em razão do acompanhamento e evolução da inteligência artificial, o que gerará o seu desemprego."

Em nota, o procurador Rodrigo Castilho, que assinou a ação civil pública, disse considerar a decisão um marco nas relações de trabalho pois cria jurisprudência para outros casos do mesmo tipo.

Na ação, o MP do trabalho descreve diversas condutas da empresa com os prestadores que configurariam a relação de emprego, como a definição de escala mensal de trabalho. A empresa apresentava algumas opções de duração variada e os trabalhadores escolhiam, mas cabia à companhia a aprovação ou não.

Folgas precisavam ser comunicadas com 15 dias de antecedência e a rotina de trabalho era monitorada e controlada pela empresa –havia, por exemplo, um prazo máximo para a conclusão de cada atividade. Também segundo os procuradores, os trabalhadores precisavam ser MEI (o cadastro era um requisito obrigatório para trabalhar para a empresa).

Antes da apresentação da ação contra a Ixia, o MPT em São Paulo teve quatro procedimentos para investigar as práticas da empresa quanto às relações de trabalho. Os procurados no estado também encaminharam, em 2021, ações contra os aplicativos Uber, Rappi e 99.

Além do reconhecimento de vínculo de todos os seus trabalhadores responsáveis por teleatendimento, análise e classificação de dados, suporte técnico, pesquisas de satisfação e montagem de fluxos de sistemas de computação, a Ixia também foi condenada ao pagamento de R$ 130 mil por dano moral coletivo.

A condenação prevê que a empresa seja proibida de fazer novos contratos de trabalhadores como MEI ou autônomos. A empresa pode recorrer.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.