Descrição de chapéu mercado de trabalho

'Estado tem que atuar onde o braço do setor privado é mais curto', diz Zeina Latif

Economista assume Desenvolvimento Econômico de São Paulo

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São Paulo

Doutora em economia pela USP, Zeina Latif, 54 anos, assumiu na semana passada o comando da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, responsável por atrair investimentos ao estado e gerar empregos e renda.

A ex-economista-chefe da XP Investimentos conta que aceitou o desafio por confiar no governador Rodrigo Garcia (PSDB).

Ao empossá-la, o pré-candidato à reeleição, afirmou optar por manter a secretaria sob liderança feminina, com uma "equipe moderna e técnica para unir metas econômicas liberais e responsabilidade social na condução da gestão pública".

Latif não fez trocas no time de sua antecessora, Patricia Ellen, e afirma estar pronta para dialogar com demais órgãos públicos e com o setor privado, com quem pretende "encurtar as pontas".

"Não adianta oferecer um curso de qualificação que vai usar recurso do contribuinte e não vai aumentar a empregabilidade ou não irá ajudar a pessoa ter uma melhor remuneração", afirma Latif.

Economista Zeina Latif assume Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Como recebeu o convite para assumir a secretaria? Eu faço parte do time econômico do João Doria e, portanto, já conhecia o governador de outras ocasiões. Veio o convite que, num primeiro momento fiquei preocupada pela minha falta de experiência no setor público, mas o próprio governador falou: 'olha, Zeina, você vai chegar para trazer a visão de fora, para agregar'.

É uma casa que está arrumada, a questão é segurar o bastão e avançar bem. Isso facilitou a minha decisão.

Não há dúvida, antes de mais nada, a confiança no governador. Não fosse isso, eu seguiria minha vida no setor privado.

Quais políticas da secretaria vê como acertadas nos últimos anos e que devem continuar? Estou aprendendo ainda e vendo tudo que está sendo feito, porque é um leque bastante amplo. Em diretrizes gerais, pegando da minha formação e da minha experiência, quando a gente pensa em atuação do Estado na economia, ele tem que atuar onde o braço do setor privado é mais curto. E certamente numa situação de pandemia aumenta essa necessidade de ação estatal.

O que eu vejo na secretaria é que a natureza desses programas –que é treinamento, qualificação de mão de obra, inovação, melhora do ambiente de negócios– ajuda para reconhecer os talentos e as vantagens comparativas ou talentos de cada região, se a gente for analisar na ordem da pesquisa econômica, é onde o Estado tem que entrar.

Claro que, [seria diferente] se a gente tivesse um ambiente em que o setor privado dá conta da qualificação, mas não é o caso. A gente está falando da qualificação de pessoas mais carentes, que as vezes não vão ter acesso a um curso, de pessoas desempregadas há muito tempo, que não têm condições financeiras.

Tem políticas públicas da secretaria que são associadas à transferência de renda, mas condicionadas ao treinamento. Em linhas gerais, a atuação da secretaria é adequada quando a gente pensa do ponto de vista de recomendação de política pública.

O meu papel vai ser avaliar cada uma delas para, de fato, valorizar aquelas com maior impacto e reformular por ventura aquelas que a gente concluir que é necessário.

Esse é um trabalho que não é trivial. Envolve pesquisa acadêmia, institutos de pesquisa. O estado de São Paulo tem condições de fazer isso.

Nós temos no Brasil uma dificuldade com dados, mas acho que a missão é um pouco essa: quais políticas públicas têm maior impacto?

Algumas a gente bate o olho e diz: "isso aqui é interessante". Mas, de novo, parte do meu trabalho vai ser identificar essas políticas, com base em ciência, não em palpite.

E as parcerias? Uma coisa que a secretaria já faz e temos que avançar e ser ambiciosos é muita interlocução com órgãos públicos, com as universidades, com as secretarias de municípios, com os convênios que têm com municípios e o sistema S.

Você não vai resolver o problema das pessoas simplesmente anunciando uma política. Tem que ter a implementação dela. Quanto mais estiver conectada com os órgãos envolvidos, com quem tem a expertise, maior vai ser essa efetividade.

Agora, é mapear para ver onde tem gargalos, onde não tem, o que pode fazer para garantir a efetividade.

E com o setor privado? Por ora, há o desejo de muita conversa. Uma preocupação de cursos que sejam demandados pelo setor privado.

Como unir e fortalecer, encurtar as pontas com o setor privado para que de fato o conhecimento gerado se traduza em inovação. Nesse sentido de entender as demandas do outro lado e trabalhar junto.

Qual característica pessoal pretende trazer para a secretaria? É um conjunto de coisas. Primeiro, a minha formação de economista. Meu mestrado, meu doutorado, que é essencial. Mas também uma questão que não se trata de formação, que é a disposição de dialogar.

Dialogar não significa concordar. Tem horas que a gente vai ter divergências.

Para pensar em efetividade de política pública e de impacto na sociedade, tenho que pensar em qual é a demanda do setor privado. Não adianta oferecer um curso de qualificação que vai usar recurso do contribuinte que não vai aumentar a empregabilidade ou não irá ajudar a pessoa a ter uma melhor remuneração.

Ou quando pensamos o que o país, o que o estado investem em pesquisa para inovação. O quanto isso, de fato, se traduz em novas patentes, em inovação? Como potencializar essas políticas.

Na maioria das vezes envolve esse diálogo com outras instâncias e com o setor privado.

E qual a vantagem competitiva do estado de São Paulo? Tem as vocações naturais da região, óbvio. Mas tem vantagens que foram construídas.

Quando a gente pega o histórico de São Paulo, que, no início do século passado, começou a aumentar o gasto com a educação, fez reforma do sistema e todo um investimento em infraestrutura, isso é vantagem comparativa construída. Nossas universidades, os institutos de pesquisa são vantagens.

Nisso você entra num círculo virtuoso. Cria mercado, mão de obra qualificada, infraestrutura.

Nós estamos em um país que vem enfrentando crises econômicas muito profundas, um ciclo econômico muito acidentado e isso impacta todos.

Claro que temos, em todos os estados e secretarias afins, de melhorar o ambiente de negócios, garantir a inclusão de pessoas, não só numa questão moral, mas até por crescimento. Pessoas que ficam à margem do mercado de trabalho ficam também à margem do mercado consumidor.

Exercer cidadania –está documentado até na literatura econômica– vai além de questões morais de não deixar ninguém para trás. Por que vale a pena não deixar ninguém para trás. Cria cidadãos, ajuda no desenvolvimento de uma forma geral. Isso tem impacto em indicadores de criminalidade e sociais importantes para o crescimento.

O nosso papel, ainda mais num contexto difícil de um país que cresce tão pouco, [é ver] o que podemos fazer para vencer as dificuldades e ter olhar para falhas de ação estatal e procurar aprimorar.

Como desenvolver uma região como a cracolândia? Não tem como sem tratar primeiro a questão da segurança e da saúde. Precisa fazer um bom planejamento e ter estudado a viabilidade. Bate numa questão mais assistencial. A minha resposta é superficial porque eu ainda não discuti esse assunto. Podemos retomar, em outro momento.

Num país que está com a inflação em alta, como o estado pode fomentar o empreendedorismo? As várias políticas da secretaria existem porque são necessidades muito diferentes dependendo do segmento da sociedade.

Geralmente, o fato de enfrentar dificuldades para encontrar uma ocupação aumenta o interesse por empreender. Vimos isso na pandemia. Pessoas que perderam o emprego e partiram para algo por conta própria.

O empreendedorismo dessas pessoas pode ser a porta de saída.

Quando a gente pensa em empreendedorismo aqui e em qualquer lugar, a taxa de fracasso é alta. Mas cabe ao Estado também financiar. E, nos casos de sucesso, buscar formas de dividir esse benefício da sociedade.

Por que tem que ter intervenção estatal? Porque o setor privado vai dizer: não vou financiar esse negócio. Esse fator risco cabe ao Estado assumir. Ou dando crédito diretamente ou dando garantias.

Zeina Latif

economista

O fato de ter um ciclo econômico difícil, um país que cresce pouco, corre o risco de ter o caso de muitos empreendedores que não prosperam, mas isso não é justificativa para a gente não dar apoio.

Em quanto a secretaria pode avançar até o final o final deste ano, antes de um novo mandato? Dessas várias políticas, algumas são mais caras ao governador. São as que têm números importantes e estão conectadas à demanda da sociedade.

Tem todos os programas de qualificação profissional e de reinserção no mercado de trabalho.

Por exemplo, o Empreenda Rápido. Estamos falando de um quadro em que a inadimplência, infelizmente, está aparecendo de novo. Não se trata de simplesmente ajudar essas pessoas, mas está associado a algum tipo de treinamento.

Num contexto em que as tecnologias avançam, que as exigências do mercado de trabalho são maiores, que tem gente que está muito tempo desempregada e que não vai conseguir se recolocar se não tiver essa requalificação e não consegue isso no setor privado e pensando na questão do nome limpo, essas seriam as prioridades nesse momento.

Temos que ter um norte, muitas vezes não se consegue algo num curto prazo, mas tem ali objetivo a longo prazo. Independe de agendas políticas. É olhar a curto prazo com diretrizes a longo prazo.

Como um possível novo mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República pode impactar o estado de São Paulo? Nós tivemos governo Bolsonaro, governo petista, e o estado de São Paulo tocou bem. Olhando os números, estamos falando de um estado que cresceu mais do que a média do país, que muitas políticas foram feitas da saúde passando pelo emprego.

O governo do estado não deu as costas para a sociedade durante a pandemia. Sempre dá para melhorar, mas seria injusto não reconhecer, e os números estão aí.

Dá para gerenciar o estado de forma independente do governo federal? Tem que! E quando tiver nó, tem que se fazer um diálogo. No nível federal tem bons profissionais também, tem trabalho sendo feito.

Raio-X

Zeina Latif é doutora em economia pela USP. No setor privado foi economista de importantes instituições financeiras e consultora. É autora do livro "Nós do Brasil: nossa herança, nossas escolhas". Foi colunista do Estadão e do jornal O Globo.

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