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Filhos do Plano Real lidam com inflação pela primeira vez

IPCA de dois dígitos faz jovens nascidos nos anos 1990 reduzirem consumo e adiarem planos

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Rio de Janeiro

Stephanie Lopes, 27, reduziu as idas ao shopping e os pedidos de delivery nos finais de semana. Fernanda Lima, 25, começou a pegar folhetos nos supermercados para vigiar os preços. Iago Madureira, 24, vê o sonho de morar sozinho cada vez mais distante.

Em comum, todos eles nasceram após o Plano Real, de julho de 1994, que controlou a hiperinflação que castigava a economia brasileira —em junho, às vésperas da implementação do real, os preços acumulavam alta de 4.922% em 12 meses.

Agora, a geração desses jovens precisa lidar com o problema de uma alta intensa de preços pela primeira vez.

No acumulado de 12 meses até abril deste ano, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) teve avanço de 12,13%, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

É a maior inflação desde outubro de 2003 (13,98%), período em que a geração nascida após 1994 ainda não tinha completado 10 anos de idade.

Aos 27 anos, casada e com uma filha, Stephanie busca estratégias para economizar, cortando despesas da rotina de casa, na zona norte de São Paulo.

Usar menos vezes a máquina de lavar roupa na semana é uma das medidas adotadas para tentar baixar a conta de luz.

"Senti mais a diferença da alta dos gastos da metade do ano passado para cá", conta ela, que tem o ensino médio completo e trabalha como babá, recreadora de festas infantis e personal organizer.

A moradora de São Paulo Stephanie Lopes, 27, tenta economizar em tempos de inflação alta - Karime Xavier/Folhapress

Para Fernanda Lima, que mora no Rio de Janeiro com o namorado, o que mais impacta seu dia a dia é a inflação de alimentos no supermercado.

Em razão da alta dos preços, ela resolveu substituir parte dos produtos da cesta de compras. O consumo de carne bovina e de frango diminuiu.

"Agora é normal pegar vários folhetos de supermercado e ficar vigiando os preços", conta Fernanda, que é formada em gestão de recursos humanos e trabalha na área de TI (tecnologia da informação).

Carro parado na garagem e consumo adiado

No caso de Iago Madureira, o que mais vem pesando é a inflação do combustível. Por isso, o jovem tem deixado o carro parado por mais tempo na garagem.

Com o litro da gasolina acima de R$ 7, ele está fazendo mais deslocamentos diários de metrô no Distrito Federal, onde vive com a mãe.

"Antes, o gasto com combustível era de uns R$ 260, R$ 280, cada vez que enchia o tanque do carro. Hoje em dia não me dou ao luxo de encher. Tenho até medo do valor que pode dar."

As idas a restaurantes ficaram mais escassas. Por precaução, até o plano de morar sozinho foi postergado, segundo o jovem, que é formado em comércio exterior e estuda relações internacionais.

"Tenho o sonho de morar sozinho. Mas isso fica mais difícil agora. As contas de luz e as outras despesas do dia a dia acabam distanciando esse plano", relata Madureira, que nasceu em 1997 e trabalha como auxiliar administrativo.

Luiz Antônio Lourenço, 25, também ligou o sinal de alerta com os preços. Nos últimos meses, o jovem passou a pesquisar mais os produtos no supermercado antes de fazer as compras.

Além disso, resolveu adiar a troca do celular e de móveis e utensílios para a casa, no município mineiro de Esmeraldas (a 60 km de Belo Horizonte), onde vive com o namorado.

Nascido em 1996, Lourenço é formado em biblioteconomia e trabalha como auxiliar administrativo.

"Agora, não saio tanto por motivos de lazer. Acabo planejando mais antes de fazer alguma coisa. É preciso pensar no longo prazo", aponta.

Cenário é "bem ruim", diz economista

Segundo analistas, a disparada da inflação reflete um conjunto de fatores. A pandemia, por um lado, desajustou cadeias produtivas globais. Com isso, gerou escassez de insumos e impactou os preços de bens industriais no país e no exterior.

O Brasil também registrou pressão do dólar em meio a turbulências políticas recentes, além de problemas climáticos que encareceram as contas de luz e os alimentos.

Em 2022, o cenário inflacionário reúne um componente adicional: a Guerra da Ucrânia.

O conflito no Leste Europeu elevou as cotações de commodities agrícolas e do petróleo no mercado internacional no primeiro trimestre. O resultado foi a pressão sobre alimentos e combustíveis no Brasil.

"O mundo vinha de um período de inflação mais baixa antes da pandemia. Na crise sanitária, houve medidas de estímulo à demanda por bens e serviços, mas a oferta não acompanhou esse movimento. Teve uma desconexão entre oferta e demanda", afirma o economista Luca Mercadante, da Rio Bravo Investimentos.

"Este ano também tem os efeitos da guerra. A pressão inflacionária, não só no Brasil, mas no mundo todo, não é passageira. Tem uma persistência maior", acrescenta.

Mercadante também faz parte da geração que cresceu após a implementação do Plano Real. Ele nasceu em 1999.

Por ora, o mercado financeiro projeta IPCA próximo de 8% no acumulado de 12 meses até dezembro de 2022. A mediana das estimativas é de 7,89%, de acordo com o boletim Focus, divulgado pelo BC (Banco Central).

A Rio Bravo, por sua vez, prevê inflação de 7,2%. Contudo, o viés é de alta na estimativa, indica Mercadante.

Segundo ele, o cenário inflacionário tende a continuar "bem ruim", mesmo com a perspectiva de o IPCA desacelerar até dezembro, em relação ao nível atual.

"A gente segue com as cadeias produtivas pressionadas", diz.

Na variação mensal, o IPCA subiu 1,62% em março. Foi a maior alta para o mês desde 1994 (42,75%), antes da implantação do real. Ou seja, o avanço foi o mais intenso para março em 28 anos. A alta desacelerou em abril, mas se manteve elevada (1,06%) —a maior para o mês desde 1996.

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