Empresas de tecnologia cortam empregos na nova realidade do mercado

Setor analisa número de funcionários como uma maneira imediata de cortar custos

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Dave Lee Hannah Murphy
San Francisco e Nova York | Financial Times

"É um dia difícil", dizia a linha de assunto do email que Shelly Little recebeu de seus chefes na Carvana, uma loja online de carros usados.

A nota sinalizava que Little era um dos quase 2.500 funcionários demitidos pela empresa com sede nos Estados Unidos nesta semana, em um clima descrito por outro funcionário como "histeria em massa". Desde o início do ano, as ações da empresa, famosa por vender carros em imponentes "máquinas automáticas" de vários andares, caíram 84%.

"Enquanto avalio as ramificações disso, tudo o que posso pensar é 'uau'", escreveu Little no LinkedIn, informando a seus amigos e colegas de trabalho que ela era um dos 12% que foram dispensados da Carvana.

Logos de Facebook, Google e Twitter - Reuters

Sua experiência reflete a súbita sobriedade que se abateu sobre o setor tecnológico dos Estados Unidos, motivada por uma profunda e ampla liquidação de ações, à medida que os investidores se preocupam com o aumento das taxas de juros e a desaceleração do crescimento econômico.

As empresas de capital fechado estão sendo forçadas a reajustar as expectativas sobre avaliações, acesso a financiamento e apetite por risco entre os capitalistas de risco, que talvez estejam dando mais valor à cautela.

"Acho que certamente é humilhante para muitas pessoas em tecnologia que pensavam que as coisas nunca seriam diferentes, ou não planejaram um dia chuvoso, ou estavam sendo um pouco bombásticas", disse Semil Shah, fundador e sócio geral da Haystack, empresa de capital de risco sediada em San Francisco.

"Se você estivesse realmente contando as galinhas antes de chocarem, ou estivesse pensando em todas as riquezas que viriam, vai demorar um pouco."

Nos mercados abertos, a Carvana foi uma das mais atingidas, mas não a única. A DoorDash, líder de mercado nos EUA em entrega de comida de restaurantes, caiu 49% no acumulado do ano. Affirm, uma das maiores do setor antes altamente badalado do "compre agora e pague depois", caiu 75%. Shopify, a operadora de comércio eletrônico regularmente considerada a ameaça mais séria ao domínio da Amazon, caiu 67%. A imagem tinha sido ainda mais sombria até um aumento geral durante o pregão na sexta-feira (13).

Mesmo as grandes empresas de tecnologia, algumas das ações de crescimento mais seguro na última década, sofreram grandes quedas. Apple, Amazon, Alphabet e Meta tiveram coletivamente US$ 2,1 trilhões varridos de suas capitalizações de mercado. No caso da Apple, a queda de US$ 600 bilhões foi suficiente para vê-la destronada esta semana pela Saudi Aramco como a empresa de capital aberto mais valiosa do mundo.

O fato de uma gigante de energia assumir seu lugar é ilustrativo da mudança na confiança dos investidores, de empresas com forte crescimento de receita, mas resultados mais instáveis, para apostas mais seguras, disse Brent Thill, analista da Jefferies.

"É um vômito da tecnologia em grande escala, completo, um verdadeiro botão de ejeção", disse ele. "Menos de um ano se passou e todas as empresas de software de alto crescimento agora são malignas, sem lucros. Acho que há uma mudança total da tecnologia para setores defensivos, energia e serviços públicos."

As empresas de tecnologia estão reagindo abordando o básico –cortando custos, reduzindo a queima de caixa e concentrando-se nos fundamentos.

"Tenho falado sobre fluxo de caixa livre mais do que pensei desde que tive minha primeira aula de contabilidade, é meio louco", disse uma pessoa numa grande empresa de tecnologia.

Da mesma forma, na Uber, com as ações caindo 45% este ano, o executivo-chefe Dara Khosrowshahi disse à equipe em um memorando no fim de semana passado: "As balizas mudaram. Agora é sobre fluxo de caixa livre".

"Em tempos de incerteza, os investidores buscam segurança", acrescentou na nota, divulgada pela CNBC e verificada pelo Financial Times. "Eles reconhecem que somos líderes em escala em nossas categorias, mas não sabem o quanto isso vale. Aproveitando Jerry Maguire, precisamos mostrar a eles o dinheiro."

Depois de renomear e reorientar drasticamente sua empresa no ano passado, a ânsia do executivo-chefe da Meta, Mark Zuckerberg, em torno do metaverso abriu caminho para um entusiasmo maior por grandes investimentos. A empresa de rede social prometeu no mês passado reduzir suas previsões de gastos em vários bilhões de dólares ao longo deste ano.

Com esse fim, a Meta puxou o freio de mão no forte crescimento do número de funcionários. De acordo com um memorando interno do diretor financeiro da companhia, David Wehner, obtido pelo FT, ela recrutou mais empregados no primeiro trimestre deste ano do que em 2021 inteiro –mas isso terminou.

"Precisamos dar outra olhada em nossas prioridades e tomar algumas decisões difíceis sobre quais projetos assumiremos em curto e médio prazo para alcançar a orientação de reduzir despesas com que nos comprometemos no relatório de ganhos", escreveu ele, acrescentando: "Isso afetará quase todas as equipes da empresa".

Uma nota de outro executivo da Meta disse que as entrevistas de emprego agendadas para possíveis funcionários de engenharia de nível júnior e médio serão "sensivelmente canceladas".

O Twitter, potencialmente à beira da aquisição por Elon Musk, disse na quinta-feira (12) que não atingiu seus próprios "marcos intermediários" de crescimento, por isso está "reduzindo custos não trabalhistas para garantir que estamos sendo responsáveis e eficientes".

Empresas de todo o setor tecnológico analisam de perto o número de funcionários como uma maneira imediata de cortar custos. O site Layoffs.fyi, que rastreia demissões entre startups de tecnologia de capital aberto e privado, registrou um aumento a partir de fevereiro, embora os níveis ainda estejam muito abaixo dos estágios iniciais da pandemia de coronavírus. A startup de entregas de comida Reef, a plataforma de celebridades Cameo e o aplicativo de dieta e bem-estar Noom estão entre as empresas privadas que demitiram funcionários.

Apenas se começa a sentir como a liquidação de tecnologia está impactando o setor privado e o ecossistema de financiamento que a sustenta.

De acordo com um relatório publicado pelo grupo de análise PitchBook esta semana, as empresas mais próximas de migrar para os mercados abertos e tentar arrecadar quantias maiores foram as primeiras a enfrentar ventos contrários, experimentando um "sentimento muito diferente dos investidores" em comparação com as altas avaliações em 2021.

Segundo a CB Insights, o financiamento global de capital de risco no primeiro trimestre de 2022 caiu 19% em relação ao trimestre anterior, a maior queda percentual desde o terceiro trimestre de 2012. O número de saídas públicas –seja por oferta pública inicial ou fusão com Spacs– caiu 45%.

Shah, da Haystack, disse que o dinheiro para startups já se tornou mais difícil de obter para empresas sem um modelo de negócios firmemente estabelecido.

"As pessoas ainda estão preenchendo cheques", disse ele. "Mas se você está levantando 500 mil, 5 milhões ou 50 milhões, tem que lutar por eles muito mais do que teria que lutar um ano atrás."

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