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Lockdown na China deixa milhões de pessoas sem trabalhar

Migrantes e recém-formados foram os mais atingidos pelo mercado de trabalho fraco

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Vivian Wang
Hong Kong | The New York Times

Depois de mais de um mês em confinamento, Zeng Jialin pôde finalmente retornar à fábrica de autopeças de Xangai onde trabalhava. Ele estava prestes a ser liberado de um centro de quarentena, depois de se recuperar da Covid, e estava desesperado para compensar os muitos dias de salário que havia perdido. Mas na terça-feira, quando deveria ser liberado, alguém na instalação de isolamento lotada testou positivo novamente. Zeng, 48, recebeu ordem para esperar mais 14 dias.

"Tenho três filhos, na faculdade, no ensino médio e no ensino fundamental. A pressão é enorme", disse ele em entrevista por telefone. Grande parte de seu salário diário de US$ 30 (R$ 150) os sustentava. "Também devo dinheiro ao banco, por isso estou muito ansioso."

Enquanto a China luta contra seus piores surtos de coronavírus, sua determinação intransigente de eliminar infecções deixou milhões de pessoas incapazes de trabalhar. Bloqueios rigorosos, atingindo cidade após cidade, forçaram fábricas e empresas a fechar, às vezes durante semanas, inclusive em alguns dos centros econômicos mais importantes do país.

Dois grupos foram especialmente atingidos: trabalhadores migrantes –os cerca de 280 milhões de pessoas que vão de áreas rurais para as cidades para trabalhar em setores como manufatura e construção– e recém-formados. Cerca de 11 milhões de estudantes universitários, um recorde, devem se formar este ano.

Pessoas esperam em rua onde trabalhadores chineses e migrantes se reúnem para trabalhos temporários, perto da fronteira com a província de Hebei, China - Tingshu Wang - 13.abr.2022/Reuters

A campanha da China contra o vírus repercutiu economicamente em todo o mundo, prejudicando as cadeias de suprimentos globais e diminuindo as importações. Mas os problemas de emprego podem preocupar particularmente os líderes chineses, que há muito obtêm grande parte de sua autoridade política com promessas de prosperidade econômica. Como os bloqueios prejudicaram a capacidade das pessoas de pagar aluguel e comprar alimentos, muitas ficaram cada vez mais frustradas com as políticas oficiais de Covid zero. Algumas vezes a insatisfação irrompeu em raros protestos públicos.

A segunda maior autoridade da China, Li Keqiang, anunciou recentemente que o governo tomaria a medida incomum de distribuir ajuda de subsistência a trabalhadores migrantes desempregados e subsidiar empresas que contratassem jovens.

"A nova rodada de surtos de Covid atingiu bastante o emprego", disse Li em 27 de abril.

É difícil julgar a verdadeira escala do problema. Oficialmente, o desemprego urbano, principal indicador do governo, cresceu apenas 0,3% entre fevereiro e março, mesmo com os bloqueios paralisando as locomotivas econômicas de Shenzhen e Xangai.

Mas os números oficiais do desemprego são amplamente considerados abaixo da realidade. Eles não incluem muitos trabalhadores migrantes e só contam as pessoas como desempregadas se puderem começar a trabalhar dentro de duas semanas. Isso excluiria as pessoas sob bloqueios prolongados ou o número crescente de jovens que adiam a procura de emprego.

As novas medidas de apoio do governo sugerem que o problema é mais sério do que as autoridades deixam transparecer, disse Stephen Roach, ex-presidente do Morgan Stanley Asia, hoje membro sênior do Instituto Jackson para Assuntos Globais da Universidade Yale. O governo também aumentou os pagamentos para trabalhadores migrantes desempregados antes da crise financeira global em 2008.

"O anúncio em si é uma pista de que potencialmente há algo muito maior acontecendo nessa parte contingente do mercado de trabalho", disse Roach. "Este pode ser o maior desafio da China desde o período de 2008 a 2009."

Os trabalhadores migrantes da China, embora constituam a espinha dorsal da economia do país, sempre conseguiram subsistir precariamente. Eles ganham salários escassos e quase não têm proteções ou benefícios trabalhistas, circunstâncias agravadas pela pandemia.

Os trabalhadores geralmente moram em dormitórios das empresas ou em acomodações temporárias baratas, mas quando as fábricas fecham muitos não podem mais pagar o aluguel ou ficam presos em seus locais de trabalho, segundo notícias chinesas e postagens nas redes sociais. Alguns dormiam embaixo de pontes ou em cabines telefônicas.

Os entregadores, alguns dos poucos trabalhadores autorizados a continuar trabalhando, tiveram que escolher entre abrir mão da renda e correr o risco de serem trancados fora de casa. Outros assumiram empregos de alto risco construindo ou equipando centros de quarentena, apenas para serem infectados.
Autoridades de Xangai reconheceram que o número de sem-teto aumentou durante o bloqueio. As autoridades locais e centrais prometeram apoio, mas muitas questões permanecem.

Quando o primeiro-ministro Li anunciou os subsídios de desemprego ampliados, não especificou quanto dinheiro seria fornecido. (A agência de notícias estatal Xinhua disse que o governo alocou este ano cerca de US$ 9,3 bilhões –R$ 46,3 bilhões– em ajuda a desempregados.) Também não está claro como os trabalhadores receberão o dinheiro. Embora a China tenha seguro-desemprego, muitos trabalhadores migrantes são inelegíveis ou não sabem como solicitá-lo.

Zeng, operário da fábrica de autopeças, disse que não estava ciente das declarações de Li e nunca tinha ouvido falar em seguro-desemprego. Ele esperava ser empregado depois de ser liberado da quarentena, mas sabia que talvez tivesse que voltar para casa na província de Guizhou.

"Vou ver se a fábrica reabre. Se abrir, eu vou lá", disse ele. "Se não, não há nada que eu possa fazer."
Ainda assim, qualquer risco político para Pequim provavelmente permanecerá pequeno, disse Aidan Chau, pesquisador do Boletim de Mão de Obra da China, um grupo de defesa de Hong Kong. O problema dos trabalhadores migrantes, embora agudo, provavelmente diminuirá à medida que os bloqueios cessarem. O governo também prometeu investir em projetos de infraestrutura para gerar mais empregos na construção. E os trabalhadores migrantes em geral têm pouco poder político e podem ser silenciados pelas autoridades locais se reclamarem.

O problema mais intratável talvez seja o emprego de colarinho branco. A resistência em Xangai ao bloqueio foi alimentada em parte por sua grande população de residentes instruídos, que estão mais acostumados a se manifestar, mesmo no ambiente altamente controlado do país. No final de março, moradores de uma comunidade de classe média se reuniram do lado de fora e gritaram: "Queremos comer! Queremos trabalhar!"

Causam preocupação especial as fileiras crescentes de graduados universitários do país. Os formuladores de políticas se preocupam há anos em como garantir uma oferta adequada de empregos para eles. Mas a escassez tornou-se especialmente terrível este ano.

Ao mesmo tempo em que os bloqueios atingem pequenas e médias empresas, o governo também embarcou em uma ampla repressão regulatória em setores como tecnologia, imóveis e educação –setores outrora altamente desejáveis para os jovens. Houve demissões em massa.
Havia apenas 0,71 vaga disponível para cada candidato recém-formado no primeiro trimestre deste ano, o número mais baixo desde que os dados foram disponibilizados em 2019, conforme um relatório daUniversidade Renmin em Pequim e o site de empregos Zhaopin.

Até os estágios são difíceis de encontrar. Para aumentar suas chances de conseguir um neste semestre, Xu Yixing, estudante de faculdade vocacional em Xangai, se ofereceu para trabalhar sem remuneração, mas ainda assim foi recusado por suas principais opções. Uma empresa farmacêutica acabou contratando-o, mas o dispensou quando Xangai foi bloqueada.

Xu, que estuda aplicativos de computador e publicidade, disse que não estava muito ansioso com a concorrência. Era a pandemia que o preocupava.

"Com a epidemia, isso só depende do destino", disse ele. "Não importa que você trabalhe bem."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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