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Entenda por que as exportações da China estão desacelerando

Lockdown para conter a Covid-19 em Xangai impactou a economia de toda a China

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O empresário Du Chuankui, de Xangai, está preso em casa há mais de um mês, já que a cidade trancou a maioria de seus 25 milhões de habitantes desde o final de março para conter a Covid-19. Depois de quase 20 anos na indústria de exportação, agora Du está preocupado com o futuro de sua empresa.

Du administra uma fábrica no distrito de Jinshan, subúrbio no sudoeste de Xangai, que produz aparelhos de massagem e beleza principalmente para clientes estrangeiros. As vendas anuais chegam a 400 milhões de yuans (R$ 304 milhões).

Os lockdowns interromperam a produção na fábrica de Du. Ele entrou em contato com clientes e pediu mais prazo para entrega, mas se a produção não puder ser retomada em maio alguns clientes provavelmente mudarão para rivais, disse Du.

Entrada de área residencial é fechada durante o lockdown de Xangai, na China - Aly Song/Reuters

Março e abril são geralmente os meses mais movimentados para os exportadores chineses aceitarem pedidos e aumentarem a produção.

Mas, à medida que a onda de surtos de Covid deste ano se espalhou, impulsionada pela variante ômicron altamente transmissível, as medidas rigorosas para controlar o vírus interromperam drasticamente os negócios em toda a China.

As exportações têm sido a principal força motriz que impulsiona a recuperação da segunda maior economia do mundo desde o início da pandemia, há mais de dois anos.

Os exportadores chineses experimentaram sete trimestres de crescimento rápido, enquanto o país reprimia amplamente o vírus desde o início de 2020 e o resto do mundo lutava para contê-lo. Mas a locomotiva está perdendo vapor à medida que os últimos surtos frearam o crescimento.

Alguns exportadores se dizem preocupados que as disrupções da pandemia na China acelerem uma reestruturação global da cadeia de suprimentos, afastando-se do país, à medida que os clientes estrangeiros encaminham mais pedidos para o Sudeste Asiático, onde os governos descartaram as medidas de controle do vírus.

Outra ameaça é que os clientes dos Estados Unidos e da Europa invistam mais na produção doméstica.

"Os clientes estrangeiros não vão mais apostar em suprimentos da China", disse Xu Yi, fundador da provedora de serviços comerciais Mayibida. "Os clientes podem procurar fornecedores alternativos na China, mas a questão é que ninguém sabe qual é o próximo local a ser atingido por surtos e bloqueios."

A situação se soma a uma tempestade perfeita que atinge o crescimento das exportações da China.

De acordo com a Administração Geral das Alfândegas, o comércio total de mercadorias da China aumentou 10,7%, para 9,42 trilhões de yuans (R$ 7,16 trilhões) no primeiro trimestre, incluindo aumentos de 13,4% nas exportações e 7,5% nas importações. Isso em comparação com ganhos de 38,7% nas exportações e 19,3% nas importações no mesmo trimestre de 2021.

Os indicadores econômicos sinalizam uma desaceleração adicional da atividade empresarial.

A indústria manufatureira da China se contraiu em abril no ritmo mais acelerado em mais de dois anos, mostrou uma pesquisa patrocinada pela agência de notícias Caixin. Os índices que acompanham a produção, novos pedidos e prazos de entrega caíram para os níveis mais baixos desde março de 2020.

À medida que o comércio interno diminui, as disrupções na logística internacional causadas pela guerra na Ucrânia estão aumentando os problemas dos comerciantes chineses. O porto de Odessa, na Ucrânia, é uma importante porta de entrada para os produtos têxteis chineses no mercado europeu.

Mas, à medida que a guerra se prolonga, os exportadores têm de enviar seus produtos para Istambul, na Turquia. A cadeia logística estendida aumenta a pressão na cadeia de capital dos exportadores, disse um trader.

As pressões sobre os comerciantes chineses também vêm da concorrência estrangeira renovada, conforme outros países se apressam a relaxar os controles do vírus e a retomar o comércio desde o final de 2021.

Muitos pedidos que antes eram feitos a fabricantes chineses estão indo para produtores domésticos ou fornecedores no Vietnã, Indonésia e México, onde as restrições são menos rígidas, disse Xu, da Mayibida.

Em uma pesquisa da Mayibida com cem empresas exportadoras ao redor do porto de Qingdao, quase a metade delas relataram queda nos negócios no primeiro trimestre. Uma pesquisa semelhante em 2021 mostrou que apenas 35% das empresas relataram declínios.

Uma descoberta mais preocupante é que mais de 50% das empresas com vendas anuais de exportação entre 50 milhões de yuans e 100 milhões de yuans (R$ 38 milhões e 76 milhões) relataram quedas nas vendas ano a ano, em comparação com 10% das empresas um ano atrás, segundo a Mayibida.

"Isso indica que os surtos de ômicron não afetaram apenas os pequenos exportadores, mas também os grandes", disse Xu, da Mayibida.

Os bloqueios persistentes ao vírus que afetam centros industriais como Shenzhen e Xangai desde março estão revertendo o crescimento das exportações da China, disse um funcionário de uma empresa de serviços de exportação. Se as restrições continuarem endurecendo, o crescimento irá desacelerar ainda mais nos próximos trimestres, disse essa pessoa.

Ventos contrários reforçados


Guo Hongqin administra uma empresa de exportação de têxteis há 17 anos em Ruili, pequena cidade na província de Yunnan, no sudoeste da China, na fronteira com Mianmar. Desde setembro de 2020, seus negócios pararam gradualmente à medida que repetidos surtos de Covid levaram a várias rodadas de bloqueios.

"No começo, eu dizia aos clientes que adiaria a entrega, mas afinal isso foi nunca", disse ela.
Em setembro de 2021, Guo começou a transferir as exportações de Ruili para os portos de Shenzhen e Ningbo. Mas isso significou um aumento de dez vezes nos custos de logística e prazos de entrega triplicados.

Agora, a firma está funcionando com pedidos que são apenas um quarto do nível anterior à pandemia.

No final de abril, o maior mercado atacadista de commodities do mundo, em Yiwu, entrou em bloqueio parcial depois que foram relatados vários casos de infecção locais. A cidade na província de Zhejiang fabrica e exporta quase tudo, de necessidades diárias até decorações para festas, vendendo para mais de 210 países e regiões.

Após uma breve interrupção no início de 2020, quando a pandemia começou, a produção em Yiwu se recuperou rapidamente. Em 2021, as exportações da cidade aumentaram 21,7%, para 365,9 bilhões de yuans (R$ 278 bilhões). Elas cresceram 57,1% no primeiro trimestre deste ano. Mas há sinais preocupantes.

"Quase não houve novos pedidos desde meados de março", disse Ding Xingjuan, presidente da Câmara de Comércio de Acessórios de Joias do Yiwu International Trade Mart. A maioria dos fabricantes de acessórios de Yiwu abastece comerciantes em Xangai, que vendem seus produtos em todo o mundo. Mas quando Xangai entrou em confinamento suas empresas foram forçadas a parar, de acordo com Ding.

O fornecedor de logística comercial Worldwide Logistics Group sentiu o aperto. Muitos de seus clientes exportadores reduziram as entregas porque as medidas de controle do vírus em várias cidades prejudicaram a produção. As incertezas estão dificultando tanto os exportadores quanto os importadores para aceitar ou fazer pedidos, disse Lin Jie, fundador da Worldwide Logistics.

As incertezas podem forçar as empresas a não cumprir os contratos, custando-lhes clientes no exterior, disse Xu, da Mayibida.

Uma pesquisa com 1.500 empresas exportadoras em meados de abril mostrou que 90% dos exportadores de pequeno e médio porte não entregaram no prazo durante os surtos mais recentes, e 90% reduziram a produção devido às restrições do vírus. Os custos crescentes de material e logística também pressionaram os negócios.

A rotatividade de carga nos principais portos chineses, um importante indicador comercial, caiu 5,1% em meados de abril em comparação com um ano atrás, mostraram dados da Associação de Portos da China. A rotatividade de cargas estrangeiras caiu 4,9%.

Embora o transporte marítimo global tenha se recuperado gradualmente do caótico 2020, o congestionamento cada vez maior no porto de Xangai, o maior porto de contêineres do mundo, está alimentando novas preocupações sobre problemas na cadeia de suprimentos.

A falta de trabalhadores no porto e de caminhoneiros para o transporte terrestre causada pelos lockdowns está dificultando as operações. Os armazéns estão cheios devido a entregas atrasadas e os navios esperam em filas mais longas para carregar ou descarregar.

O congestionamento portuário e as mudanças crescentes nos horários de embarque estão trazendo mais incertezas para os exportadores. Zhang Xiaojian, gerente da agência de serviços de navegação Xiaxuan International Logistics Co., em Xangai, disse que a escassez de transporte rodoviário tornou difícil para os exportadores entregarem os produtos no porto a tempo.

As empresas podem enfrentar penalidades por descumprir o cronograma de entrega.

"Todos os produtos estão prontos, mas não podem ser entregues", disse um exportador de vestuário. "Se perdermos a temporada, haverá riscos de penalidades."

Disputando encomendas


Enquanto os exportadores chineses lutam com interrupções, números otimistas de países vizinhos aumentam ainda mais os temores de que estejam perdendo clientes para rivais em uma realocação acelerada da cadeia de suprimentos global.

Dados do governo do Vietnã mostraram que as exportações do país no primeiro trimestre aumentaram 12,9%, para US$ 88,6 bilhões (R$ 450 bilhões), lideradas por aumentos em peças de smartphones, eletrônicos e computadores.

O país do Sudeste Asiático, grande concorrente dos exportadores chineses, descartou os controles de vírus e reabriu totalmente sua economia no início deste ano.

De acordo com a Citic Securities, as exportações do Vietnã e da Tailândia para os Estados Unidos aumentaram mais de 20% desde setembro de 2021. Enquanto isso, a participação das importações americanas da China caiu de 19,7% para 18%.

"A produção no Sudeste Asiático voltou ao normal, e as transações de novos pedidos na Tailândia, Vietnã e Indonésia estão muito mais ativas do que na China", disse Lin, da Worldwide Logistics. Mas as substituições serão temporárias e a situação mudará quando as cadeias de suprimentos na China voltarem ao normal, disse Lin.

"Os países do Sudeste Asiático ainda não conseguem competir com a China em termos de eficiência logística, capacidade de produção e estabilidade", disse Lin. Uma realocação em larga escala da cadeia de suprimentos exigirá investimentos pesados e trabalho em longo prazo, disse ele.

Se as incertezas da China continuarem por muito tempo e os clientes transferirem os pedidos maiores e estáveis para o Sudeste Asiático e investirem em nova capacidade de produção, a realocação se tornará uma ameaça real para os fabricantes chineses, disse Lin.

Especialistas do setor de exportações disseram à Caixin que não estão muito preocupados com a concorrência do Sudeste Asiático, já que a reestruturação da cadeia de suprimentos está em andamento há anos e é uma tendência inevitável à medida que os fabricantes chineses avançam em direção à extremidade superior da cadeia industrial.

Um desafio mais premente vem das economias desenvolvidas, à medida que os EUA e a Europa transferem a manufatura de volta para os mercados domésticos. De acordo com a Citic Securities, a utilização da capacidade fabril dos EUA atingiu 78,7% em março, a maior desde 2016. A taxa na Zona do Euro foi de 82,4%, retornando ao patamar pré-pandemia.

À medida que os custos de remessas internacionais aumentam, os clientes nos EUA e na Europa podem mudar cada vez mais para a produção doméstica em vez de importar da China, disse Xu.

Políticas de apoio


O enfraquecimento das exportações provocou preocupações sobre as perspectivas econômicas da China. A economia se expandiu 4,8% no primeiro trimestre, melhor que o esperado, mas analistas alertaram que as disrupções na produção e na cadeia de suprimentos reduzirão o crescimento nos meses seguintes.

Desde o início de abril, os formuladores de políticas intensificaram os esforços para estabilizar a economia e restaurar a confiança do mercado. Em 13 de abril, o Conselho de Estado, em reunião presidida pelo primeiro-ministro Li Keqiang, anunciou programas expandidos de deduções fiscais para apoiar os exportadores. Então, em 28 de abril, o Ministério do Comércio prometeu mais apoio financeiro e tributário à indústria de exportação.

Sinais mais fortes vieram em 29 de abril, quando o Politburo, o principal órgão decisório do país, emitiu um conjunto abrangente de promessas para impulsionar a economia. Em 5 de maio, o Conselho de Estado novamente prometeu apoiar a retomada da produção na indústria manufatureira e agilizar os fluxos logísticos, com mais apoio ao crédito.

Mas políticas como descontos fiscais e apoio financeiro beneficiaram principalmente grandes empresas e têm sido de difícil acesso para os exportadores menores, disseram fontes do setor. Um executivo de um banco estatal disse que os bancos têm um número limitado de ferramentas financeiras para ajudar os exportadores menores, devido a preocupações com riscos financeiros.

Em comparação com as políticas preferenciais das promessas do governo, os exportadores sentiram um impulso mais imediato com a recente desvalorização do yuan, disseram várias fontes do setor à Caixin.

Desde 19 de abril, a moeda chinesa caiu drasticamente para seu nível mais fraco em mais de um ano, para 6,6 por dólar, após alguns meses de negociação em uma faixa estreita entre 6,3 e 6,4, refletindo preocupações em torno das perspectivas de crescimento da China e um aumento nos rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA.

O yuan mais fraco (R$ 0,76) beneficia os exportadores chineses, tornando seus produtos mais baratos e mais competitivos. Mas, ao mesmo tempo, a depreciação desencadeará riscos de saída de capital, disseram analistas.

Uma necessidade mais urgente de negociantes como Du, em Xangai, é retomar a produção. A boa notícia é que as fábricas de Xangai e regiões vizinhas aceleraram o ritmo para reiniciar as linhas de produção. Em 5 de maio, a fábrica de Du chamou 50 trabalhadores para reabrir um terço da capacidade de produção. "(Eles) dormem no chão da fábrica e haverá mais 200 retornando dentro de uma semana", disse Du.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Qu Yunxu , Yang Jinxi , Bai Yujie , Zhang Bingsong e Han Wei
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