Minas Gerais lidera resgates de trabalhadores 'escravizados'

Foram 500 vítimas registradas de janeiro até 13 de maio no Brasil, um recorde

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Natal

Ao menos 500 pessoas foram resgatadas no Brasil neste ano em condições análogas à escravidão, de janeiro até esta sexta-feira (13), de acordo com dados divulgados pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Previdência. No mesmo período, foram 314 flagrados no ano passado.

O número em 2022, um recorde no acumulado do ano, foi reforçado com operações em Rondônia e Minas Gerais neste 13 de maio, data dos 134 anos da abolição oficial da escravatura no país. E a tendência é de que a "explosão" não pare por aí.

Segundo analistas ouvidos pela reportagem, as histórias se multiplicam e tendem a crescer mais na esteira especialmente de atividades agrícolas, da deterioração da economia —com aumento do desemprego e da inflação— assim como de uma consequência da fome, que se alastra por diversas regiões do país.

No país, os casos já superam a soma de iguais períodos de 2020 e 2021, quando consideradas operações em andamento. O mapa da escravidão também inclui estados que não apareciam entre janeiro e maio do ano passado, a maioria na região Nordeste.

É do Sudeste, entretanto, que vem outro alerta.

Alojamento alvo de operação de resgate de trabalhadores - Ministério Público do Trabalho RJ/Divulgação

No estado de Minas Gerais —que responde por 73% dos casos em 2022 e lidera o ranking nacional— o número de pessoas resgatadas nessas condições avançou 132,09%, de 158 para 368 vítimas entre janeiro e 13 de maio de 2021 e o mesmo intervalo em 2022.

"Estes dados trazem luz a dois problemas estruturais em que as soluções são complexas. O primeiro é o aumento da vulnerabilidade socioeconômica da população em geral, uma vez que o fantasma da fome voltou a assombrar milhões de casas pelo Brasil", afirma o auditor fiscal do Trabalho e Coordenador do Projeto de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho, em Minas Gerais, Humberto Camasmie, ressaltando que "quando o trabalhador está nesta situação, submete-se a qualquer forma de exploração para garantir o sustento da família".

O quadro preocupa em todo o país, afirma. "E se passa concomitantemente à retomada do plantio da cana-de-açúcar, atividade que demanda grandes volumes de mão de obra sazonalmente e historicamente precariza as condições de trabalho dos empregados investidos no plantio e na colheita."

Pelo menos cem trabalhadores resgatados em canaviais nas últimas semanas, segundo Camasmie, devem se somar às estatísticas do estado e outra operação está em curso envolvendo a produção de carvão. Nos estados da Bahia e de Rondônia também foram confirmadas operações neste momento.

Até a noite desta sexta, duas vítimas eram contabilizadas em Rondônia.

Os trabalhadores, que estavam sem remuneração há 115 dias e atuavam na extração de folhas de eucalipto para produção de óleo, foram encontrados por auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho, por representantes do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal.

Em nota, a Auditoria Fiscal do Trabalho descreve o alojamento que utilizavam como "precariamente feito em madeira, com sujidades e frestas que permitiam a entrada de animais silvestres e roedores".

Os auditores afirmam ainda que "em razão da proximidade ao forno de extração do óleo de eucalipto, o espaço estava submetido à fumaça constante, que cobria de fuligem a espuma fornecida para repouso". O nome da empresa envolvida não foi revelado.

Para o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Previdência, Maurício Krepsky, o número de casos registrado em 2022 preocupa.

"Os números até o momento preocupam e reforçam a necessidade de uma abordagem diferenciada do problema, como está previsto nos objetivos estratégicos do Programa Trabalho Sustentável, lançado na semana passada pela Inspeção do Trabalho", disse ele, fazendo alusão a objetivos como erradicação do trabalho infantil e do trabalho em condições análogas à de escravo; além de medidas como disseminação dos conceitos de Conduta Empresarial Responsável, práticas "ESG" (Ambiente, Social e Governança) e de Trabalho Sustentável, previstos no programa.

Krepsky acrescenta que, em razão de atividades econômicas sazonais, o número de casos e de trabalhadores resgatados no segundo semestre tem sido bem maior que nos primeiros meses do ano.

"Isso nos obriga a estar atentos e atuar em várias frentes, como no diálogo com trabalhadores e empregadores e na disseminação de boas práticas de conduta empresarial responsável", diz, reforçando que "toda a sociedade pode e deve atuar com esses objetivos para erradicação das formas modernas de escravidão".

Camasmie, de Minas Gerais, também reforça que a tendência até o final do ano é de manutenção ou piora do quadro.

"Infelizmente a tendência é de manutenção ou até piora, pois não se vislumbra perspectivas de efetivação de políticas públicas para criar oportunidades de emprego digno, e nem mesmo para correção das distorções socioeconômicas existentes entre as regiões que fornecem e que utilizam mão de obra em atividades que historicamente precarizam as condições de trabalho, desde os tempos dos senhores de engenho no plantio de cana-de-açúcar e dos barões do café nos cafezais, e também nas colheitas de batata e cebola e na produção de carvão vegetal, dentre outras", afirma o auditor.

Ele acrescenta ainda que os números poderiam ser mais expressivos, não fosse "a falta de estrutura e especialmente a carência de auditores fiscais para inspecionar as denúncias que chegam aos órgãos de proteção".

No caso de Minas Gerais, "em razão da priorização da atuação na cana-de-açúcar", diz ele, não é possível realizar ações de combate ao trabalho escravo urbano.

"Mas já recebemos algumas denúncias com indícios de trabalho escravo na construção civil neste ano, só que infelizmente não chegamos a tempo".

Casos envolvendo o emprego doméstico também se espalham no país, embalados por trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho ou servidão por dívida, por exemplo.

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