Descrição de chapéu Financial Times

Startups de alimentos cultivados em laboratório já fazem culinária gourmet

Empresários tecnológicos estão colocando 'foie gras' e bucho de peixe sem culpa no cardápio

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Zoe Han
Financial Times

Já faz aproximadamente oito anos que um protesto diante de seu restaurante no Soho, em Londres, fez Alexis Gauthier virar inimigo do foie gras. Confrontado com argumentos convincentes sobre a crueldade envolvida em sua produção –o "fígado gordo" vem de patos e gansos que são alimentados à força–, o chef estrelado no guia Michelin decidiu que não poderia mais servir a iguaria.

Na verdade, o encontro levou a uma mudança de opinião mais ampla: Gauthier tornou-se vegano e retirou de seu restaurante os produtos de origem animal. Mas agora ele está pensando em colocar o foie gras no cardápio novamente –desde que venha de um laboratório, como aquele onde a startup francesa Gourmey está produzindo uma versão do prato baseada em células.

Manifestantes vestidos de tubarões em restaurante de Hong Kong - Isaac Lawrence - 10.jun.17/AFP

Embora Gauthier ainda não tenha experimentado, ele aprova o surgimento de uma alternativa sem crueldade. "Acho que é um bom lugar para se estar quando temos que nos perguntar se é cultivado em laboratório ou não", diz ele.

A Gourmey não é a única empresa que trabalha com alimentos gourmet baseados em células. Bucho de peixe e barbatana de tubarão, ingredientes refinados na culinária chinesa e asiática em geral, atraíram a atenção de outras startups de biotecnologia. Seus esforços são uma boa notícia para chefs e consumidores que não querem que seus pratos sejam contaminados por preocupações sobre crueldade ou sustentabilidade.

O bucho de peixe, ou bexiga natatória, pode custar dezenas de milhares de dólares por quilo. Isso alimentou um comércio ilícito de bucho obtido da totoaba, uma espécie em extinção encontrada na costa do México, que também é a fonte mais valorizada desse ingrediente. A demanda por barbatanas de tubarão também levou à pesca excessiva, incluindo a prática cruel de cortar as barbatanas de tubarões vivos e jogá-los de volta ao mar para morrer.

Os altos preços, aliados à possibilidade de proibições regulatórias, tornam a produção de alternativas a esses alimentos interessante para as empresas de proteína à base de células, que cultivam células de animais em grande quantidade em laboratórios e tentam lhes dar o sabor e a textura de carne ou peixe convencionais.

No entanto, é difícil tornar os produtos viáveis. Embora a pegada de carbono seja potencialmente bem menor, os custos atuais são muito maiores. No caso dos ingredientes gourmet, a diferença de preços entre as versões de laboratório e as convencionais pode ser menor, mas ainda há barreiras regulatórias a ser superadas: até agora, Cingapura é o único país que aprovou a comercialização de carne de laboratório.

À medida que a indústria cresce, porém, as versões de laboratório poderão se tornar muito mais acessíveis, diz Mirte Gosker, diretora-gerente interina do Good Food Institute Asia Pacific, organização sem fins lucrativos que promove proteínas alternativas. Alimentos "premium" poderiam, assim, atingir um mercado mais amplo sem graves consequências ecológicas. "É uma combinação imbatível", disse Gosker.

A Avant Meats, start-up sediada em Hong Kong que também produz filés de peixe cultivados em laboratório, desenvolveu um bucho de peixe à base de células, que ainda não está no mercado. Mas sua executiva-chefe, Carrie Chan, diz que várias redes de restaurantes manifestaram interesse, motivados em parte por preocupações com a sustentabilidade e também pelo potencial de gerenciamento de custos.
Buchos de peixes naturais vêm com variações de forma e tamanho –e, portanto, de preço. O produto cultivado vem numa embalagem pronta para uso e fácil de porcionar.

O chef e dono de restaurante de Hong Kong Eddy Leung, que trabalhou com a Avant Meats para servir seu bucho de peixe em degustações particulares, acredita que sua facilidade de uso, sem a necessidade de horas de imersão antes de cozinhar, vai atrair cozinheiros domésticos.

Ele também diz que o sabor não é diferente se usado na sopa, embora não tenha certeza de que ainda seja adequado para pratos mais sofisticados, como o "poon choi", que requer refoga contínua.

Chan compara o mercado de bucho de peixe ao de diamantes e reconhece que o segmento superior de "grau de investimento", onde a raridade é uma parte importante da atratividade, pode ser imune a versões cultivadas em laboratório. Seu objetivo é atingir o segmento inferior e mais mercantilizado, como fazem as empresas que fabricam diamantes cultivados em laboratório. "Como acessórios", ela explica. "Não acessórios super caros, mas agradáveis e decentes."

Os esforços para replicar a barbatana de tubarão permanecem mais especulativos. A New Wave Foods, start-up de proteína alternativa de frutos do mar com sede nos Estados Unidos, anunciou planos em 2015 para desenvolver uma versão biotecnológica, mas desde então se concentrou em camarão à base de plantas.

O Future Market, um "laboratório de alimentos futurista" com sede nos EUA, oferece sopa "Faux Fin" –mas apenas como um "produto-conceito" destinado a ilustrar um possível resultado das tendências da tecnologia de alimentos.

Se as iguarias baseadas em células entrarão na corrente dominante pode depender de mudanças na cultura alimentar. Diferentemente das proteínas commodities –o foco de muitas startups baseadas em células–, os alimentos gourmet são valorizados não só por suas qualidades culinárias, mas também porque indicam status.

Fuchsia Dunlop, escritora de culinária e cozinheira especializada em pratos chineses, diz que a ampla aceitação do consumidor dependerá primeiro de conquistar clientes que exigem bucho de peixe e barbatana de tubarão naturais para ocasiões especiais, como banquetes de casamento, para exibir sua hospitalidade e riqueza.

A regulamentação pode desempenhar um papel. O governo chinês está tentando incentivar hábitos alimentares mais sustentáveis e, a partir do ano que vem, Nova York vai proibir o "foie gras" produzido por alimentação forçada. Sua produção já é proibida em países como Reino Unido, Alemanha, Turquia e Austrália.

Embora alguns conhecedores lamentem seu desaparecimento, outros apontam que as tradições culinárias são muito mais que ingredientes específicos. Gauthier diz que a filosofia e as técnicas são o que realmente importa na culinária francesa. O foie gras costumava ser apenas um dos instrumentos que ele usava; agora, seus instrumentos são vegetais –e com o tempo, talvez, produtos baseados em células.

Dunlop tem uma tese parecida sobre a cozinha chinesa: mesmo que uma réplica perfeita de bucho de peixe baseada em células não agrade, a culinária é rica e complexa o suficiente para atender aos que evitam a versão natural. "Já existem muitas outras possibilidades dentro da própria tradição culinária", diz ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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