Antigo império do luxo, marca Daslu é arrematada por R$ 10 milhões em leilão emocionante

Oferecida por R$ 1,4 milhão, marca da butique recebeu os maiores lances nos 15 minutos finais do certame

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São Paulo

Na manhã desta terça-feira (7), o logotipo da Daslu ocupava um local discreto no site do leiloeiro Sodré Santoro, em uma sessão que indicava os maiores lances.

A antiga marca de luxo dos irmãos Eliana Tranchesi e Antônio Carlos Piva (conheça a história da Daslu), oferecida por R$ 1,41 milhão, dividia espaço com um imóvel residencial no Parque Petrópolis, em Mairiporã (SP), no valor de R$ 403 mil, uma Scania R540 2021 cotada a R$ 208 mil e uma Nissan Frontier 2021 por R$ 176 mil.

Até 15 minutos antes do prazo final para encerrar o leilão, às 13h, a grife —que no passado ostentou um prédio de 15 mil m² na marginal Pinheiros, na zona sul de São Paulo— recebia lances na casa dos R$ 1,45 milhão, pouco acima do lance inicial, de R$ 1,41 milhão.

Mas na reta final os lances começaram a ficar acirrados. De R$ 1,45 milhão, passaram em cinco minutos para R$ 3 milhões e foram subindo, até chegar aos R$ 6,5 milhões às 13h. De acordo com as regras do leilão, realizado online, os lances feitos nos três minutos finais vão aumentando o prazo de encerramento.

Na reta final, o leiloeiro chegou a anunciar por quatro vezes as icônicas frases "Dou-lhe uma", "Dou-lhe duas", mas o leilão prosseguia com novos lances. O certame foi finalmente encerrado às 13h10, em R$ 10 milhões, depois de uma sequência de 32 lances, dados por cinco participantes. O vencedor vai pagar mais 5% de comissão para o leiloeiro.

A construtora Mitre Realty venceu o leilão judicial é a nova dona da Daslu. O depósito dos R$ 10 milhões foi feito em juízo nesta quarta (8) e a conclusão da compra aguarda o aval do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).

Manequim sentada sobre uma mesa, de costas, virada para amplo saguão de loja com piso de mármore cor de creme e roupas penduradas em araras
Loja da Daslu no shopping JK, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 2.nov.2016/Folhapress

Segundo a Folha apurou, grandes nomes do varejo estavam interessados em usar a marca em uma linha de roupas. Ao todo, o leilão envolveu o nome Daslu e mais 50 submarcas relacionadas, com registros ativos no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), como Villa Daslu, Daslu Casa, Daslu Homem e Daslu Pet.

"Ficamos surpresos com o resultado, já que a marca estava avaliada em R$ 1,4 milhão, depois de enfrentar um processo de recuperação judicial, ficar inativa e finalmente ir à falência", disse à Folha o advogado Leonardo Campos Nunes, gestor jurídico do escritório Expertise Mais, indicado pela Justiça para cuidar da falência da marca Daslu.

"Foi um resultado supreendente, um leilão que arrecadou mais de sete vezes o valor inicial", disse à Folha Sidney Palharini, advogado da empresa de leilões Sodré Santoro. O especialista lembra-se do leilão da marca Mappin conduzido pela casa, há exatos dez anos, que foi arrematada por R$ 5 milhões. "O leilão dá início a uma nova etapa na vida da marca ou da empresa, uma chance dela sobreviver no mercado."

Ex-dona do endereço mais luxuoso do país, a Daslu foi vendida para que os recursos honrem dívidas do processo de falência da empresa, conforme determinação da 1ª Vara e Ofício de Falência e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo.

Em 2005, uma operação da Polícia Federal, deflagrada em parceria com a Receita Federal e o Ministério Público, para apurar crimes de sonegação de impostos cometidos, prendeu os donos da Daslu. Eles foram condenados a uma pena de 94 anos por formação de quadrilha, fraude em importações e falsificação de documentos.

Eliana morreu em 2012, de câncer, e Antônio Carlos Piva está preso.

Mercado de luxo movimenta US$ 2,6 bi no Brasil

Apesar do resultado do leilão ter superado as expectativas, a marca Daslu foi negociada bem abaixo de outros ativos já leiloados pela Sodré Santoro, uma das maiores casas de leilões do país. O leilão do Hotel Nacional, no Rio, por exemplo, arrematou R$ 85 milhões em 2009.

"O nome Daslu carrega uma memória afetiva muito forte. O novo dono terá o trabalho de reconstruir a imagem da marca, muito afetada pelos escândalos envolvendo os antigos controladores", diz Katherine Sresnewsky, coordenadora da pós-graduação de negócios e marketing de luxo contemporâneo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

De acordo com a especialista, o mercado de luxo no Brasil movimentou em 2021 US$ 2,6 bilhões (R$ 12,5 bilhões), e tem expectativa de crescer 6,5% até 2026, conforme dados da consultoria Euromonitor. Este montante envolve itens de uso pessoal, como vestuário, calçados, joias, relógios, óculos, couro e produtos de beleza.

"Até a metade dos anos 2000, quando a Daslu estava no auge, muitas marcas de luxo não estavam presentes no Brasil e a antiga varejista era o ponto de contato com o público", diz Katherine. "Mas hoje parte delas têm representação direta no país ou encontraram outros canais de luxo, como os shoppings Iguatemi, Cidade Jardim e a operação de comércio eletrônico Farfetch", afirma.

"Se voltasse hoje, a marca Daslu não teria o mesmo papel de embaixadora das marcas de luxo como tinha antes", diz ela que, no entanto, lembra que o forte da varejista era a experiência do luxo: na Villa Daslu, havia heliponto, spa, restaurantes. "Vinha gente de diferentes lugares do país passar o dia lá."

O estilo de vida Daslu inspirou até uma novela da Globo, "Cobras e Lagartos", em 2006, cuja trama girava em torno da loja de departamentos Luxus, que atendia milionários.

Segundo Campos Nunes, da Expertise Mais, o montante arrecadado com o leilão irá para uma conta judicial, a fim de pagar os credores da massa falida da Daslu. "Mas os antigos donos não apresentaram o levantamento das dívidas e vamos abrir um chamamento para que os credores apontem quanto cada um tem a receber", diz ele, ressaltando que este levantamento deve ser concluído dentro de 60 dias.

"Ainda existem muitas dívidas trabalhistas e fiscais", afirma.

A ​HISTÓRIA DA DASLU

A loja de luxo —que no passado foi considerada a mais tradicional de São Paulo– foi fundada há mais de 60 anos pelas sócias Lucia Piva de Albuquerque e Lourdes Aranha.

Até o começo dos anos 80, ela comercializava apenas roupas e acessórios nacionais. Após a morte de Lucia, sua filha Eliana assumiu.

Com a nova direção, a loja virou grife própria e, a partir dos anos 90, começou a trabalhar com marcas de luxo importadas, após liberação desse tipo de produto pelo presidente Fernando Collor de Mello. Tranchesi foi para Europa e voltou com malas repletas de bolsas e sapatos famosos que caíram no gosto dos endinheirados paulistanos.

Em seu ápice da fama, a Daslu era conhecida como "templo de luxo" e ocupava uma área de mais de 15 mil m² em um prédio estilo neoclássico com colunas gregas na Vila Olímpia, ao lado de onde seria erguido o shopping JK Iguatemi, na zona oeste de São Paulo.

Em 2005, antes de ver seu império derrubado por uma série de escândalos, a loja de Tranchesi movimentava cerca de R$ 400 milhões em vendas ao ano, segundo especialistas ouvidos pela Folha, e empregava cerca de mil pessoas.

Entre elas, havia as "dasluzetes", vendedoras das lojas —muitas vezes vindas de famílias ricas— que recebiam até R$ 15 mil mensais, incluindo as comissões de roupas e acessórios cujos valores chegavam a ultrapassar os cinco dígitos. Uma das dasluzetes famosas era Sophia Alckmin, filha do então governador de São Paulo Geraldo Alckmin.

Entre 75% e 80% das pessoas que iam à loja saíam pelo menos com uma sacola em mãos. Em um shopping comum, essa taxa varia entre 15% e 30%.

OPERAÇÃO NARCISO, DA PF, FOI INÍCIO DO FIM

O início da queda do império começou há 17 anos, no dia 13 de julho de 2005. Uma megaoperação da Polícia Federal, em parceria com a Receita levou à detenção de Tranchesi e seus sócios, todos suspeitos de importação irregular por meio de crimes de descaminho e sonegação fiscal. O esquema utilizaria empresas de fachada para subfaturar importações com o objetivo de sonegar impostos.

Nele, a Daslu era responsável por negociar a compra das mercadorias de luxo no exterior e encaminhá-las à importadora que falsificava documentos para subfaturar as mercadorias, pagando assim menores impostos.

Durante o processo, a defesa de Tranchesi afirmou que ela não era responsável pelas questões financeiras e administrativas da loja, e portanto desconhecia a fraude.

Em 2009, Tranchesi foi condenada pela juíza Maria Isabel de Praro, da 2ª Vara da Justiça Federal, em Guarulhos, a cumprir 94,5 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho tentado e consumado e falsidade ideológica.

Roberto Fakhouri Júnior (da importadora Kinsberg), André Beukers (Kinsberg), Rodrigo Nardy Figueiredo (Todos os Santos) e Christian Polo (By (Brasil), além de Celso de Lima, irmão de Tranchesi, também foram condenados na ação.

À época, Tranchesi enfrentava um câncer de pulmão e entrou com um recurso para recorrer da sentença. Ela chegou a ser presa no dia da condenação mas foi solta um dia depois. Tranchesi morreu em 2012 em decorrência do câncer. Ela respondia pelos processos em liberdade.

Com uma dívida próxima ao vencimento de R$ 80 milhões, mais a pendência com a Receita Federal, estimada em R$ 500 milhões, o antigo império do luxo teve seu plano de recuperação judicial aprovado pela Justiça em 2011, que previa a venda da marca.

O único interessado foi a empresa Laep Investments, que adquiriu a marca pelo valor simbólico de R$ 1.000 e se comprometeu a investir R$ 65 milhões na empresa. A venda não incluiu a pendência com a Receita.

Quatro anos após a aquisição, a Laep foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) por sete crimes contra o sistema financeiro, operações fraudulentas no mercado de capitais, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e organização criminosa e desobediência a ordem judicial.

A sede da empresa era localizada nas Ilhas Bermudas. Segundo a acusação, os empresários causaram prejuízos de mais de R$ 2,5 bilhões ao mercado mobiliário e a investidores com operações fraudulentas no lançamento de ativos.

Em fevereiro de 2016, a fatia majoritária (52%) acabou sendo comprada por um grupo de investidores liderado pelo empresário baiano Crezo Suerdieck, que se especializou em adquirir empresas de diversos setores em dificuldade. Foi anunciado então um plano de expansão para a marca, baseado no modelo de franquias.

No ano da ordem de despejo no shopping JK, a Daslu possuía ainda quatro lojas em São Paulo, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto.

"A empresa patinou e não conseguiu se manter em atividade", diz Leonardo Campos Nunes, do Expertise Mais. "Um dos credores entrou com pedido de falência ainda em 2016 e a sentença foi decretada em 2020", afirma. Segundo o advogado, os sócios recorreram e conseguiram o efeito suspensivo da sentença até a metade de 2021, quando a falência foi, finalmente, decretada.

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