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Chefes perdem poder na luta contra home office

Trabalhadores se rebelam contra trabalho presencial enquanto executivos tentam fazer escritório valer a pena

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Emma Goldberg
The New York Times

O que o chefe de Barrett Kime disse em um vídeo recente foi muito direto. Será que os membros de sua equipe na NBCUniversal poderiam aparecer no escritório pelo menos durante os poucos dias por semana em que supostamente tinham de estar lá?

E o que veio a seguir foi uma rebelião. Kime, diretor sênior de criação, ligou seu microfone. "Eu disse a ele que era uma loucura pedir que as pessoas fossem ao escritório com mais frequência no meio da Covid", ele recordou.

Outros de seus colegas intervieram para explicar as razões por que não podiam voltar ao escritório: cuidar dos filhos, a alta nos preços do combustível, os índices de contágio pela Covid-19.

Para Kime, o momento marcou uma nova fase no diálogo sobre o retorno ao escritório.

Estacionamento lotado
Estacionamento lotado da empresa de inteligência artificial C3 AI, que exige que os trabalhadores estejam no escritório desde junho passado - NYT

"É meio que uma coisa Mágico de Oz", disse Kime. Em outras palavras, a equipe dele percebeu que não existia um ser todo-poderoso que os forçasse a comparecer —simplesmente um homem por trás de uma cortina (ou tela de Zoom).

"Por mais que resmungássemos sobre a necessidade de voltar ao trabalho, todos sabíamos que isso iria acontecer. Mas no minuto que começamos a voltar, percebemos o quanto aquilo era tolo", ele acrescentou.

O otimismo quanto aos planos de retorno aos escritórios está desaparecendo lentamente, na maioria das cidades e setores econômicos dos Estados Unidos. Quando perguntados, no começo de 2021, que proporção de seus trabalhadores voltariam a trabalhar no escritório cinco dias por semana, no futuro, executivos responderam que 50%. Agora, a fatia caiu a 20%, de acordo com um levantamento recente do grupo de consultoria Gartner.

A ocupação dos escritórios em todo o país chegou a um pico no mês passado, com 43% dos trabalhadores presentes, e aí a Covid-19 voltou a disparar, de acordo com dados da Kastle, uma empresa de segurança.

A vasta maioria dos americanos, especialmente os que trabalham no setor de serviços e em empregos de baixa remuneração, continuou a trabalhar presencialmente durante a pandemia. Mas aqueles que puderam trabalhar de modo remoto se apegaram à flexibilidade conquistada. Em uma pesquisa realizada em janeiro, o Pew Research Center constatou que 60% dos trabalhadores cujas funções podem ser executadas de casa queriam trabalhar remotamente o tempo todo, ou pela maior parte dele.

"O que fica abundantemente claro é que há menos e menos empresas que esperam que seus trabalhadores estejam presentes no escritório cinco dias por semana", disse Brian Kropp, vice-presidente da divisão de recursos humanos da Gartner. "Até mesmo algumas das maiores empresas que declararam publicamente que queriam seus trabalhadores de volta aos escritórios cinco dias por semana estão começando a dar para trás".

É o caso da Apple, que recentemente suspendeu sua exigência de que os trabalhadores voltassem aos escritórios pelo menos três dias por semana. E da McKinsey, que pretende em algum momento estabelecer normas mais claras sobre o trabalho presencial, com o objetivo de assegurar que as pessoas percebam o valor de colaborar em pessoa, mas por enquanto continua a permitir que indivíduos estabeleçam acordos com seus chefes e clientes quanto aos seus horários de trabalho, de acordo com o chefe de recursos humanos da consultoria.

O Google adiou seu retorno ao escritório, planejado para janeiro, e agora cerca de 10% de seus trabalhadores receberam permissão de trabalhar remotamente em tempo integral ou de se mudar para outras cidades. A Intuit em dado momento chegou a considerar um plano rígido de retorno ao escritório para seus 11,5 mil trabalhadores nos Estados Unidos, mas em lugar disso permitiu que gestores e equipes estabelecessem suas próprias expectativas quanto a em que dias deveriam estar presentes.

"Ser prescritivo cria todo tipo de burocracia, porque nesse caso é preciso envolver os degraus da hierarquia e tudo passa a depender de regras", disse Sasan Goodarzi, presidente-executivo da Intuit. "Não acreditamos que uma pessoa precise estar no escritório 40 horas por semana, mas tampouco acreditamos que todo trabalho deva ser virtual".

Tom Siebel, executivo-chefe da C3 AI, antes de uma reunião geral em Redwood City, Califórnia
Tom Siebel, executivo-chefe da C3 AI, antes de uma reunião geral em Redwood City, Califórnia - Aaron Wojack - 3.jun.2022/NYT

Os planos da RTO eram como um gigantesco jogo de blefe. Executivos ordenaram que os trabalhadores voltassem ao escritório, mas tiveram de adiar a data quando os casos de Covid-19 continuaram em alta. Os líderes de negócios aceitaram essa incerteza, na esperança de que fosse temporária. Até que se tornou claro que não era. Os trabalhadores puderam ficar mais tempo em casa, e isso lhes deu mais liberdade para testar a rigidez das ordens de seus chefes. Agora, algumas empresas continuam a esperar que o pessoal volte, mas perderam o poder de pressão que tinham quanto a isso, devido à mudança constante de datas.

"O que decidimos foi perguntar o que estava funcionando", disse Joan Burke, vice-presidente de recursos humanos da DocuSign, que adiou quatro vezes a data de retorno ao escritório de seu pessoal antes de decidir que não exigiria presença compulsória, por enquanto. "Vamos aprender com o que está funcionando e colocar proteções em vigor se acharmos que alguma coisa não funciona".

Alguns executivos esperavam que, caso convencessem seus subordinados a passar mais tempo no escritório, as pessoas se lembrariam de que, apesar de não parecerem se lembrar do fato, elas no passado gostavam de ir ao trabalho.

Christina Ross, presidente-executiva da Cube, uma empresa de software com 75 empregados, costumava gostar de trabalhar no escritório. Antes da pandemia, ela contratou um engenheiro que morava no Texas e insistiu em que ele se mudasse para Nova York para executar sua função. Ela não conseguia se imaginar construindo um relacionamento em longo prazo com um subordinado que não visse em pessoa.

Agora ela define sua empresa como "remota primeiro". Ela brincou brevemente com a ideia de exigir um retorno ao escritório da Cube, mas decidiu em lugar disso criar incentivos para que as pessoas voltassem por escolha. Ela até organizou uma mudança de endereço para o escritório em Nova York, a fim de facilitar a jornada dos trabalhadores que vinham de Brooklyn.

"As pessoas votaram com os pés em favor de não necessariamente voltar", disse Ross. "Pode ser decepcionante, quando você se esforça muito para criar um ambiente acolhedor no escritório e as pessoas escolhem não vir".

“Para pessoas que querem trabalhar em casa no Zoom, existem empresas que são assim”, disse Siebel. Mas não a dele.
“Para pessoas que querem trabalhar em casa no Zoom, existem empresas que são assim”, disse Siebel. Mas não a dele. - Aaron Wojack - 3.jun.2022/NYT

Alguns líderes empresariais assumiram posições mais duras. Elon Musk, por exemplo, informou aos empregados da SpaceX e da Tesla que eles teriam de passar pelo menos 40 horas por semana no escritório, sob pena de demissão. Muitas outras companhias, como o Google e a Microsoft, optaram por posturas mais brandas, e passaram a oferecer cervejas, petiscos, brindes e bebidas para atrair seu pessoal de volta. Mas esses incentivos têm limites, e poucas companhias parecem dispostas a recorrer a punições.

"Parece quase que um meme sobre o escritório de 2018 – temos ‘bagels’, comida, mesas de pingue-pongue", disse Ross. "Mas isso não é argumento suficiente para que as pessoas encarem o trajeto de casa ao escritório".

Muitas empresas estão aceitando a realidade de que exigir um retorno ao escritório poderia representar um contraste com relação a companhias rivais e as levaria a perder talentos. Em alguns setores, e em algumas áreas dos Estados Unidos, uma cultura centrada no escritório está se tornando uma excentricidade, e não a norma.

Outros executivos insistem em um retorno completo, convictos do valor de ter seu pessoal no escritório cinco dias por semana. Tom Siebel, presidente-executivo da C3 AI, uma empresa de inteligência artificial que tem 800 empregados, exigiu o retorno completo de seu pessoal ao escritório em junho de 2021. Ele disse que essa exigência só tornou a empresa mais atraente, para certos candidatos a empregos.

"Para pessoas que querem trabalhar de casa, via Zoom, há companhias que gostam disso", ele disse. "Procure emprego no Facebook. Procure emprego na Salesforce".

Siebel disse que tinha "o único estacionamento lotado no Vale do Silício", e considera esse fato como vantagem competitiva. "Não é possível inventar foguetes que aterrissem sozinhos trabalhando por meio de conversas via Zoom uma vez por semana", acrescentou o executivo. "Temos de nos reunir em uma sala, com quadros brancos, e errar, errar e errar, até chegarmos ao sucesso".

Mas para os executivos que não tornaram o retorno obrigatório, surgiram questões mais amplas sobre o futuro dos escritórios. Um exemplo é Manny Medina, presidente-executivo da Outreach, uma empresa de inteligência artificial aplicada a vendas que tem cerca de 600 empregados, em Seattle, a maior parte dos quais encorajados a passar pelo menos 40% de seu tempo de trabalho no escritório. Falando em um escritório quase vazio, Medina disse que se acostumou a rebater contestações de seu pessoal sobre o valor da colaboração presencial.

Recentemente, um trabalhador iniciante participou de uma reunião virtual com o presidente e disse que não compreendia por que a empresa podia obrigá-lo a ir ao escritório, quando trabalhar de casa permitia que ele conciliasse sua vida social, o trabalho e seu treinamento de jiu-jitsu.

"Eu respondi que o argumento dele era justo, e que ele deveria pensar sobre suas prioridades", disse Medina. "Se você quer ser lutador de MMA, faça isso".

Os escritórios da Outreach, que tem cerca de 600 trabalhadores em Seattle, têm vista para Puget Sound
Os escritórios da Outreach, que tem cerca de 600 trabalhadores em Seattle, têm vista para Puget Sound - Grant Hindsley - 9.jun.2022/NYT

Tradução de Paulo Migliacci

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