Diretora-geral da Aneel suspende benefício a térmica da J&F

Cautelar permitia a usina antiga cobrir atraso em novos projetos; empresa diz que vai esperar decisão final

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Brasília

A diretora-geral interina da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Camila Bomfim, suspendeu nesta quinta-feira (2) benefício concedido a térmicas da Âmbar Energia, do grupo J&F (que também controla a JBS, empresa global do setor de carnes).

Em decisão monocrática, Bonfim suspendeu a cautelar que vinha permitindo, desde 18 de maio, que uma térmica antiga da Âmbar, a Mário Covas (em Cuiabá), fornecesse energia no lugar de quatro novos projetos atrasados —conforme vem mostrando a Folha.

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Termelétrica Mario Covas; usina inaugurada em 2001 teve autorização para fornecer energia no lugar de projetos novos atrasados - 19.05.19 - Governo do estado do Mato Grosso / Divulgação

A cautelar também havia suspendido a multa de R$ 209 milhões, prevista pelo atraso, e liberava pagamentos à empresa. Pelas estimativas do mercado, se o benefício durasse até 1º de agosto, prazo limite para entrega dos projetos, seria pago quase R$ 1 bilhão pela energia da térmica de Cuiabá, valor debitado na conta de luz de todos os brasileiros.

A suspensão definida pela diretora-geral inverte o fluxo de recursos. A Âmbar volta a pagar a multa e não pode receber o pagamento.

A medida de Bonfim atendeu a pedido de entidades de defesa do consumidor. Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia) e Pólis (Instituto de Estudos de Formação e Assessoria em Políticas Sociais), questionaram o benefício na segunda-feira (30) e pediram a sua suspensão.

Todas reforçaram os mesmos argumentos: que o fornecimento de energia pela térmica de Cuiabá fere o contrato firmado com a empresa e as regras do leilão, onerando a conta de luz desnecessariamente, uma vez que os reservatórios de hidrelétricas estão cheios.

A discussão sobre a cautelar está pautada para a reunião da próxima terça-feira (7). Ainda não é possível antecipar o desfecho.

Um detalhe que chama a atenção dos executivos que acompanham a discussão é o histórico da Térmica Mário Covas. Os comentários são que ela parece dar azar.

Era um projeto da Enron, empresa que se pulverizou no início da década de 2000. Foi inaugurada em 2001 e, desde então, enfrentou diferentes problemas para operar. Comprada em 2015 pelo braço de energia da J&F, enfrentou problema de fornecimento de gás com a Petrobras.

Em nota enviada à Folha, a Âmbar disse que vai esperar a decisão final.

"Em que pese uma decisão colegiada da diretoria não possa ser revogada por decisão unilateral da diretora-geral, a Âmbar aguardará a análise do mérito de sua proposta, que pode trazer uma economia de até R$ 8 bilhões aos consumidores de energia ao longo dos 44 meses de contrato", diz o texto.

"Desde abril, a Âmbar requer, junto à Aneel, a utilização da UTE Mário Covas para a entrega de energia do contrato mediante uma redução de receita que resultaria em um benefício de mais de R$ 620 milhões aos consumidores", afirma o texto. "Antes do ato unilateral da diretora-geral, a Âmbar Energia fez um aditivo à proposta original, aumentando os benefícios para os consumidores em até R$ 8 bilhões."

Segundo a empresa, as quatro usinas previstas no PCS 2021 serão entregues dentro do prazo contratual. "Caso a Aneel decida pela não utilização da UTE Mário Covas no contrato e abra mão da consequente redução no preço para os consumidores, a Âmbar entregará a energia por meio das quatro usinas contratadas, sem os benefícios econômicos para o consumidor e para o Sistema Interligado Nacional", diz o texto.

'MEDIDA ABSURDA'

Além das entidades, a agência recebeu também questionamentos do TCU (Tribunal de Contas da União), e até do MME (Ministério de Minas e Energia).

Segundo relatos feitos à Folha, em reunião no MME, o ministro Adolfo Sachsida disse a Bomfim que a agência precisaria encerrar a questão o quanto antes, suspendendo a cautelar que libera o uso da térmica de Cuiabá no lugar das demais previstas em contrato de fornecimento de energia.

Sachsida tem dito a quem acompanha a questão que considera a cautelar um absurdo e que, ciente de que não pode interferir numa agência reguladora, solicitou aos técnicos que busquem alternativas pelas vias legais para reverter a medida, caso a Aneel não haja com diligência.

Segundo relatos, o MME pode reformar uma decisão da Aneel em um caso muito específico: quando considerar que a agência se desviou da implementação da política traçada pelo ministério.

Técnicos da pasta já haviam encontrado uma brecha. Pode-se argumentar que a decisão da Aneel em prol da J&F violava a política da pasta, que está estabelecida pelo ministério na Portaria 24/2021. No texto, está determinado que a energia contratada deve ser de novas usinas.

Como a usina de Cuiabá está em operação desde 2001, não se enquadra como novo projeto.

Existe outra regra que vem sendo usada pelas pessoas contrárias à medida. No leilão, um PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), a energia obrigatoriamente deve ser entregue pelas vencedoras do leilão, conforme destaca a cláusula 4.4 do contrato.

"A energia definida no contrato não poderá ser entregue por outra usina do vendedor, por outro agente da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], nem pelo conjunto dos agentes em razão de operação otimizada do SIN [Sistema Interligado Nacional]", destaca o texto.

A avaliação no mercado era que a diretora-geral já teria condições de encerrar a questão, e a sua manifestação foi bem-recebida.

Pela regra do leilão do qual a empresa participou —um PCS realizado em outubro passado— só poderiam participar novos projetos.

Todas as 17 térmicas que venceram o certame, inclusive as quatro da Âmbar Energia (do grupo J&F), deveriam entrar em operação em 1º de maio. Em caso de atraso, a usina deveria pagar multa enquanto não fornecesse energia da maneira prevista e ter o contrato cancelado em 1º de agosto caso não consiga acionar as novas usinas até lá.

A decisão provisória da Aneel, no entanto, abriu exceção para os projetos da Âmbar, levando a uma reação em cadeia entre os agentes de mercado.

TENSÃO INTERNA

O clima é de tensão na agência. A área técnica é contra a cautelar, mas não conseguiu emitir a nota técnica contrária porque vem sendo pressionada a esperar novas proposições sobre a questão.

O diretor que atuou como relator do caso e defendeu a medida, Efrain Pereira da Cruz, está se despedindo da agência. Tentou ser indicado para o cargo de diretor-geral, uma vez que não poderia ser reconduzindo para o mesmo posto, mas na questão tem dois aliados importantes.

Os dois outros diretores, presentes na reunião que aprovou a cautelar, e que acompanharam o voto do relator, permanecem na agência.

Hélvio Neves Guerra, que presidiu os trabalhos no encontro, foi reconduzido. Sandoval de Araújo Feitosa Neto vai assumir o cargo principal (o de diretor-geral da agência) em agosto.

Efraim tem atuado nos bastidores para que a cautelar não seja derrubada, pois essa é tendência entre os técnicos da agência.

Em janeiro, a Âmbar fez um primeiro pedido para fornecer a energia da térmica Mário Covas enquanto os novos projetos não ficavam prontos. Naquela ocasião, recebeu uma negativa da área técnica.

A empresa reapresentou o pedido, solicitando a cautelar em abril, e conseguiu sinal verde em 17 de maio —antes de os técnicos e a procuradoria reavaliarem a nova proposta, que estava em sigilo.

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