Entidades pressionam Aneel para suspender uso de térmica da J&F no lugar de novas usinas

Entidades entram com recurso questionando quebra de contrato e avaliam ir à Justiça

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Brasília

Cresce a pressão sobre a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para que seja suspensa a autorização dada a uma empresa do grupo J&F (controladora da empresa global do setor de carnes JBS) para fornecer energia por meio de uma usina já existente no lugar de outras que estão com cronograma atrasado.

Após questionamento do TCU (Tribunal de Contas da União), encaminhado à Aneel na quinta-feira (26), diferentes entidades de defesa do consumidor na área de energia protocolaram recursos na agência solicitando a imediata suspensão da operação.

Pela regra, as térmicas da Âmbar Energia (da J&F) deveriam ter entrado em operação em 1º de maio. A empresa deveria pagar multa enquanto não fornece energia da maneira prevista e ter o contrato cancelado caso não consiga acionar as novas térmicas em 1º de agosto.

Uma decisão provisória da Aneel, no entanto, abriu exceção que vem provocando reações.

Diretor Efrain Pereira da Cruz, da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica); voto em que ele defendeu uso de térmica antiga no lugar de novos projetos atrasados é questionado por entidades de defesa do consumidores - Pedro França/Agência Senado

Pelas regras da Aneel, um pedido de efeito suspensivo, caso dos apresentados pelas entidades, abre espaço até para uma decisão monocrática do diretor-geral da agência. Existe a expectativa de que a interina no posto, diretora Camila Figueiredo Bomfim, avalie o uso do dispositivo.

Pelas regras do leilão, um PCS (Procedimento Competitivo Simplificado) realizado em outubro do ano passado, apenas projetos novos poderiam ser autorizados a participar, e a energia teria de obrigatoriamente ser entregue pelas vencedoras do leilão, conforme destaca a cláusula 4.4 do contrato.

"A energia definida no contrato não poderá ser entregue por outra usina do vendedor, por outro agente da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], nem pelo conjunto dos agentes em razão de operação otimizada do SIN [Sistema Interligado Nacional]", destaca o texto.

O diretor da Aneel e relator desse processo, Efrain Pereira da Cruz, defendeu uma medida cautelar que suspendeu a multa mensal de R$ 209 milhões prevista pelo atraso das quatro novas térmicas da Âmbar e liberou a operação da térmica de Cuiabá, com direito a receber receita R$ 1.761,30 por MWh, a ser debitada na conta de luz.

Cruz está se despedindo da agência. Tentou ser indicado para o cargo de diretor-geral, uma vez que não poderia ser reconduzindo para o mesmo posto. Tem atuado nos bastidores para que a cautelar não seja derrubada, pois essa é tendência entre os técnicos da agência.

Em janeiro, a Âmbar fez um primeiro pedido para fornecer a energia da térmica Mário Covas enquanto os novos projetos não ficavam prontos. Naquela ocasião, recebeu uma negativa da área técnica.

A empresa reapresentou o pedido, solicitando a cautelar em abril, e conseguiu sinal verde numa reunião de diretoria em 17 de maio —antes de os técnicos e a procuradoria reavaliarem a proposta, que estava em sigilo.

Dois outros diretores presentes da reunião que tratou da cautelar acompanharam o voto do relator. Hélvio Neves Guerra, que no encontro presidiu os trabalhos, foi reconduzido e permanece na agência. Sandoval de Araújo Feitosa Neto vai assumir o cargo principal (o de diretor-geral da agência) em agosto.

As entidades centraram esforços em argumentos técnicos no pedido de suspensão da cautelar.

A Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), que representa principalmente empresas que dependem da eletricidade em grande escala, fez um recurso detalhado em que destaca o prejuízo para o consumidor.

"O interesse dos consumidores é não pagar por esta energia cara, desnecessária, e que, caso acolhidos os pleitos das Interessadas, irá infringir diversas normas", afirma o texto. A entidade cita que a cautelar se contrapõe à Medida Provisória que tratou da crise hídrica, a uma resolução da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, a uma portaria do Ministério das Minas e Energia sobre o tema, ao edital do leilão e ao contrato firmado pela empresa.

"A Abrace tem grande confiança no processo decisório da Aneel e na solidez dos argumentos levados à Agência", disse à reportagem Paulo Pedrosa, presidente da entidade. "Com o envolvimento das superintendências e da procuradoria e com o debate de mérito entre os diretores é natural a reversão da decisão cautelar que penaliza os consumidores."

A Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia), que também pediu a suspensão, apresentou questionamentos diretos aos argumentos de Efrain da Cruz. Destacou que o voto do relator "é frágil quanto aos aspectos técnicos e inaceitáveis sob o aspecto jurídico". A entidade não descarta levar o caso à Justiça.

"O que o diretor Efrain está fazendo com a decisão é romper contratos. Isso abre um precedente muito perigoso", afirma a diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Anace, Mariana Amim, em nota sobre a questão. "Quando o contrato é desfavorável para o empreendedor, pode ser alterado, mas, quando é desfavorável ao consumidor, tem de ser cumprido? Espero que o bom senso faça com que a Aneel reveja a decisão."

O Instituto Polis, entidade da sociedade civil que defende direitos do consumidor, também pediu a suspensão da cautelar em recurso elaborado pelo escritório de advocacia Carvalho Siqueira afirmando que considera a decisão uma irracionalidade financeira.

Os advogados lembram que as usinas dos PCS foram pensadas durante o momento de seca para operarem como opções antiapagão e para preservar reservatórios. Agora, no entanto, os lagos das hidrelétricas estão com 70% da capacidade. No mercado à vista, a energia sai por 55 MWh.

"Nesse contexto, torna-se ainda mais absurda a decisão da Aneel", afirma em nota o coordenador de projeto do Instituto Polis, Clauber Leite.

OUTRO LADO

Procurada, a Aneel não se manifestou até a publicação deste texto.

Em nota enviada à reportagem, a Âmbar não comenta que os projetos não cumpriram o prazo de 1º de maio, mas reforça que conseguirá atender o prazo limite de 90 dias.

"Os recursos perante a Aneel partem da premissa falsa de que as quatro usinas assumidas pela Âmbar não entrariam em operação comercial dentro do período de 90 dias previstos em contrato", afirma o texto.

A Âmbar também diz que apresentou à Aneel duas alternativas de cumprimento dos contratos: geração das quatro usinas ou geração da UTE Mário Covas, com redução de receita fixa e custo variável unitário, totalizando um benefício estimado de R$ 650 milhões em favor dos consumidores.

A empresa destaca ainda que requerimento é sustentado por precedentes do Tribunal de Contas da União e do Superior Tribunal de Justiça.

Diz ainda que caso a Aneel não confirme a aceitação da geração Mário Covas, os contratos serão cumpridos com a geração das quatros usinas, que se encontram na iminência de iniciar operação comercial, sem a economia proposta pela Âmbar.

"Não há, portanto, hipótese em que o contrato não seja cumprido. Por trás dessa narrativa fantasiosa está uma mera tentativa de romper contratos irregularmente", afirma o texto.

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