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Financial Times Folha ESG

'Greenwashing' é tentador para CEOs que contam histórias

Cumprir metas financeiras é tedioso, mas prometer salvar o mundo parece heroico

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John Gapper
Financial Times

Os executivos-chefes têm muitas responsabilidades, mas uma das mais valorizadas é convencer investidores e outros de que suas empresas estão tendo um bom desempenho financeiro e fazendo o bem ao mundo. Se aparecerem rachaduras nessas histórias, haverá problemas.

Fazer o bem é frequentemente medido em termos ambientais, sociais e de governança (ESG), e o grupo alemão de gestão de ativos DWS parecia estar dando o exemplo até recentemente. "Colocamos o ESG no centro de tudo o que fazemos", declarou o executivo-chefe Asoka Wöhrmann em seu relatório anual de 2020.

Agora, a gestora de ativos é acusada de "greenwashing", por exagerar as credenciais ESG de seus fundos de investimento, e seus escritórios em Frankfurt foram revistados esta semana pela polícia alemã por suspeita de fraude em prospectos. Wöhrmann então renunciou.

Logo do DWS em sua sede em Frankfurt, na Alemanha - Ralph Orlowski - 19.mar.2018/Reuters

Ele nega irregularidades e proclamou no início do ano que a investida da DWS no investimento em ESG era "uma verdadeira história de sucesso". Mas a batida policial causará calafrios em alguns CEOs que habitualmente alardeiam a seriedade com que veem as mudanças climáticas e como suas empresas são líderes em responsabilidade social. Alguns precisarão pesar suas palavras com mais cuidado.

Calar a boca não é uma opção. Criar uma narrativa já foi uma questão secundária para os CEOs, que se concentravam principalmente em questões operacionais longe do olhar do público. Mas à medida que o escrutínio dos investidores e da mídia se intensifica e as empresas precisam se comunicar constantemente com acionistas, clientes e funcionários, o CEO se tornou o principal contador de histórias.

Anne Mulcahy, ex-executiva-chefe da Xerox, certa vez refletiu que uma história corporativa unificadora "cria um impulso poderoso –a sensação de que as pessoas são capazes de fazer coisas boas" e importa mais do que "a precisão ou elegância da estratégia". Uma narrativa emocionante sempre supera uma apresentação em PowerPoint, mesmo quando esta reflete a realidade subjacente da empresa.

Uma história de esforço ético triunfou durante algum tempo na WeWork, empresa de compartilhamento de escritórios antes administrada pelo "guru" Adam Neumann, retratado no drama da Apple TV "WeCrashed". "Nossa missão é elevar a consciência do mundo", declarou em seu registro para oferta pública inicial em 2019; seu valor então despencou quando os investidores examinaram as letras miúdas financeiras.

Muitos chefes gostam de se gabar, assim como Markus Braun, ex- executivo-chefe do grupo de pagamentos alemão Wirecard antes de seu colapso em 2020 (Braun foi acusado de fraude no início deste ano). Um estudo descobriu que a publicação de demonstrações financeiras satisfazia uma "intensa necessidade de ter sua superioridade constantemente reafirmada" entre CEOs altamente narcisistas.

De fato, quanto mais extravagante a conversa, maior a probabilidade de que algo esteja dando errado. Outro estudo descobriu que CEOs de empresas que manipulavam contas tendiam a usar palavras que transmitiam emoções extremamente positivas, como "incrível", "craque", "fabuloso" e "imenso" em teleconferências com investidores.

A ascensão da responsabilidade social corporativa, com US$ 2,7 trilhões estimados em investimentos em ativos ESG, é uma terrível tentação para CEOs que se autoengrandecem. Atingir metas financeiras de forma consistente é tedioso, mas prometer melhorar o mundo parece heroico.

Cai bem com os investidores e atrai funcionários que querem acreditar que trabalham para uma empresa ética. Todo mundo tem uma sensação reconfortante ao ser informado de que está num caminho elevado.
Outra atração é que o greenwashing é difícil de definir. As métricas financeiras podem ser manipuladas, e as empresas muitas vezes adotam as suas próprias –a WeWork era conhecida por sua contabilidade criativa–, mas o caixa de uma empresa é rastreável (ou não, no caso do 1,9 bilhão de euros sumidos da Wirecard).

O investimento em ESG é muito mais difícil de medir: embora muitas agências de classificação agora tentem fazê-lo, as abordagens variam. Como disse Gary Gensler, presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, no ano passado, há "uma enorme variedade do que os gerentes de ativos podem querer dizer com certos termos ou quais critérios eles usam".

O DWS floresceu em meio à ambiguidade, prometendo ser "ambicioso, inovador e irrestrito em nosso pensamento avançado". Depois, Desiree Fixler, ex-diretora de sustentabilidade do grupo, acusou-o de deturpar suas capacidades ESG. "Fazemos gerenciamento de risco e o fazemos mal", escreveu outro executivo em um email interno.

A empresa ainda não foi acusada de nenhum crime, mas uma lição é clara: o greenwashing não é uma forma de ostentação isenta de riscos. A SEC multou este mês o braço de consultoria de investimentos do BNY Mellon em US$ 1,5 milhão por omitir informações sobre fundos ESG, e propôs novas regras.

Também há riscos mais amplos. A maioria das fraudes preocupa apenas aqueles que são diretamente afetados, mas as falsas alegações de ser ético incomodam a todos. A Volkswagen pagou 32 bilhões de euros em multas, honorários advocatícios e indenização a clientes depois que se descobriu, em 2015, que estava ocultando as emissões de diesel.

Tornar o mundo melhor é admirável, mas mentir sobre isso é odioso. Muitos CEOs adotaram a abordagem de castidade de Santo Agostinho em relação à responsabilidade social: orar para ser virtuoso, mas ainda não. O tempo está se esgotando.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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