Oposição pena e consegue barrar apenas parte da agenda liberal de Bolsonaro

Desvantagem numérica e mudanças regimentais tornam correlação de forças desfavorável para parlamentares contrários ao governo

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Brasília

A agenda econômica liberal do governo Jair Bolsonaro (PL) encontrou no Legislativo uma oposição reduzida e que precisou se aliar a partidos de centro e centro-direita para barrar propostas consideradas mais controversas ou aprovar medidas mais generosas para a população de menor renda.

Sob uma correlação de forças desfavorável para os opositores, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) conseguiu aprovar uma reforma da Previdência mais robusta, com uma idade mínima de aposentadoria, e a capitalização da Eletrobras, que vai transferir o controle da empresa para as mãos da iniciativa privada.

O governo também conseguiu congelar, por dois anos (2020 e 2021), os salários de servidores públicos como contrapartida ao socorro bilionário a estados e municípios devido à pandemia de Covid-19.

Deputados de oposição erguem faixas e cartazes contra a reforma da Previdência durante votação no plenário da Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 09.jul.2019/Folhapress

Por outro lado, as legendas contrárias ao governo foram bem-sucedidas em segurar mudanças como o corte no valor do BPC (Benefício de Prestação Continuada), ajuda de um salário mínimo (R$ 1.212) paga a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

O grupo ainda derrubou o polêmico regime de capitalização na Previdência, uma das grandes bandeiras de Guedes desde a campanha de 2018. Pelo modelo, o trabalhador pouparia para a própria aposentadoria sem qualquer ajuda do empregador.

A reforma administrativa, que mudaria as regras de ingresso no serviço público e flexibilizaria a estabilidade do funcionalismo, também ficou travada no Congresso.

Para assegurar essas vitórias, no entanto, as siglas opositoras precisaram do reforço decisivo dos partidos de centro.

Também foi assim em março de 2020, quando esses dois blocos pressionaram Bolsonaro e conseguiram garantir um auxílio emergencial maior que os R$ 200 propostos pelo governo para ajudar famílias na pandemia de Covid-19.

O valor acabou ficando em R$ 600. Houve ainda uma emenda da bancada do PSOL que propôs o pagamento em dobro (ou seja, R$ 1.200 mensais) para mães solteiras.

"Nessas matérias mais econômicas, a correlação de forças é desfavorável para a oposição, então a gente tem mais dificuldade. A não ser que a gente consiga uma formulação que divida mais o outro campo. Sem isso, a gente não consegue", reconhece o líder do PC do B na Câmara, Renildo Calheiros (PE).

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), vice-líder da oposição na Câmara, também admite que a aliança com partidos de centro foi "determinante e decisiva" para as legendas conseguirem barrar propostas da equipe de Guedes, ou avançar em pontos da agenda do campo mais progressista.

A oposição reúne as legendas PT, PDT, PSB, PC do B, PSOL e Rede. Juntas, elas têm 122 deputados, segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

O monitoramento do órgão mostra que, na configuração atual da Câmara, com 513 parlamentares, só os primeiros mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), além de Michel Temer (MDB), tiveram oposição ainda menos numerosa.

A dimensão reduzida da bancada é atribuída, em parte, ao ambiente eleitoral de 2018, marcado por um sentimento contrário à esquerda que impulsionou Bolsonaro e candidatos do seu campo político.

Mesmo em um cenário adverso, uma das maiores conquistas da oposição foi derrubar duas tentativas do governo de flexibilizar leis trabalhistas e criar novos regimes de contratação, com menos encargos para os empregadores e contribuições menores ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

As alterações, defendidas pelo time econômico para impulsionar a geração de empregos, foram criticadas por parlamentares e pelo Ministério Público do Trabalho.

A primeira investida foi no fim de 2019. Fortalecido pela aprovação da reforma da Previdência, o governo enviou uma MP (medida provisória) que instituiu o Emprego Verde e Amarelo, que buscava incentivar a contratação de jovens até 24 anos.

A medida chegou a ser aprovada na Câmara, mas travou no Senado, onde a base de apoio a Bolsonaro é menor. Sem perspectiva de avanço, o governo acabou revogando a MP, evitando uma derrota explícita.

A segunda tentativa ocorreu em 2021. Os deputados aproveitaram uma medida que reeditou normas trabalhistas emergenciais da pandemia para resgatar as modificações na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). O texto, que originalmente tinha 24 artigos, passou a contar com 95 dispositivos.

A proposta foi novamente aprovada pela Câmara, mas teve um revés no Senado, que à época já era palco da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19. A medida foi derrubada por 47 votos a 27.

"O Senado virou um oxigênio para nós [de oposição]", diz Paulo Teixeira. Segundo ele, a Casa presidida por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) acabou moderando algumas matérias e segurando projetos como o da privatização dos Correios, aprovado na Câmara.

O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), ressalta outras propostas que travaram na Casa, como a fusão dos mínimos de despesas com saúde e educação e a extinção de fundos públicos, cujos recursos têm aplicação definida.

O analista político Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, avalia que o poder da oposição na Câmara foi "tolhido" por alterações regimentais promovidas em maio de 2021.

A reforma, patrocinada pelo então recém-eleito presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), limitou o chamado kit obstrução, série de instrumentos que a oposição usava para retardar votações polêmicas em busca de acordo ou concessão. Discussões que antes duravam dois ou três dias no plenário foram abreviadas para poucas horas.

"Onde essa pauta [do governo] acabou encalhando foi justamente no Senado, onde o poder do centrão é bem menor do que na Câmara", diz Carazza.

Na época da mudança no regimento, Lira negou que o texto tenha sido conquistado à força e disse que houve diálogo com a oposição. "A modernização do regimento interno vai qualificar o debate e aumentar —ao invés de diminuir— o tempo de discussão das matérias. Mas simultaneamente irá impedir a banalização da obstrução, um legítimo direito das minorias", afirmou na ocasião.

O líder do PC do B diz que a mudança no regimento foi muito ruim para a oposição e alerta que, se hoje a retirada desses instrumentos abafa a atuação da esquerda, em outro momento ela pode se voltar contra partidos de outros espectros ideológicos. "Nos governos Lula e Dilma, era o outro campo político que estava na oposição", lembra.

Para tentar driblar a situação de desvantagem, os parlamentares contrários ao governo buscam estratégias de mobilização, presencial e em redes sociais.

A vice-líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (RS), afirma que essa visão foi crucial para travar a reforma administrativa dos servidores e também a proposta de achatar o reajuste do piso do magistério —medida apoiada por prefeituras, que reclamam do peso dos salários sobre suas finanças.

"O governo Bolsonaro tentou colocar [apenas] o índice de inflação para corrigir o piso do magistério, mas houve mobilização de professores", diz a deputada. A articulação da base aliada naufragou, e neste ano foi oficializado um aumento de 33,24% no piso da categoria.

Ainda assim, a oposição não conseguiu impor agenda própria e, muitas vezes, adotou uma postura mais pragmática para negociar modificações ou concessões.

"Nós estamos fazendo sempre um trabalho de aprimoramento das matérias. Essa tem sido a posição do PDT. Naquilo que não faz sentido a gente vota contra, naquilo que faz sentido a gente debate e aprimora", afirma o deputado Mauro Benevides (PDT-CE), vice-líder da legenda na Câmara e ex-secretário de Fazenda do Ceará.

Isso ocorreu, por exemplo, na criação do Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família —marca social das gestões petistas.

Mas em outras situações, como a votação de propostas para cortar tributos estaduais sobre combustíveis, o grupo se viu perante um dilema: manter-se fiel à crença de que a medida seria ineficaz, sob risco político de ser acusado de barrar medidas em prol dos consumidores, ou votar com o governo. A última acabou prevalecendo.

"A oposição jogou junto com o governo. Em muitas das medidas, ela foi sócia", analisa Carazza. Embora o especialista veja confluência de interesses em pautas como a de benefícios sociais, ele afirma que a oposição ficou sem peso para emplacar pautas como um sistema tributário mais justo ou medidas na área ambiental.

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