O agricultor Dwight Grotberg, da Dakota do Norte (EUA), queria plantar mais trigo nesta temporada para capitalizar os preços em alta desde que a invasão da Ucrânia pela Rússia cortou as exportações de grãos e deixou o mundo com falta de milhões de toneladas de trigo.
A chuva forte, porém, impediu Grotberg de plantar tanto quanto ele pretendia e está prejudicando os agricultores de todo o estado, o principal produtor americano de trigo nesta época do ano.
Em vez de aumentar a oferta, a Dakota do Norte previa plantar a menor porcentagem já registrada de suas terras agrícolas, segundo dados do governo.
Os Estados Unidos são o quarto maior exportador mundial de trigo, e os problemas estão atingindo a produção num momento em que o mundo mal pode se dar ao luxo de perder mais suprimentos de grãos básicos em meio à crise alimentar global.
Os preços de referência do trigo Wv1 no Chicago Board of Trade subiram 50%, para mais de US$ 13,60 (R$ 64,33) por bushel (35,2 litros), depois que a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro interrompeu os embarques de quase um terço das exportações mundiais do produto. Desde então, a situação é difícil.
A piora das perspectivas de colheitas na China e em partes da Europa, seguida por uma proibição de exportação pelo principal produtor, a Índia, apertou os estoques e exacerbou as preocupações com o abastecimento alimentar global.
A ONU alertou que o impacto da guerra sobre grãos, óleos, combustíveis e fertilizantes pode levar milhões de pessoas à fome e demorar anos para ser resolvido.
Washington tem pedido aos agricultores americanos que semeiem mais trigo de inverno no segundo semestre, e o governo disse que permitirá o plantio em algumas terras ambientalmente sensíveis nesse período. Mas a seca e o alto preço dos insumos agrícolas poderão limitar os ganhos de produção, dizem analistas.
Existem duas culturas de trigo nos Estados Unidos: a de primavera no hemisfério norte (de março a junho), plantada agora, e a de inverno, plantada no outono do hemisfério norte (setembro a dezembro), que será colhida em breve. Ambas estão em dificuldades.
Os problemas com o plantio do trigo de primavera enfrentado por agricultores como Grotberg vêm após a seca atingir a colheita do trigo de inverno no Kansas (EUA), o estado que mais planta.
O potencial de colheita do trigo de inverno caiu mais de 25% devido à seca severa. Os fazendeiros do Kansas podem abandonar o trigo em milhares de acres de campos este ano, em vez de pagar para colher os grãos queimados pela seca.
De volta à Dakota do Norte, o problema é o excesso de água. Uma nevasca histórica em abril deixou os extensos campos pontilhados de buracos do estado sob mais de um metro de neve em algumas áreas, provocando inundações quando ela derreteu.
Grotberg só conseguiu plantar cerca de 200 hectares de trigo até agora –apenas um quarto da terra que ele pretendia semear– por causa das condições úmidas.
Sementes plantadas em solos encharcados podem ter dificuldade para brotar ou crescer de forma desigual, enquanto as máquinas agrícolas pesadas podem quebrar em campos lamacentos, compactar o solo ou atolar na lama.
Agora, a janela de plantio de Grotberg está se fechando rapidamente.
O trigo plantado muito tarde na primavera provavelmente produzirá menos grãos ou enfrentará risco de geada antes que a colheita amadureça totalmente.
"Estamos empacados... Normalmente nesta época estamos encerrando o plantio de trigo", disse Grotberg.
Plantio mais lento na primavera desde 1996
O clima excessivamente úmido na primavera praticamente garantiu que o chamado "cesto de pão" nas planícies do norte dos EUA não produzirá uma colheita abundante este ano.
Os agricultores americanos semearam apenas 49% da área pretendida de trigo de primavera até 22 de maio, equiparando-se a 2014 como o ritmo mais lento de plantio desde 1996, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA.
Na Dakota do Norte, que produz cerca de metade do trigo de primavera dos EUA, os produtores plantaram apenas 27% de sua safra, o segundo ritmo mais lento em quatro décadas.
"Alguns agricultores ainda não viraram a roda", disse o comissário de Agricultura da Dakota do Norte, Doug Goehring. "Se a Dakota do Norte não conseguir um volume substancial, só vai causar mais estragos no mercado global."
Abandonando o trigo de inverno murcho
Nas planícies do sul dos Estados Unidos, os agricultores de trigo de inverno receberam muito pouca chuva e estão preocupados com o tamanho da colheita –ou se as plantas murchas simplesmente precisarão ser derrubadas.
Um grupo privado que visitou plantações no Kansas em meados de maio previu que a colheita de trigo encolheria 28% este ano, e uma área maior que a normal de campos poderá não ser colhida devido aos danos causados pela seca.
Cerca de 6% dos hectares plantados no estado seriam abandonados, de acordo com as últimas estimativas do Departamento de Agricultura. Mas, devido aos danos causados pela seca, o agrônomo do trigo da Universidade Estadual do Kansas, Romulo Lollato, acredita que a taxa de abandono será maior.
"Eu não ficaria surpreso se 8%, 9%, 10%" dos hectares plantados forem abandonados este ano, disse Lollato.
No vizinho Colorado, o abandono pode chegar a 30%, disse o diretor executivo da Colorado Wheat, Brad Erker, aos participantes da visita.
"Os rendimentos de trigo são afetados pelo clima em maio, e tivemos um maio muito seco", disse o agricultor Vance Ehmke, do Kansas. "A tendência não é nossa amiga."
Desaparecimento da área de trigo
A produção de trigo nos EUA está em declínio em longo prazo, pois os agricultores favoreceram a produção de milho e soja, que são mais lucrativas devido à demanda dos produtores de biocombustíveis. A ciência das sementes também aumentou seus rendimentos em 30% ou mais desde 2000, melhorando apenas 6% para o trigo.
A demanda por biocombustíveis provavelmente continuará a corroer as áreas de trigo, já que duas novas usinas de processamento de soja devem ser inauguradas no leste da Dakota do Norte, incluindo uma da Archer-Daniels-Midland Company, que fornecerá óleo de soja à Marathon Petroleum Corporation para combustível diesel renovável.
À medida que a janela de plantio nas planícies do norte se estreita, os agricultores da Dakota do Norte avaliam opções que incluem mudar para soja, que pode ser semeada mais tarde na primavera do que o trigo, ou apresentar pedidos de seguro por plantio impedido.
"É muito tentador registrar esses pedidos", disse Grotberg. "Depois de entrarmos em junho, teríamos sorte de conseguir meia safra. E com os custos tão altos fica difícil de suportar."
Colaborou Julie Ingwersen. Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.