Contestar resultado ampliaria estresse eleitoral no mercado, diz economista

Avaliação é de economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otavio de Souza Leal

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São Paulo

O pacote de "bondades" econômicas do governo recolocou o presidente Jair Bolsonaro (PL) no jogo eleitoral e tornou a disputa mais acirrada, o que eleva o risco de contestação do resultado da votação e de uma crise institucional, com reflexos no mercado financeiro. Essa é a avaliação de Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa.

"O grande impacto desse acirramento, do aumento da competitividade da candidatura Bolsonaro até o segundo turno, a gente vai ver nos ativos [como Bolsa e dólar]. Não é uma questão do que é melhor para o mercado, Lula ou Bolsonaro. É muito mais a probabilidade de uma crise institucional", afirma o economista.

Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa - Divulgação

Para ele, a emenda constitucional que autorizou o governo federal a estourar o teto de gastos em R$ 41 bilhões afasta o risco de uma recessão no Brasil em 2022, mas o aumento da demanda vai exigir juros altos por mais tempo, o que prejudica o crescimento em 2023.

Veja os principais trechos da entrevista.

Em relatório a clientes, você afirma que a PEC dos benefícios pode ser determinante para os resultados nos próximos meses tanto no campo econômico como político. Qual o impacto sobre a economia brasileira no segundo semestre deste ano?

Você vai ter um terceiro trimestre bem mais forte do que estava se esperando antes. Era lugar comum no mercado até algum tempo atrás dizer que o PIB do segundo semestre ia ser negativo, até com dois trimestres negativos, gerando uma recessão técnica. Isso está mudando. Nossa projeção para o terceiro trimestre passou de uma queda de 0,10% do PIB para alta de 0,20%, e com viés de alta. Para 2022, a gente passou de 1,7% para 2%. E 2% é piso.

A gente tem discutido a questão fiscal: são R$ 41 bilhões a mais de gasto. A contrapartida disso são R$ 41 bilhões para o consumo. Boa parte irá para uma faixa de renda que é consumo na veia. Mesmo que a pessoa use o dinheiro inicialmente para diminuir endividamento, vai usar esse espaço para se endividar de novo.

Qual o impacto desse crescimento sobre a inflação e sobre o PIB de 2023?

Mais consumo significa uma demanda mais forte, o que torna mais difícil reduzir a inflação. Há algumas projeções de taxa de juros apontando que, em vez de parar em 13,75%, o Banco Central vai ter de acabar [de subir a Selic] em 14,5%, alguma coisa assim. Acho que vai parar em 13,75%, mas essa demanda mais aquecida vai fazer com que ele tenha de deixar os juros altos por mais tempo. Nesse sentido, você pode ter uma redução do PIB no ano que vem. A gente está com 0,5% de alta, com viés de baixa.

Duas coisas sustentaram o crescimento neste ano, o setor externo e as medidas tomadas pelo governo. Nenhum dos dois vai estar presente no ano que vem. Então, de onde viria o crescimento? E a média dos juros vai ser mais alta que em 2022. Quando junta isso tudo, é difícil ser otimista com o crescimento no ano que vem.

Você afirma que a PEC pode ser um divisor de águas das nossas apostas para o resultado eleitoral, e que, quanto mais acirrada for a disputa, maior a chance de haver contestações do resultado. Qual o reflexo disso na economia?

O grande impacto desse acirramento, do aumento da competitividade da candidatura Bolsonaro até o segundo turno, a gente vai ver nos ativos [como Bolsa e dólar]. Não é uma questão do que é melhor para o mercado, Lula ou Bolsonaro. É muito mais a probabilidade de uma crise institucional. Da possibilidade de Bolsonaro, se for derrotado, não aceitar o resultado. Quanto mais acirrada estiver a campanha e mais perto das eleições, mais essa discussão vai surgir.

Embora afirme que uma crise institucional não é o seu cenário mais provável, você diz que a simples chance de que isso ocorra irá se refletir no preço dos ativos brasileiros. Qual seria o impacto?

Eu dou um exemplo. Digamos que você atribua uma probabilidade de 10% disso acontecer. Então você tem de colocar um prêmio de 10% em cima dos ativos. A gente estaria falando de um dólar próximo de R$ 5,90 e uma Bolsa próxima de 90 mil pontos.

A maior parte do movimento de alta do dólar que a gente viu recentemente tem a ver com a questão da política monetária nos EUA, foi o fortalecimento mundial do dólar. Um pedaço foi a piora da percepção fiscal por causa da PEC. A questão eleitoral, se pode ter ou não um problema institucional, não entrou ainda no preço. Acho que o mercado pode começar a incorporar um pouco disso a partir do 7 de Setembro. O 7 de Setembro vai ser um bom desafio para esse cenário.

Qual a postura do gestor diante dessa instabilidade durante o período eleitoral e com uma possível calmaria posteriormente?

Se você não achar que vai ter uma crise institucional stricto sensu, independente de quem ganhar, o Brasil não acaba. Considerando que o país não vai acabar depois das eleições, o que vai acontecer é que quem comprar Brasil quando o dólar estiver a R$ 6, a Bolsa abaixo de 90 mil pontos, vai ganhar quando esse prêmio for retirado. O ciclo eleitoral brasileiro sempre foi marcado por esse vaivém: o mercado fica nervoso na véspera das eleições e depois devolve tudo quando começa o governo. Principalmente quando tem essas incertezas que a gente tem agora. Não acho que vai ser diferente dessa vez. Para o gestor ou o investidor pessoa física é um momento de oportunidade.


Raio-X

Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa. Bacharel e mestre em Economia pela PUC-RJ, onde atuou como professor. Foi economista-chefe de instituições como Banco ABC Brasil, Pictet e Fecomércio-RJ.

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