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De Oxford para barista na Starbucks: jovens tentam resgatar sindicatos nos EUA

Ambição e idealismo movem bolsistas de universidades de prestígio a engrossar movimento trabalhista americano

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Noam Scheiber
The New York Times

Na maioria das manhãs de fim de semana, Jaz Brisack se levanta por volta das 5h, coloca seu corpo semiconsciente em um Toyota Prius e atravessa Buffalo, no estado de Nova York, até a Starbucks na Elmwood Avenue. Depois que um supervisor abre a porta, ela marca o ponto, verifica se tem sintomas de Covid e ajuda a preparar a loja para os clientes.

"Quase sempre estou no bar quando abro", disse Brisack, que tem um visual de brechó e longos cabelos arruivados que ela reparte no meio. "Eu gosto do leite fumegante, de servir o 'latte'."

A porta da Starbucks não é a única que se abriu para ela. Como formanda na Universidade do Mississippi em 2018, Brisack foi um dos 32 americanos que ganharam bolsas de estudo Rhodes, que financiam estudos em Oxford, na Inglaterra.

Loja da Starbucks em Filadélfia, nos Estados Unidos - Kena Betancur/AFP

Muitos estudantes procuram a bolsa porque ela pode abrir caminho para uma carreira nos altos escalões do direito, universidades, governo ou negócios. Eles são motivados por uma mistura de ambição e idealismo.

Brisack tornou-se barista por razões parecidas: ela acreditou que era simplesmente o uso mais urgente para seu tempo e seus muitos talentos.

Quando Brisack ingressou na Starbucks, no final de 2020, nenhum dos 9.000 pontos da empresa nos Estados Unidos tinha um sindicato. Ela esperava mudar isso ajudando a sindicalizar suas lojas em Buffalo.

Mas Brisack e seus colegas de trabalho superaram em muito seu objetivo. Desde dezembro, quando sua loja se tornou a única Starbucks de propriedade corporativa nos Estados Unidos com um sindicato certificado, mais de 150 outras lojas votaram pela sindicalização e mais de 275 apresentaram documentos para realizar eleições.

Suas ações acompanham um aumento do apoio público aos sindicatos, que no ano passado atingiu o ponto mais alto desde meados da década de 1960, e um consenso crescente entre especialistas de centro-esquerda de que o aumento da filiação sindical poderá levar milhões de trabalhadores para a classe média.

O turno de fim de semana de Brisack representa todas essas tendências, além de uma mudança de opiniões dos americanos mais privilegiados. De acordo com pesquisa Gallup, a aprovação dos sindicatos entre os graduados universitários cresceu de 55% no final dos anos 1990 para 70% no ano passado.

Eu vi isso em primeira mão em mais de sete anos de reportagens sobre sindicatos, pois o interesse cada vez maior entre os trabalhadores de colarinho branco coincidiu com um entusiasmo mais amplo pelo movimento trabalhista. Conversando com Brisack e seus colegas bolsistas da Rhodes, ficou claro que a mudança havia atingido até mesmo aquele grupo reduzido.

Os bolsistas americanos da Rhodes que encontrei de uma geração anterior normalmente diziam que, enquanto estiveram em Oxford, foram tipos em cima do muro que acreditavam num papel modesto do governo. Eles não gastaram muito tempo pensando em sindicatos quando estudantes, e quando pensavam provavelmente seria com desconfiança.

"Eu era um filho dos anos 1980 e 1990, mergulhado na política centrista da época", escreveu Jake Sullivan, bolsista Rhodes de 1998 que é conselheiro de segurança nacional do presidente Joe Biden e foi um dos principais assessores de Hillary Clinton.

Em contraste, muitos dos colegas de Brisack na Rhodes expressam reservas sobre as políticas voltadas para o mercado dos anos 80 e 90 e o forte apoio aos sindicatos. Vários me disseram que estavam entusiasmados com os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren, que fizeram da revitalização do movimento trabalhista uma prioridade em suas campanhas presidenciais de 2020.

A luta em Buffalo

Brisack mudou-se para Buffalo depois de Oxford para outro emprego, como organizadora do sindicato Workers United, onde trabalhava um mentor que ela conheceu na faculdade. Lá, ela decidiu pegar um segundo trabalho na Starbucks.

"Sua filosofia era trabalhar e se organizar. Ela queria aprender sobre a indústria", disse Gary Bonadonna Jr., a principal autoridade do Workers United no norte do estado de Nova York. "Eu disse OK."

Em sua reação à campanha, a Starbucks muitas vezes culpou "forças sindicais externas" que pretendiam prejudicar a empresa, como sugeriu seu CEO, Howard Schultz, em abril. A empresa identificou Brisack como um desses intrusos, observando que ela recebe um salário do Workers United. (Bonadonna disse que ela era a única funcionária da Starbucks na folha de pagamento do sindicato.)

Mas a impressão que Brisack e seus colegas empregados-organizadores dão é de carinho pela empresa. Mesmo quando apontam falhas –falta de pessoal, treinamento insuficiente, baixa remuneração por tempo de serviço, tudo o que desejam melhorar–, eles abraçam a Starbucks e sua cultura distinta.

Brisack e seus colegas falam sobre seu senso de camaradagem e comunidade –muitos contam clientes regulares entre seus amigos– e se deliciam com sua experiência em café. Nas manhãs em que a loja de Brisack não está cheia, os funcionários costumam fazer degustações.

Um porta-voz da Starbucks disse que Schultz acredita que os funcionários não precisam de um sindicato se tiverem fé nele e em seus motivos, e a empresa disse que os aumentos salariais baseados no tempo de serviço entrarão em vigor neste verão.

Em uma sexta-feira de fevereiro, Brisack e outro barista, Casey Moore, se encontraram no apartamento de dois quartos dela durante o café da manhã para conversar sobre a estratégia do sindicato. Naturalmente, a conversa se voltou para o café.

"Jaz tem uma bebida muito barista", disse Moore.

Brisack elaborou: "São quatro doses de loiro ristretto –uma torra mais leve de espresso– com leite de aveia. É basicamente um latte gelado com leite de aveia".

Naquela tarde, Brisack fez uma ligação pelo Zoom de sua sala de estar com um grupo de funcionários da Starbucks que estavam interessados em se sindicalizar. É um exercício que ela e outros ativistas em Buffalo repetiram centenas de vezes desde o outono passado, enquanto trabalhadores de todo o país procuravam seguir seu exemplo. Mas em quase todos os casos os funcionários da Starbucks fora de Buffalo entraram em contato com os organizadores, e não o contrário.

Esse grupo específico de trabalhadores, na cidade universitária de Brisack em Oxford, no Mississippi, parecia exigir ainda menos esforço do que a maioria. Quando Brisack disse que ela também havia frequentado a Universidade do Mississippi, um dos funcionários a interrompeu, como se sua celebridade a precedesse. "Ah, sim, nós conhecemos Jaz", lançou o trabalhador.

Poucas horas depois, Brisack, Moore e Michelle Eisen, uma antiga funcionária da Starbucks também envolvida na organização, reuniram-se com dois advogados sindicais no escritório do sindicato em uma antiga fábrica de automóveis. O National Labor Relations Board estava contando os votos de uma eleição em uma Starbucks em Mesa, no Arizona –o primeiro teste real para saber se a campanha estava se enraizando nacionalmente, e não apenas em um reduto sindicalista como Nova York. A sala estava tensa quando os primeiros resultados chegaram.

Em poucos minutos, no entanto, ficou claro que o sindicato venceria por goleada –a contagem final foi de 25 a 3. Todos ficaram um pouco excitados, como se de repente tivessem entrado num mundo de sonhos onde os sindicatos eram muito mais populares do que jamais teriam imaginado.

Brisack pareceu captar o clima quando leu uma mensagem de um colega de trabalho para o grupo: "Estou tão feliz que estou chorando e comendo um bolo de sorvete de uma semana".

Brisack de repente parecia estar num caminho diferente. Quando criança, ela idolatrava Lyndon Johnson e imaginava concorrer a um cargo. Na Universidade do Mississippi, foi eleita presidente dos estudantes democratas.

Ela desenvolveu interesse pela história do trabalho na adolescência, quando o dinheiro às vezes era curto, mas foi principalmente um interesse acadêmico. "Ela tinha lido Eugene Debs", disse Tim Dolan, o conselheiro nacional de bolsas da universidade na época. "Foi como: 'Meu Deus. Uau!'".

Quando Richard Bensinger, ex-diretor de organização da AFL-CIO e da United Automobile Workers, veio falar no campus, ela percebeu que a organização sindical era mais do que uma curiosidade histórica. Conseguiu um estágio numa campanha sindical de que ele participava em uma fábrica da Nissan próxima. Não correu bem. O sindicato acusou a empresa de realizar uma campanha racialmente divisiva, e Brisack ficou desiludida com a derrota.

"A Nissan nunca pagou uma consequência pelo que fez", disse ela. (Em resposta às acusações de "táticas de medo", a empresa disse na época que havia procurado fornecer informações aos trabalhadores e esclarecer percepções errôneas.)

Dolan percebeu que ela estava ficando cansada da política da corrente dominante. "Houve momentos entre o segundo e o terceiro ano em que eu a orientava em direção a algo, e ela dizia: 'Ah, eles são muito conservadores'. Eu lhe enviava um artigo do New York Times e ela dizia: 'O neoliberalismo está morto'."
Na Inglaterra, onde chegou durante o outono de 2019 aos 22 anos, Brisack frequentou regularmente um cineclube de "solidariedade" que exibia filmes sobre lutas trabalhistas em todo o mundo. Ela reinterpretou liberalmente o termo "black tie" em um jantar anual da Rhodes, vestindo um casaco preto sobre uma camiseta preta "antifa".

"Fui e peguei becas e tudo; eu queria me encaixar", disse uma amiga e colega bolsista da Rhodes, Leah Crowder. "Eu sempre adorei como ela nunca tentou se encaixar em Oxford."

Trabalhadores do Starbucks se organizam em sindicado - Brendan McDermid/Reuters

Procurando Howard Schultz

A primeira vez que encontrei Brisack foi em outubro, em uma Starbucks perto do aeroporto de Buffalo.
Eu estava lá para cobrir a eleição do sindicato. Ela estava lá, sem ser solicitada, para me informar. "Acho que não podemos perder", disse ela sobre a votação em sua loja. Na época, nenhuma Starbucks de propriedade corporativa no país era sindicalizada. O sindicato ganharia lá por uma proporção de mais de 2-1.

É difícil exagerar o desafio de sindicalizar uma grande corporação que não quer ser sindicalizada. Os empregadores podem inundar os trabalhadores com mensagens antissindicais, enquanto os sindicatos não têm acesso protegido aos trabalhadores no emprego. Embora seja oficialmente ilegal ameaçar, disciplinar ou demitir trabalhadores que desejem se sindicalizar, as consequências de fazê-lo são geralmente mínimas.

Na Starbucks, o NLRB emitiu queixas julgando mérito nessas acusações. No entanto, o sindicato continua a vencer eleições –mais de 80% dos mais de 175 votos em que o conselho declarou um vencedor. (A Starbucks nega que tenha infringido a lei, e um juiz federal recentemente rejeitou um pedido para reintegrar trabalhadores pró-sindicato que o conselho trabalhista disse que a Starbucks havia ilegalmente forçado a sair.)

Embora Brisack tenha sido uma das dezenas de líderes iniciais da campanha sindical, a marca de sua personalidade é visível. Em loja após loja em todo o país, os trabalhadores que apoiam o sindicato não cedem terreno nas reuniões com diretores da empresa.

O desafio para Brisack e seus colegas é que, embora os mais jovens, mesmo as elites mais jovens, sejam cada vez mais pró-sindicatos, a mudança ainda não atingiu muitos dos líderes mais poderosos do país. Ou, mais especificamente, a mudança ainda não chegou a Schultz, o homem de 68 anos em sua terceira rodada como CEO da Starbucks.

Schultz há muito se opõe aos sindicatos na Starbucks, mas Brisack, por exemplo, acredita que até os executivos de empresas podem ser persuadidos. Recentemente, ela falou em um painel do Aspen Institute sobre direitos dos trabalhadores. Até pensou em usar suas conexões da Rhodes para fazer um apelo pessoal a Schultz, algo que Bensinger desprezou, mas que outros organizadores acreditam que ela poderá conseguir.

"Richard está caçoando de mim por pensar em pedir a uma pessoa da Rhodes para intermediar uma reunião com Howard Schultz", disse Brisack em fevereiro.

"Tenho certeza que se você conhecesse Howard Schultz ele pensaria: 'Ela é tão legal'", respondeu Moore, seu colega de trabalho. "Ele diria: 'Entendo. Eu gostaria de entrar num sindicato com você'."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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