Descrição de chapéu Folhajus

Falsa clínica de reabilitação submete dependentes químicos a trabalho escravo, diz Procuradoria

Fabricante de peças de gesso recrutava vulneráveis, afirma órgão; defesa nega acusações e diz que trabalhadores tinham liberdade para sair quando quisessem

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Curitiba e São Paulo

A Procuradoria-Geral do Trabalho divulgou nesta quinta (28) o resgate de 15 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Patos de Minas (MG). De acordo com o órgão, a empresa, fabricante de peças de gesso, informava ser uma clínica de recuperação para usuários de drogas e álcool, que utilizaria o trabalho como parte do tratamento.

Segundo o coordenador da ação, Humberto Monteiro Camasmie, as vítimas eram recrutadas em outros municípios, em bairros de periferia e no período noturno. Representantes da suposta comunidade terapêutica prometeriam emprego e reabilitação a pessoas em situação de rua, sem vínculos familiares e em situação de vulnerabilidade psicossocial, em razão do abuso de álcool e drogas.

Empresa de peças de gesso se passava por clínica de reabilitação e escravizava dependentes químicos em Patos de Minas (MG). Na imagem, cachorros de gesso já pintados à frente e sem pintura atrás
Empresa de peças de gesso se passava por clínica de reabilitação e escravizava dependentes químicos em Patos de Minas (MG) - Operação Resgate

Ainda segundo a Procuradoria, havia promessa de pagamento a quem cumprisse metas que dificilmente eram alcançadas, motivo de agressões e ameaças. A suposta clínica também não teria supervisão médica, psicológica, corpo de enfermagem ou plano terapêutico.

Procurado pela Folha na quinta, o advogado Carlos Roberto Silva Júnior, do Viana e Lima Advogados, que defende um dos associados, se manifestou na tarde desta sexta-feira (29). Ele nega as acusações contra seu cliente e diz que os trabalhadores tinham liberdade para deixar a casa quando quisessem.

"Todos os necessitados tinham liberdade para ingressar, permanecer e se desligar da associação a qualquer momento, sobretudo quando tivesse [sic] alcançado o espírito completo do renascimento buscado", diz nota enviada à reportagem.

Júnior afirma ainda que o local funcionava como uma "associação de pessoas desempregadas que buscavam através da fabricação e venda de artefatos de gesso, uma mínima condição para a própria subsistência".

A justificativa para não haver o registro em carteira é que não existia uma empresa nem havia um empregador. "Não existia naquele local uma empresa, tampouco um empregador, e, muito menos relação de trabalho. Todos que ali estavam tinham como objetivo comum, através de um trabalho conjunto, sobrepujar adversidades, e, consequentemente gerar melhor qualidade de vida aos associados."

Segundo Camasmie, que é auditor-fiscal do trabalho, José Augusto Santos Neto, um dos associados, se apresentou como o responsável pela Clínica Missionária Renascer durante a inspeção. Embora Renascer esteja no nome do estabelecimento, a igreja de mesmo nome informou que não está vinculada a nenhum dos envolvidos.

Procurada pela Folha, a liderança da Renascer afirma que não tem nenhuma ligação com o local e que suas obras assistenciais estão todas localizadas em São Paulo. A instituição diz que tomará as medidas jurídicas cabíveis para que os acusados parem de usar o nome Renascer.

Ação começou no início de julho

A ação, que começou no dia 14 de julho e partiu da denúncia de uma vítima, fez parte da segunda edição da Operação Resgate, que resgatou 338 trabalhadores em situação análoga à escravidão no mês de julho.

A operação na falsa clínica foi conduzida pela SIT (Subsecretaria de Inspeção do Trabalho) do Ministério do Trabalho e Previdência, pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) e pela PRF (Polícia Rodoviária Federal).

Camasmie afirma que a auditoria fiscal do trabalho lavrará auto de infração e que o relatório de fiscalização será encaminhado aos órgãos responsáveis, que possivelmente entrarão com ação criminal. As vítimas estão recebendo assistência da Icasu (Instituição Cristã de Assistência Social de Uberlândia) e da Universidade Federal de Uberlândia. ​

Depoimentos falam em abordagem religiosa, agressões físicas e ameaças

​Segundo a investigação, havia um contorno religioso na abordagem. "Sempre essa equipe que recruta está acompanhada de alguém que se apresenta como pastor, como alguém de igreja, e de alguma forma cria-se a expectativa desses moradores de rua de uma possibilidade melhor de vida", diz o auditor.

As vítimas, de acordo com a Procuradoria, eram imediatamente levadas a Patos de Minas, onde não tinham meios de comunicação para manter contato com amigos e familiares. "Acabavam ficando impedidas de romper esse vínculo [com a empresa] em razão da falta de condições de retornar ao local de origem, e também passavam a ser coagidas a permanecer em razão de fortes ameaças", afirma o auditor.

Entre os depoimentos, há relatos de agressões físicas por metas não cumpridas, diz Camasmie. A violência física seria usada pelo empregador como ameaça e coação para o cumprimento de ordens e para garantir que não deixassem a clínica.

Ele afirma ainda que o trabalho não era regularizado e contava com riscos como exposição a poeiras de gesso, tintas e solventes, entre os quais a gasolina, sem equipamentos de proteção ou realização de exames médicos.

A duração da jornada ultrapassaria os limites legais e há relatos de que os trabalhadores responsáveis pelas vendas das peças de gesso só poderiam se alimentar caso superassem as metas, quando receberiam remuneração. Segundo depoimentos, não eram fornecidas roupas de cama, toalhas, sabonetes, pasta dental e papel higiênico. Cigarros seriam vendidos para os trabalhadores.

Sobre as acomodações, o advogado de um dos acusados diz que a casa era ampla, permitindo a todos viverem com dignidade, com quartos, banheiros, cozinha e sala. "A gestão do espaço era realizada de forma solidária por todos os membros, os quais dispunham de camas com colchões, roupas de cama e banho, energia, água e internet, além de alimentação de qualidade –preparada por um associado que tinha predicado culinário", afirma.

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