Ministro da Economia da Argentina renuncia ao cargo

Martín Guzmán era alvo de críticas da vice-presidente, Cristina Kirchner

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São Paulo

Sob pressão da ala kirchnerista, o ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, renunciou ao cargo neste sábado (2).

A decisão foi comunicada, por meio de redes sociais, no mesmo momento em que a ex-presidente e atual vice-presidente do país, Cristina Kirchner, fazia um discurso em que criticava a gestão da economia.

Guzmán escreveu uma longa carta ao presidente Alberto Fernández , que ele publicou no Twitter. "Com a profunda convicção e a confiança na minha visão sobre qual é o caminho que a Argentina deve seguir, continuarei trabalhando e atuando por uma pátria mais justa, livre e soberana", disse na mensagem, ao destacar as conquistas de sua gestão.

O ex-ministro da Economia da Argentina Martin Guzmán
O ex-ministro da Economia da Argentina Martin Guzmán - Emmanuel Dunand - 25.mar.22/AFP

A gestão do ministro ficou marcada pela negociação com o FMI (Fundo Monetário Internacional) em uma tentativa de o país alcançar o equilíbrio das contas públicas em 2024.

Especialista em processos de renegociação de dívidas externas, Guzmán tinha a missão de entregar um novo cronograma de pagamento dos títulos argentinos que o governo de Mauricio Macri havia deixado em inadimplência. Em 31 de agosto de 2020, após meses de intensas negociações e oito meses após assumir o cargo, o ministro fechou com sucesso a reestruturação da dívida em dólar.

O sucesso dessa negociação acabou sendo prejudicado pelos reflexos econômicos da pandemia. O PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina caiu quase 10% em 2020, enquanto a renegociação foi adiada.

Essa renegociação também marca o início da piora na relação de Fernández e Kirchner. Em discurso neste sábado, ela afirmou que "o déficit fiscal não é responsável pela inflação".

Segundo pesquisa do Management & Fit, a inflação é hoje a principal preocupação de 43,4% dos argentinos. Em 2020, essa fatia representava 9,9%.

Em seu perfil no Twitter, Guzmán agradeceu a Fernández pela oportunidade de ter sido ministro do país e mencionou o período conturbado que enfrentou como ministro.

"A Argentina mergulhou em uma profunda crise econômica, social e de dívida, sendo a isso adicionada uma pandemia global e uma guerra na Ucrânia."

"Na primeira vez em que falei com a Argentina como ministro da Economia da nação, disse que nosso objetivo era tranquilizar a economia. Esse conceito pode não gerar muito entusiasmo para muitos, mas sempre me pareceu (e me parece) que tranquilizar a economia seria um verdadeiro épico", acrescentou.

Ele também ressaltou a importância de trabalhar em um acordo político dentro da coalizão governista, "para que quem me substituir tenha a gestão centralizada dos instrumentos de política macroeconômica necessários para consolidar os progressos descritos e enfrentar os desafios futuros".

Segundo o ex-ministro, essa medida vai ajudar seu sucessor a realizar os esforços que levam ao progresso econômico e social com o apoio político necessário para que eles sejam eficazes, disse Guzman, ainda, em sua carta de renúncia.

Em maio, em entrevista a um programa de televisão, Guzmán já havia afirmado que a inflação tem "componentes externos", como a guerra na Europa, mas também ressaltou que as divisões dentro da própria aliança de governo são uma das razões para não dar respostas mais concretas. Ele se referia ao conflito interno que existe entre o presidente e sua vice, Cristina Kirchner.

De concreto, a única ação para tentar reduzir os preços veio com as tentativas de congelamento impostas pela Secretaria de Comércio. Guzmán considerava que apenas esse recurso não é suficiente.

De acordo com o jornal argentino La Nación, o ex-ministro vinha resistindo às pressões públicas permanentes entre as alas do governo, além dos múltiplos embates com os funcionários da equipe econômica. "Diante de muita especulação sobre sua partida, ele sempre respondeu calmamente e sem expressão", diz a publicação.

No entanto, os conflitos internos do governo nas últimas semanas vinham dificultando fortemente a gestão da crise, com reflexo no mercado financeiro.

Divergências do ministro com seus subordinados também o impediram de ter controle total da gestão da pasta, o que também levou Guzmán a tomar a decisão, ainda segundo o jornal.

Enquanto Guzmán apresentava a sua renúncia, Kirchner discursava em um evento para marcar o 48º aniversário da morte de Juan Domingo Perón, fundador do peronismo. O ministro era o alvo favorito da vice-presidente e do setor político que ela lidera dentro da aliança governamental.

O mais velho de cinco irmãos homens, Guzmán, 39, estudou economia na Universidade de La Plata e Universidade de Brown, nos Estados Unidos. Posteriormente, Joseph Stiglitz o integrou à sua equipe de pesquisadores na Universidade de Columbia, em Nova York.

Especializado em dívida soberana, Guzmán destacou-se como interlocutor hábil do FMI. A reação dos mercados à sua saída do governo argentino é incerta.

"Para o fundo, Guzmán era o mal menor. Mas ele pecou por soberba ao longo do tempo. A situação argentina não se explica apenas por razões políticas, está claro que também havia deficiências econômicas", disse à AFP o analista Carlos Fara.

Filho de uma professora de matemática e um instrutor de tênis, Guzmán decidiu estudar economia por causa da crise de 2001, quando o país entrou em default.

"A realidade que se vivia me levou, particularmente, a me dedicar à economia, para entender por que algo assim acontece e como resolver isso", disse o agora ex-ministro há alguns meses à AFP.

(Com AFP)

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