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O que é o 5G e por que precisamos ser mais objetivos sobre sua 'chegada'

Nova tecnologia exige investimentos consideráveis para ser acessível

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Luca Belli

Professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio

Ao ouvir anúncios e ler notícias das últimas semanas, parece que o 5G é um ser vivo capaz de "chegar" e se instalar em determinada localidade com propriedades reprodutivas autônomas e virais.

Porém o 5G não é um vírus pandêmico que "chega" e se reproduz autonomamente e maciçamente num país. Ao contrário, estamos falando de uma nova tecnologia que precisa de enormes investimentos para "chegar", ou seja, para ser implementada, e para "viralizar", ou seja, ser adotada em escala.

O 5G não é uma simples atualização de software. Existem custos consideráveis para que essa tecnologia se torne realidade e para que seus benefícios possam ser aproveitados. E existem custos ainda maiores para que tais benefícios sejam acessíveis e redistribuídos para a população na sua integridade, ao invés de deixá-los restritos a uma exígua minoria.

Dessa forma, para construir um debate construtivo, precisamos de menos marketing e anúncios bombásticos e de mais análises críticas sobre custos e impactos do 5G. Além disso, precisamos também deixar de considerar somente potenciais benefícios.

Logo do 5G em congresso em Barcelona, Espanha - Albert Gea - 1°.mar.2022/Reuters

Primeiramente: o que é o 5G?

Diferentemente das evoluções geracionais anteriores (especialmente 3G, 4G), o 5G não é direcionado simplesmente ao aperfeiçoamento do acesso à internet móvel, ou seja, para consumidores com seus smartphones.

O principal objetivo do 5G é facilitar a automatização: conectividade extremamente rápida e de alta confiabilidade e a gestão de milhões de objetos conectados no âmbito da chamada Internet das Coisas (IoT), permitindo que sensores e robôs dialoguem de maneira rápida e segura, alimentando inteligência artificial e, potencialmente, gerando enormes ganhos em produtividade.

Este novo mundo tecnológico vai viabilizar a internet industrial (fábricas conectadas), a agricultura conectada, as cidades inteligentes e as rodovias inteligentes com milhões de sensores e veículos autônomos, além de permitir aplicativos de realidade aumentada e realidade virtual para consumidores.

Porém, o 5G não "chega" de avião e não se propaga sozinho. Enormes investimentos são necessários e, claramente, tais investimentos serão direcionados e priorizados principalmente onde houver retorno. Ou seja, o 5G demorará muitos anos para ser adotável e adotado em escala para os consumidores.

O 5G tem custos muito elevados para além dos benefícios, e uma verdadeira conexão 5G —o chamado "5G puro" como se existisse um 5G que não seja puro— será inicialmente disponível em áreas geográficas, em setores econômicos e para segmentos de população muito limitados, não sem gerar externalidades negativas.

Quais os custos elevados do 5G?

Primeiramente custos infraestruturais. Para "chegar", o 5G precisa que uma alta densidade de estações 5G sejam instaladas e que tais estações sejam conectadas por uma rede de fibra. Estas estações ou células atuam basicamente como roteadores que devem ser extremamente perto do usuário para que haja acesso à rede 5G.

Ou seja, o leilão do espectro é somente uma etapa preliminar. Uma vez definido em quais faixas de espectro radioelétrico os sinais vão viajar, precisamos ainda da infraestrutura para transmitir tais sinais e dos aparelhos que os recebam. Neste sentido o planejamento oficial prevê que o 5G chegue em todas as cidades brasileiras –ou pelo menos nos bairros onde o investimento é mais rentável– "até 2029".

O segundo custo interessa diretamente o consumidor. Para usar 5G, precisamos ter aparelhos habilitados ao 5G, seja um smartphone de última geração, seja um headset de realidade virtual. Os valores de tais aparelhos não é particularmente popular.

Em seguida existe um outro custo para o consumidor que está totalmente ausente dos debates: os planos de internet móvel para usar 5G. Tais custos ainda não foram revelados para as operadoras. Porém é claro que os planos praticados até hoje pelas operadoras não se baseiam no tipo de tecnologia, mas por consumo de dados. Ou seja, você não paga planos 3G, 4G ou 5G, mas paga baseado em quantos dados consumir.

Então vamos tomar o famoso exemplo oferecido nas demais discussões sobre as incríveis qualidades do 5G: o consumidor vai poder baixar um vídeo de 20 GB em 20 segundos, enquanto com o 4G demoraria meia hora. Perfeito: atualmente, para qualquer operadora brasileira o custo do consumo de 20 GB é mais ou menos R$ 60. Ou seja, você baixou o vídeo em 20 segundos, mas você consumiu e pagou R$ 60, se o custo do GB não diminuir radicalmente.

É bom lembrar que hoje em dia um plano de 100 GB, que seria o mínimo com esse tipo de capacidade, custa cerca de R$ 400. Mais uma vez, não parece ser acessível para qualquer bolso. Talvez seja interessante frisar também que no Brasil mais de 30% da população ainda não está conectada e cerca de 80% das classes C, D e E usa planos pré-pagos com franquias de dados baixíssimas.

Além disso, para um debate informado é útil considerar também a diferença entre o ideal da performance tecnológica e a realidade. O 4G alcança velocidade de 100 MBps no laboratório, mas a velocidade média na conexão móvel brasileira é de menos que 20 MBps, ou seja cerca de 20% do potencial. Considerando o amplo leque de desafios, parece prudente pensar que, pelo menos "até 2029", a velocidade média do 5G não seja mais que 20% do máximo declarado.

O 5G está sendo planejado de maneira sustentável?

Um último custo social é totalmente omisso do debate sobre o 5G. A grande automatização que o 5G proporciona não tem somente vantagens produtivas. Cria também enormes custos: lembra da automatização da indústria, da agricultura e dos transportes? Esses são os setores nos quais, com certeza o 5G chegará primeiro porque é um facilitador de uma automatização extremante lucrativa.

Porém, alguém está explicando a situação ao operário da fábrica automatizada que será substituído por robôs conectados por 5G, ao trabalhador de fazenda que será substituído para tratores autônomos, e ao caminhoneiro que será substituído por um caminhão elétrico auto pilotado?

Na China e na Coreia do Sul, que são lideranças mundiais sobre 5G e automatização, esse processo está sendo estudado e uma mudança sistêmica, inclusive para preparar e reconverter a mão de obra está sendo planejada há anos. A China introduziu há três anos a programação como matéria obrigatória no ensino fundamental.

No atual contexto brasileiro, infelizmente, existem muitos anúncios, mas poucas estratégias. A única coisa que pode se afirmar sobre a chegada do 5G no Brasil, neste momento, é que, considerando o "planejamento" existente, o potencial disruptivo desta excelente tecnologia não vai gerar benefícios distribuídos universalmente, e pode até exacerbar as desigualdades digitais existentes.

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