Descrição de chapéu inflação

Preço da cerveja sobe, mas dói menos na mesa do bar

Indústria pratica com bares reajuste menor do que com supermercados; consumo de produto premium deve estacionar

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São Paulo

A escalada inflacionária que se disseminou por produtos e serviços no Brasil nos últimos meses atingiu um item sensível na cesta de consumo: a cerveja. O país é o terceiro maior consumidor mundial do produto, depois da China e dos Estados Unidos. Segundo dados da empresa de pesquisas Nielsen, obtidos pela Folha, o preço da bebida avançou 11,1% entre junho de 2021 e maio de 2022, período em que o consumo em volume cresceu 9,5%.

Na comparação com o ano anterior (junho de 2020 a maio de 2021), porém, houve alta de 11,2% no preço e queda de 8,2% no volume, o que demonstra uma freada no consumo por causa da inflação. O recuo ocorre em um momento de retomada do movimento em bares e restaurantes, com o avanço da vacinação contra a Covid-19 e o fim das restrições.

A conjuntura que envolve o aumento do preço dos insumos da cerveja (como cevada e malte, em razão da Guerra na Ucrânia), a alta do preço dos combustíveis (que encarece a logística), e a perda do poder de compra do brasileiro (cada vez mais pressionado pela inflação generalizada) levou a um pacto entre a indústria e os bares, principal canal de venda da bebida: o reajuste de preços para esses estabelecimentos deve ser menor que o reajuste praticado para os supermercados.

Homem grisalho, de camiseta escura, segura um copo de cerveja
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes): expectativa de novo aumento de preços entre agosto e outubro. - Karime Xavier / Folhapress

"Os preços vêm subindo paulatinamente por diferentes fatores nos últimos meses, e existe uma expectativa de novo aumento entre agosto e outubro", diz Paulo Solmucci Júnior, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). "Mas negociamos com os grandes fabricantes um repasse menor aos bares e restaurantes, que enfrentam um momento delicado, apenas 40% deles estão tendo lucro depois da pandemia", diz Solmucci. "Há um compromisso das indústrias nesse sentido."

O executivo destaca os dados mais recentes do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), referentes a maio, que apontam uma variação de 5,22% no preço da cerveja nos bares nos últimos 12 meses, e de 9,38% nos domicílios.

Procuradas pela reportagem para falar sobre novos aumentos de preço nos produtos, as três grandes fabricantes do país —Ambev, Heineken e o grupo Petrópolis (dono da Itaipava)— não quiseram dar entrevistas.

Mas reportagem do jornal americano The Wall Street Journal, publicada no dia 16 de junho, revela que a AB Inbev, dona da Ambev, percebeu estar atrasada em relação aos aumentos de custos em certos mercados, como Brasil e Estados Unidos, por causa da inflação acelerada desde o início do ano, apesar das atualizações regulares de preços. O jornal ouviu o principal executivo de finanças da AB Inbev, Fernando Tennenbaum.

"É um círculo vicioso: à medida que o preço sobe, as pessoas compram menos", diz Ciro Medeiros, gerente de atendimento de fabricantes de bebidas da Nielsen. "O auxílio emergencial, no primeiro ano da pandemia, ajudou o consumo, mas, com o aperto na renda das famílias, a tendência é que as vendas continuem em queda, com algum refresco no último bimestre, em razão da Copa do Mundo e das festas de fim de ano."

De acordo com Medeiros, diferentemente de outras categorias relacionadas, à "indulgência" do consumidor —fora da cesta básica, como biscoitos e chocolates—, em que é possível oferecer o mesmo produto em embalagens menores para conter a alta de preço, a venda de cerveja não funciona com esta estratégia.

"Em vez disso, a indústria prefere trabalhar com embalagens retornáveis, de vidro", diz o consultor. "É uma embalagem mais cara que a de alumínio, por exemplo, mas ela pode ser usada várias vezes."

Em nota, a Ambev, que concentra pouco mais de 60% do mercado de cervejas do país, informou que a aposta nos retornáveis é o seu foco neste momento, pela sustentabilidade e pela redução de preço ao consumidor. Essa é a principal embalagem comercializada nos bares e restaurantes.

De acordo com Solmucci, da Abrasel, cerca de 60% da receita dos bares vem da cerveja, enquanto nos restaurantes essa fatia é de 20%. "Os bares não conseguem repassar o aumento cheio ao consumidor, daí a importância desse tipo de acordo com a indústria", afirma.

Menos premium, mais cerveja de preço médio

Já do ponto de vista dos fabricantes, os bares e restaurantes responderam por 59% das vendas em volume no ano passado, segundo dados da empresa de pesquisas Euromonitor. Neste ano, a fatia desses estabelecimentos deve encolher dois pontos percentuais, para 57%, enquanto os supermercados vão ficar com 43% das vendas em volume, informa a empresa de pesquisas.

"A tendência é que mais gente procure a cerveja nos supermercados, um canal que oferece preços mais baixos que o bar", diz Rodrigo Mattos, analista da Euromonitor. Nesse sentido, a busca por uma cerveja premium, que compense a economia de trocar a mesa do bar pela sala de casa, deve sofrer impacto.

"Vamos ver um aumento da venda de cervejas mainstream, de preço médio", diz Mattos, destacando que este movimento deve ser visto principalmente neste ano nos supermercados. A venda de premium, por sua vez, tende a estacionar.

Os maiores bebedores mundiais de cerveja

Ranking dos países com maior consumo da bebida, segundo a Euromonitor

  1. China

  2. Estados Unidos

  3. Brasil

  4. México

  5. Alemanha

O analista Marcelo Monteiro, da Lafis Consultoria, concorda. "Vamos ver uma troca das marcas premium pelas tradicionais de preço médio", diz Monteiro. "Aquele consumidor que estava se acostumando a comprar as cervejas mais caras, para tomar em casa, tende a voltar para as mainstream", diz.

De acordo com Monteiro, apesar de as perspectivas para o mercado de trabalho serem melhores no segundo semestre, a renda não cresce por causa da inflação de dois dígitos. "Em razão da Copa e das festas de fim de ano, a queda no consumo pode desacelerar, de 8% para 4% ou 5%", afirma. "Mas os preços vão continuar subindo, em alta até maior, de 14%, porque não há fatores que barrem a atual escalada de preços."

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