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UE chega a acordo histórico para regular 'terra sem lei' das criptomoedas; entenda

Autoridades definem critérios destinados a proteger consumidores e aumentar transparência

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Scott Chipolina Huw Jones Tom Wilson
Londres | Financial Times e Reuters

A Europa chegou a um acordo histórico para regular o comércio de criptoativos no bloco, na tentativa de conter o que os legisladores chamam de "velho oeste" ou "oeste selvagem" dos mercados financeiros.

Os Estados membros da UE (União Europeia) e o Parlamento Europeu definiram na quinta-feira (30) os termos das regras que visam proteger consumidores, permitindo que esse mercado nascente floresça.

As regras, conhecidas como MICA (Regulamento de Mercados de Criptoativos), representam o primeiro esforço para impor padrões em todo o bloco, em vez de uma colcha de retalhos de regras nacionais.

Isso ocorre depois que uma grave queda nos preços de tokens como bitcoin e ether aplicou um golpe poderoso nas plataformas de empréstimos, exchanges e gestores de fundos. Desde novembro do ano passado, os tokens criptográficos populares caíram mais de 70% em valor e o tamanho do mercado caiu dois terços, para menos de US$ 1 trilhão (R$ 5,2 trilhões).

Representação das criptomoedas ripple, bitcoin, ethereum e litecoin - Dado Ruvic - 14.fev.2018/Reuters

"Acontecimentos recentes nesse setor em rápida evolução confirmam a necessidade urgente de uma regulamentação em toda a UE", disse Bruno Le Maire, ministro das Finanças da França.

Os critérios significam que um provedor de serviços de criptoativos precisará de autorização de um dos reguladores de mercados nacionais da UE, permitindo que ele exerça seus serviços pelo bloco todo. Os reguladores locais compartilharão informações com o regulador pan-europeu, Esma.

"Teremos um novo xerife de criptomoedas na UE", disse o eurodeputado espanhol Ernest Urtasun. A união está "passando do velho oeste de ativos digitais não regulamentados e arriscados para uma esfera criptográfica mais segura", acrescentou.

As empresas regulamentadas não apenas enfrentarão padrões mais rígidos para proteger os consumidores, como também serão responsabilizadas no caso de perderem fundos de investidores. A indústria –que muitas vezes é criticada por sua considerável pegada de carbono– também precisa divulgar informações sobre seu impacto ambiental.

Os emissores de stablecoin serão obrigados a ter presença na UE e ter uma "reserva suficientemente líquida". Eles serão supervisionados pela Autoridade Bancária Europeia. Uma stablecoin é um tipo de criptomoeda atrelada a ativos como o dólar americano, que atua como ponte entre os mercados financeiros existentes e o mundo das criptomoedas.

NFTs, tokens não fungíveis e digitais que representam obras únicas, como as de arte, foram excluídos das regras, a menos que se enquadrem nas categorias existentes de criptoativos. A Comissão Europeia irá reavaliar as propostas nos próximos 18 meses.

"Isso trará segurança regulatória, reduzirá a fragmentação e sustentará o desenvolvimento de um mercado robusto e em bom funcionamento", disse James Kemp, diretor administrativo da AFME, grupo de lobby para bancos de investimento. No entanto, ele acrescentou que os legisladores precisam esclarecer alguns pontos, como os requisitos legais para custodiantes de criptoativos.

O regulamento histórico ocorre um dia depois que as autoridades concordaram com o ToFR (Regulamento de Transferência de Fundos), que impõe padrões de conformidade renovados aos criptoativos para reprimir os riscos de lavagem de dinheiro no setor.

Valeria Cusseddu, conselheira de políticas do comitê de assuntos econômicos e monetários do Parlamento Europeu, disse que, sob o ToFR, as empresas de criptomoedas também "teriam que adotar políticas e procedimentos internos para cumprir as sanções financeiras direcionadas".

"A esfera criptográfica está cheia de riscos e aberta a abusos e ataques. Queremos garantir que os investidores tenham garantias de proteção para seus ativos e privacidade e nós evitemos casos como o recente crash das criptomoedas em que investidores de varejo perderam todo o seu dinheiro por causa de produtos mal projetados ou golpes", acrescentou Urtasun.

Entenda os principais pontos do acordo da UE sobre criptomoedas

QUAIS SÃO AS NOVAS REGRAS?

As empresas de criptografia que desejarem emitir e vender tokens digitais em um país da UE terão que obter uma licença de um regulador nacional.

A licença permitirá que as operadoras atendam todo o bloco de 27 países a partir de uma base e sejam responsabilizadas pela perda de criptoativos das carteiras digitais dos consumidores.

Atualmente, as empresas mostram a um regulador nacional da UE que têm controles adequados para impedir a lavagem de dinheiro, mas só podem operar dentro de cada país.

Os órgãos de vigilância nacionais devem atualizar o órgão de vigilância de valores mobiliários da UE, Esma, sobre os grandes operadores que autorizarem, que é quase o que foi pedido por legisladores –um órgão de vigilância europeu para o setor.

AS REGRAS JÁ ESTÃO EM VIGOR?

Ainda não. O acordo precisa de um carimbo formal dos países da UE e do Parlamento Europeu antes de entrar em vigor –provavelmente em 2023, no mínimo.

As regras se aplicarão a alguns tokens, como stablecoins –criptomoedas atreladas a moedas tradicionais ou commodities que visam manter um valor estável–, 12 meses depois que a lei entrar em vigor. Para outros tokens, as regras serão aplicadas 18 meses após a data de início.

As empresas de criptografia que já cumprem os controles antilavagem de dinheiro também terão 18 meses para obter licenças sob a nova lei, sem interromper o serviço.

AS STABLECOINS SÃO UM GRANDE PROBLEMA?

Com certeza. O colapso em maio da stablecoin terraUSD desencadeou uma forte liquidação nos mercados de criptomoedas e preocupou os reguladores.

As regras da UE darão aos detentores de stablecoins o direito de reivindicar a devolução de seu dinheiro gratuitamente. Os emissores dos tokens terão que manter níveis mínimos de liquidez e serão supervisionados pela Autoridade Bancária Europeia.

As empresas de criptografia devem ter um escritório registrado no bloco para emitir stablecoins, e moedas baseadas em moedas não europeias serão restritas, para preservar a "soberania monetária".

Autoridades da indústria de criptomoedas dizem que será mais difícil ganhar dinheiro com essas regras.

E NFTs?

É complicado. Os legisladores queriam NFTs sob as novas regras, mas os países da UE se opuseram.

Isso levou a um acordo em que os NFTs não são incluídos, mas se eles se tornarem fungíveis –mutuamente substituíveis– os reguladores poderão forçá-los a cumprir as regras de criptografia. Se eles agirem como títulos tradicionais, as rigorosas regras de mercado da MiFID da UE poderão entrar em vigor.

A Comissão Europeia avaliará dentro de 18 meses se há necessidade de regras autônomas para NFTs.

A CRIPTO E A MUDANÇA CLIMÁTICA

O uso de energia do bitcoin é uma grande preocupação para os legisladores.

As empresas de criptografia terão que divulgar seu impacto no meio ambiente e na mudança climática, usando padrões que o órgão de fiscalização de valores mobiliários da Esma vai elaborar.

A Comissão Europeia avaliará dentro de dois anos o impacto ambiental dos criptoativos e introduzirá regras obrigatórias de sustentabilidade, inclusive no sistema de "prova de trabalho", de uso intensivo de energia, usado para mineração de criptomoedas como o bitcoin.

O QUE OUTROS PAÍSES ESTÃO FAZENDO?

O Japão abriu caminho entre as principais economias ao introduzir uma lei de criptomoedas em 2017, forçando as exchanges a se registrarem em seu órgão de fiscalização financeira. Outros foram mais lentos.

Nos Estados Unidos, não há uma estrutura federal em vigor, embora os estados individuais tenham regras específicas para criptomoedas. Os senadores divulgaram este mês um projeto de lei para estabelecer novas regras e entregar a maior parte da supervisão aos reguladores de commodities, embora não esteja claro quando as regras serão aprovadas.

O Reino Unido disse em abril que vai adotar regras sobre stablecoins, deixando a maioria das criptomoedas e empresas relacionadas sujeitas apenas a regulamentações variáveis.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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