Bancos querem o fim do desmatamento, mas monitoram pouco

Análise para concessão de crédito fica refém listas de embargo e restrições legais, que podem estar defasadas

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São Paulo

Em julho de 2020, os três maiores bancos privados do Brasil lançaram o Plano Amazônia, iniciativa que pretende conter o desmatamento no bioma e contribuir com o desenvolvimento sustentável da região. A inédita união entre Santander, Itaú e Bradesco ilustra como a agenda verde vem ganhando tração no setor financeiro —pelo menos no discurso.

É que, embora a defesa das florestas seja unanimidade entre os bancos, o monitoramento da própria carteira de clientes ainda possui fragilidades. A análise costuma ser baseada em listas de embargo públicas e restrições legais, que podem estar defasadas.

Um levantamento feito pelo MapBiomas mostrou que, desde o início do governo Jair Bolsonaro (PL), menos de 3% dos alertas de desmatamento foram fiscalizados. Além disso, apenas 5% da área derrubada entre 2019 e 2020 sofreu multas ou embargos pelo Ibama.

Com índices de penalização tão baixos, depender da atuação dos órgãos de controle não garante que os bancos estejam livres do problema —especialmente num momento em que o governo é criticado por promover um desmonte das entidades ambientais.

Vista de áreas queimadas da floresta amazônica, perto de Boca do Acre, no Amazonas - Lula Sampaio/AFP

Atualmente, as instituições financeiras precisam cumprir alguns requisitos legais na hora de conceder crédito a produtores rurais e empresas do agro. O Banco Central, por exemplo, tem resoluções que criam impedimentos para pessoas com irregularidades ambientais e empreendimentos que sobreponham terras indígenas, unidades de conservação ou comunidades quilombolas.

No âmbito da Febraban, uma autorregulação diz que os bancos não podem conceder crédito em áreas embargadas por desmatamento, independentemente do bioma.

No entanto, o setor parece não avançar muito além dessas exigências de compliance.

Entre os grandes bancos privados, o Santander é um dos únicos a fazer o monitoramento em tempo real. Desde março deste ano, uma ferramenta que usa dados de satélite do MapBiomas emite alertas sempre que um indício de desmatamento é notificado. Se o cliente não comprovar que teve autorização, deve fazer o ressarcimento dos valores ao banco.

Segundo Carolina Learth, líder de sustentabilidade do Santander, o banco já acompanhava o desmatamento por meio das áreas embargadas. "Mas essa é uma informação estática, que tem problemas. Há atraso para entrar na lista, para sair…", diz. "Estamos dando um salto importante na forma como monitoramos", acrescenta.

A Folha procurou outros bancos com forte presença no agronegócio para explicar como fazem o controle do desmatamento em suas carteiras. O Bradesco, banco privado com maior penetração no setor, se recusou a responder aos pedidos da reportagem.

O Itaú enviou uma nota dizendo contratar ferramentas de georreferenciamento que cruzam as coordenadas das propriedades rurais com os dados de embargo do Ibama.

Já o Banco do Brasil, líder absoluto no agronegócio, explicou via assessoria que também consulta áreas embargadas, autuações e sobreposições de forma automatizada. "Havendo necessidade, o banco utiliza-se de imagens de satélite para assegurar-se da regularidade da operação financiada", disse.

De acordo com Amaury Oliva, diretor da Febraban, existe um arcabouço regulatório para coibir o financiamento com risco de desmatamento. As instituições, ele diz, já observam o CAR (Cadastro Ambiental Rural), as licenças e os documentos que comprovam regularidade ambiental.

"Há o dever de diligência, mas o poder de polícia e de investigação cabe ao Estado, não às instituições financeiras", afirma.

Na visão do diretor, as listas são públicas e, se alguma pessoa não foi incluída, não há restrições. "Por isso é importante a acuidade dos bancos de dados, para que exista segurança quanto à concessão de crédito."

As obrigações, contudo, são anteriores à prestação do serviço bancário. Caso haja alguma infração ou embargo após o início da operação, a Febraban diz que cabe ao cliente informar sobre o ocorrido —embora alguns bancos façam esse acompanhamento por conta própria.

Para Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, os bancos em geral estão muito distantes do que poderia ser feito. Tirando algumas exceções, como o Rabobank —que considera até mesmo o desmatamento legal como um impeditivo— o setor está atrasado.

"Os bancos começaram a entrar nessa agenda pelo olhar de não ter ilegalidade, e da regulamentação que o BC está começando a apertar. Mas eles poderiam avançar muito mais com a informação disponível hoje. Aliás, informação gratuita", afirma.

Segundo ele, atualmente não adianta basear a política de desmatamento apenas nas listas do Ibama, já que, de 2019 para cá, a quantidade de áreas com restrição diminuiu muito.

"O processo para fazer as fiscalizações e embargos foi completamente burocratizado. Cortaram recursos, cortaram pessoal, de forma que não avança na prática."

Procurado para comentar, o Ibama não respondeu ao pedido da reportagem.

Azevedo ainda ressalta que as instituições financeiras podem muito bem estar financiando empreendimentos que tiveram desmatamento com indícios de ilegalidade, mas que simplesmente não foram penalizados ainda.

Nesse sentido, ele diz que existem dois comportamentos possíveis. Um é o passivo, ou seja, lavar as mãos sem a existência de autuação ou embargo. O outro é monitorar e buscar entender quando há indícios de ilegalidade, pedindo que o proprietário se explique.

Compromisso verde dos bancos é baixo

No Brasil, o Guia dos Bancos Responsáveis avalia o comprometimento socioambiental dos oito maiores bancos do país. A iniciativa é tocada por uma equipe do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e integra o Fair Finance International, rede global para fortalecer os padrões ESG (ambiental, social e de governança) no setor.

Segundo Fábio Pasin, pesquisador do Programa de Serviços Financeiros do Idec, o nível dos compromissos assumidos pelos grandes bancos brasileiros ainda é muito tímido.

Sobre o desmatamento, ele argumenta que há uma dependência das listas de embargo e concorda com Azevedo acerca da necessidade de uma abordagem mais proativa.

"Carece desse tipo de atuação. Não só em relação ao cliente direto, mas de toda a cadeia produtiva que aquele financiamento ou investimento vai envolver", diz.

Apesar de o lucro dos grandes bancos ter alcançado R$ 81,6 bilhões em 2021, Pasin relata que a justificativa geralmente recai na "limitação de recursos". "[Dizem que] encareceria o crédito e inviabilizaria uma grande quantidade de fomentos para atividades importantes para a economia do Brasil."

O pesquisador, porém, ressalta que já existem dados públicos para fazer esse acompanhamento. "Mas não há vontade e ainda não existe uma obrigatoriedade pelo órgão regulador para que as instituições financeiras cheguem a esse grau de responsabilidade."

É o que também pensa Sérgio Leitão, fundador e diretor executivo do Instituto Escolhas. Ele lembra que, no fim de 2021, o Banco Central lançou uma série de medidas para incentivar as finanças sustentáveis, mas que não teriam sido suficientes para lidar com o problema.

Na visão dele, as instituições financeiras sabem exatamente o que precisam fazer para controlar o desmatamento, basta colocar em prática.

"Um banco hoje é, essencialmente, uma empresa de tecnologia, porque é aí que se faz a competição e os ganhos de escala", diz. "Enquanto isso, vemos eles fazerem, na parte de desmatamento, um controle que é de papel, sem cruzamento de informação", acrescenta.

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