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Carta pró-democracia não se resume a golpe, eleição e curto prazo, diz ex-presidente do BNDES

Maria Silvia Bastos Marques afirma ter preocupação com interesse de jovens pelo Brasil

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São Paulo

Ex-presidente de instituições como BNDES, Goldman Sachs Brasil e CSN, Maria Silvia Bastos Marques considera simplismo reduzir o momento pelo qual o Brasil está passando a risco de golpe, eleições e impactos de curto prazo.

"Nós estamos falando de futuro. Estou falando de os meus filhos de 25 anos serem felizes neste país", afirma em entrevista à Folha.

Ela diz que vê com receio o desinteresse dos jovens pelo Brasil e que, ao assinar manifestos pró-democracia, ela está pensando nas gerações futuras. "Me preocupa muito um país em que a juventude tem vontade de morar em outros países, em que a gente não tem motivos para se orgulhar. A autoestima do brasileiro anda baixa", afirma.

Além da carta a ser lida na Faculdade de Direito da USP nesta quinta (11), ela assinou manifesto elaborado em agosto de 2021 também em defesa das eleições, em resposta a outras ameaças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) às urnas na época.

A economista Maria Silvia Bastos Marques em reunião no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino - 12.mai.2017/Reuters


O que motivou a sua assinatura? Exatamente o que o manifesto coloca: a nossa preocupação conjunta, independentemente de partido. Ali tem representantes de todo tipo da sociedade civil. É a nossa preocupação com o país, com o momento que a gente está vivendo, com a fragilização das instituições, o ataque constante a elas. Enfim, é a preocupação de que a democracia seja um pilar de constituição da nossa sociedade.

A gente não acredita que seja possível ter um país bem-sucedido que não seja alicerçado em instituições fortes e em um pilar democrático.

Não é a sua primeira assinatura em um manifesto do tipo. Qual foi o estopim para a sua percepção de que isso seria necessário? O Brasil já vem de uma situação instável há algum tempo. Desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a gente vem vivendo momentos complexos.

Eu trabalhei mais da metade da minha carreira no setor público. Sou uma pessoa que tem raízes no Brasil, quero ficar no Brasil e ficarei aqui. Estou sempre engajada e preocupada, principalmente com os jovens e as futuras gerações. Tenho dois filhos de 25 anos e me preocupa muito um país em que a juventude tem vontade de morar em outros países, em que a gente não tem motivos para se orgulhar. A autoestima do brasileiro anda baixa.

Principalmente, a gente vê a renda per capita estagnada ou caindo nos últimos anos. A produtividade do país decrescendo. Um crescimento pífio, instável.

Mais recentemente, a gente assiste a todos esses questionamentos sobre urnas eletrônicas, a questão do Judiciário, um processo muito conturbado do ponto de vista público e entre as instituições. Nada disso favorece o país que nós precisamos, que é um país que tenha regras e um ambiente estável, que seja atrativo para investimentos, que priorize a educação, a igualdade de oportunidades, que tenha crescimento sustentável para incluir as pessoas.

As assinaturas têm nomes importantes do empresariado, mas há muitos outros que não assinam. Qual é a sua avaliação sobre o posicionamento do setor privado? Consenso é uma coisa difícil de se obter, mas eu vejo o que está acontecendo como extremamente positivo. Eu nunca acreditei na mudança vindo de maneira autônoma. Em todas as mudanças é assim.

Para te dar um exemplo, a minha grande bandeira quando eu entrei no BNDES foi o programa de saneamento, que começou ali. O presidente Michel Temer comprou essa ideia e incluiu no PPI [Programa de Parceria de Investimentos]. Eu saí do BNDES, o programa continuou, foi abraçado pela sociedade. A discussão do saneamento aconteceu, as pessoas entendem hoje a importância disso.

As mudanças são movidas por demandas da sociedade e eu sempre acreditei no engajamento. Não vejo outra forma de mudar as coisas. Não vai mudar porque um governo decide mudar. Vai mudar porque a sociedade quer essa mudança. Se ela não está preparada, essa mudança não vai acontecer.

A participação clara, transparente, da sociedade civil é um fenômeno recente no Brasil, que me anima muito. Vou dar um exemplo: o Renova, que é um movimento do setor privado que vem preparando liderança jovem para renovar a política no Brasil. Isso é transformador. É uma coisa que impulsiona a mudança. Não me recordo de assistir empresários claramente demonstrando sua insatisfação assim, sua preocupação, e não só empresários, líderes da sociedade civil, pessoas formadoras de opinião.

Nós não podemos nos omitir no momento em que a gente sente e acredita que o nosso país pode estar em risco devido às razões que já mencionei.


O empresariado é pragmático. O que, na sua opinião, pode ter motivado as assinaturas? Tem a convicção. Eu acho que essas pessoas têm os seus princípios e estão defendendo-os, são empresários comprometidos com o país. Se não fossem, eles simplesmente pegariam seus negócios, mudariam a sede e iriam para outro lugar.

O pragmatismo, nesse sentido, é extremamente positivo. São empresários que têm negócios no país, querem permanecer aqui, apostam no Brasil. E, principalmente, eles têm visão de longo prazo. Acho que isso é outro mal que nós temos no país, estamos sempre pensando no hoje. Em muitos casos, pensar no hoje pode estar destruindo o amanhã.

Eu avalio como extremamente novo, positivo, transformador esse engajamento de empresários, sociedade civil, seja de que área for, juristas, professores. É entenderem que o futuro do país pode estar em risco. E esse futuro do país engloba todos nós.

Como avalia a percepção do mercado em relação a um eventual risco de golpe? Golpe é um nome muito latinoamericano. Eu também não vejo como 'mercado'. Esse termo sempre vem de uma forma depreciativa. Nós estamos falando de um ambiente de negócios. Mercado soa curto prazo. Estamos falando aqui de futuro de país.

Vou lembrar que, há pouco mais de um ano, nos Estados Unidos, houve uma invasão ao Capitólio. Você chamaria aquilo de tentativa de golpe? Um país que tem uma enorme tradição democrática sofreu um ataque à democracia daquela forma.

Então, sim, eu acho que nós aqui estamos preocupados. Eu não gosto da palavra [golpe], mas que possa acontecer tumultos, questões que tumultuem ainda mais o país em um momento em que ele precisa muito retomar crescimento, gerar emprego, atrair investimento.

Acho que é simplismo reduzir [a questão das cartas pró-democracia] a se estão com medo de um golpe. Não. Nós estamos vendo as instituições constantemente sendo desafiadas. Isso, certamente, não é positivo.

Sejam empresários brasileiros ou estrangeiros, que têm um mínimo de comprometimento com o país no sentido de fazer investimentos, gerar empregos, se sentem, obviamente, pouco atraídos. Há alternativa no mundo.

Por outro lado, o Brasil pode ter protagonismo em tantas questões. Talvez a gente esteja perdendo essas oportunidades, na questão alimentar, nas mudanças climáticas, na transição energética. Eu não queria resumir isso a uma coisa de golpe, de curto prazo, eleição de hoje. Nós estamos falando de futuro. Estou falando de os meus filhos de 25 anos serem felizes neste país. ​


Raio-X | Maria Silvia Bastos Marques, 65

Doutora em economia pela FGV, foi presidente do BNDES durante o mandato de Michel Temer (MDB). Ocupou ainda presidências de empresas como Goldman Sachs Brasil, CSN e Icatu Seguros, além de cadeiras em conselhos como Petrobras, Vale e outras.

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