Economia estuda nova regra que flexibiliza teto de gastos

Técnicos desenham mecanismo que permite acelerar despesas perante queda do endividamento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O corpo técnico do Ministério da Economia elabora o desenho de uma nova regra para as contas públicas que torna flexível o teto de gastos (que impede as despesas federais de crescerem acima da inflação). A medida promove uma mudança estrutural na norma constitucional, criada em 2016.

Participantes das discussões relatam à Folha que a proposta deve ser concluída ainda neste mês para ser entregue ao ministro Paulo Guedes (Economia). Depois, deve ser debatida em conjunto também com economistas de fora do governo.

Vista da fachada do Ministério da Economia, em Brasília. - 29.03.2022-Andre Ribeiro/Futura Press/Folhapress

A nova regra permite que as despesas federais cresçam acima da inflação se o endividamento federal estiver abaixo de determinado patamar. Atualmente, o teto impede o avanço dos gastos acima do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Em vez de a limitação do teto ser o índice de inflação, um alívio na situação do endividamento permitiria uma expansão correspondente ao IPCA acrescido de um percentual. O percentual "extra" ainda não foi fechado, mas a ideia seria não ultrapassar o crescimento potencial do PIB (Produto Interno Bruto) de longo prazo —visto como algo entre 2% e 2,5%.

Os técnicos veem como um dos objetivos da regra aproximar o Brasil do nível de endividamento de outros países emergentes –patamar que estaria em torno de 60% do PIB.

De acordo com o mecanismo estudado, caso o endividamento volte a aumentar e ultrapasse determinado nível, o crescimento real da despesa ficaria mais limitado. Caso o cenário fiscal continue se deteriorando e o endividamento também, as despesas voltariam a ser limitadas ao IPCA (na prática, o teto tradicional voltaria a valer).

O tema deverá ser discutido com mais profundidade após as eleições, independentemente de quem ganhar a disputa pelo Palácio do Planalto. A mudança é defendida internamente como uma política de Estado –e não de governo.

Um dos principais desafios neste momento é reunir consenso sobre qual indicador de endividamento será usado como gatilho para o mecanismo, já que a contabilidade pública permite o uso de diversas metodologias para aferir a situação.

Um referencial usado por técnicos é que a dívida bruta brasileira não pode ficar acima de 80% do PIB (Produto Interno Bruto) –já que, a partir desse ponto, as taxas de juros cobradas do Tesouro Nacional por investidores começam a ficar muito altas, deteriorando o quadro econômico e dificultando a eficiência das diferentes políticas públicas. Portanto, uma flexibilização só seria possível abaixo desse patamar.

Um endividamento menor do que esse já é observado nos números, o que facilita o acionamento da regra no curto prazo. A dívida bruta de governo federal, estados e municípios está atualmente em 78,2% do PIB (também a projeção oficial para o fim do ano).

O indicador atingiu um patamar recorde no auge da crise econômica da Covid-19, quando representou 88,6% do PIB e gerou projeções explosivas para o endividamento futuro, mas caiu posteriormente com a retomada da atividade e do PIB.

Usando como referencial a média da dívida dos emergentes, um crescimento real das despesas seria permitido quando o endividamento estivesse entre 60% e 80%, por exemplo.

Os técnicos ressaltam que os números usados e os parâmetros não são definitivos e podem ser alterados no decorrer do debate pelo governo e pelo Congresso.

As discussões sobre a nova âncora fiscal visam regulamentar a emenda constitucional 109, promulgada em março de 2021 e resultado das discussões da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial. O texto exige uma lei complementar sobre a sustentabilidade da dívida, especificando indicadores de apuração, medidas de ajuste e até planejamento de alienação de ativos para sua redução.

Mas, como essa implementação exigirá mudanças na regra do teto (que está na Constituição), as discussões devem demandar uma PEC.

O novo mecanismo permitirá uma liberação extra de recursos enquanto as contas públicas estiverem em nível mais confortável e sem gerar ameaça à dívida pública. A medida geraria um impacto positivo para a avaliação feita por agências de classificação de risco, mas os técnicos dizem que beneficiaria sobretudo o ambiente econômico brasileiro ao tornar mais eficientes as políticas fiscal e monetária.

A emenda constitucional do teto de gastos completou cinco anos no encerramento de 2021 passando pelo momento mais crítico desde sua criação, após diferentes brechas e mudanças capitaneadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e em meio às contestações de postulantes à Presidência.

Considerada por investidores a mais importante referência para guiar expectativas sobre as contas públicas no país durante a maior parte dos últimos anos, a norma foi significativamente alterada por meio da PEC dos Precatórios em 2021.

Os argumentos pró-mudança variam e incluem desde a visão de que os investimentos públicos estão estrangulados até a análise de que a regra atual não desperta mais confiança entre investidores.

As críticas vêm também de Guedes, cujos princípios liberais em tese combinam com uma regra que limita o tamanho do Estado. "Há conceitos que estão equivocados, mas se falar que vai mexer no teto, pronto. Acaba criando instabilidade e o dólar sobe", afirmou no fim do ano passado.

Primeiro colocado nas pesquisas para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já defendeu publicamente a derrubada do teto. "Não haverá teto de gastos no meu governo. Não que eu vá ser irresponsável, gastar para endividar o futuro da nação. Vai ter que gastar no que é necessário’, afirmou.

Seus assessores, no entanto, defendem uma regra nova –não a simples eliminação do teto.

Bolsonaro manifestou o desejo de rever a regra de limitação de despesas. "No ano passado, nós tivemos um excesso de arrecadação, arrecadação a mais, na casa dos R$ 300 bilhões. Você não pode usar um centavo disso na infraestrutura dada a emenda constitucional do teto lá atrás. Isso daí muita gente discute que tem que ser alterado alguma coisa. A gente vai deixar para o futuro, [para] depois das eleições discutir essa questão", disse ele em entrevista a uma rádio em abril.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.