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A arma energética da Rússia está perdendo a força

Putin explorou dependência de gás natural da Europa para enfraquecer apoio a Kiev, mas isto não ocorreu

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, usou seu controle sobre uma grande fatia do suprimento mundial de energia para infligir sofrimento econômico ao Ocidente, como parte de sua estratégia na Guerra da Ucrânia. Isso levou a Europa, que talvez veja nova alta nos preços do petróleo nos próximos meses, a um precipício preocupante, nos meses que antecedem a chegada do inverno.

Mas a adoção da arma energética por Putin parece envolver um custo cada vez significativo para a Rússia; o país colocou seu setor de energia em uma trajetória perigosa.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em reunião em Moscou - Gavriil Grigorov/AFP

Detonando o comércio de gás natural com a Europa

Putin explorou a dependência da Europa quanto ao gás natural russo para tornar mais caro o apoio do Ocidente à Ucrânia. Ele esperava que isso enfraquecesse e fraturasse a ajuda ocidental a Kiev. Até agora, essa esperança não se realizou.

Em lugar disso, a Europa correu para reorganizar seu mix de abastecimento de energia, de uma forma que deve ser profundamente preocupante para o Kremlin.

Os fornecedores de gás natural liquefeito nos Estados Unidos e em outros lugares estão se saindo bem, com novos contratos de abastecimento. O mesmo se aplica aos desenvolvedores de energias renováveis, pois a campanha do continente pela energia verde agora também passa a ser uma defesa da segurança energética. Os fornecedores de carvão também estão se beneficiando, pelo menos por enquanto.

A Europa vai enfrentar um –ou mais provavelmente alguns– inverno(s) difícil(eis), sem o gás natural russo. Mas uma nova combinação de fontes de energia pós-Rússia está entrando em foco.

Putin, de sua parte, detonou o comércio de gás natural com a Europa, que sempre foi lucrativo, sem um plano claro para compensar a perda.

Acelerar a virada da Rússia para a China é a melhor opção de Putin. Mas não é provável que isso aconteça de uma forma que possa compensar as perdas que o país sofrerá na Europa; e o esforço terá preço elevado, pois seriam necessários bilhões em investimento em infraestrutura para conectar os campos de gás natural russos à China.

Além dessas dificuldades práticas, também é provável que haja limites para o apetite da China por mais energia russa. Um dos princípios básicos da política energética chinesa durante as últimas duas décadas vem sendo a diversificação do abastecimento. Pequim verá a dor que a Europa está sofrendo hoje não apenas como uma oportunidade de obter recursos a preço baixo, mas também como um alerta contra a dependência excessiva.

Horizontes estreitos para o petróleo russo

O petróleo é uma mercadoria muito mais flexível do que o gás natural, e as cartas de Putin provavelmente são mais fortes, nessa área. Mas mesmo assim há muitos sinais de alerta.

Por exemplo, Moscou está sendo forçada a vender seu petróleo cru com fortes descontos, mesmo a países aliados. A dor econômica que esses descontos causam vem sendo compensada pelos preços altos, durante boa parte deste ano, o que conduz muitos petrodólares para os cofres do Kremlin. Mas os descontos doerão muito mais quando os preços caírem.

Moscou também está passando a depender de um grupo menor de clientes, o que enfraquece seu poder de barganha. A Índia e a China estão ajudando o país a manter um fluxo de petróleo muito maior do que as autoridades e analistas ocidentais previam, há alguns meses. No entanto, esses países agora têm mais poder para continuar a extrair condições favoráveis de Moscou.

O teto para os preços do petróleo que o Ocidente ameaçou impor tem sido fortemente criticado, e parece muito improvável que China e Índia concordem com o plano. Mas mesmo que não o aceitem, os dois países provavelmente usarão esse fator como alavanca em suas negociações com Moscou para obter descontos fortes. Para os EUA e a Europa, isso pode até ser um resultado preferível a uma grande interrupção no fornecimento, que enviaria os preços do petróleo cru a uma nova disparada.

Perspectivas sombrias para a produção de petróleo e gás natural

As sanções impostas até agora não causarão um colapso iminente no abastecimento russo, mas as perspectivas de longo prazo são muito menos brilhantes do que eram há um ano.

A visão positiva quanto à oferta russa é que o país vem sofrendo sanções ocidentais há anos e a produção tem aguentado perfeitamente bem, apesar do que dizem os céticos.

Mas o êxodo das grandes empresas petroleiras e de serviços petroleiros ocidentais que atuam na Rússia, por conta da guerra, tem dimensões completamente diferentes das registradas em rodadas de sanções anteriores, que já tinham imposto restrições bastante severas aos operadores ocidentais no país.

A briga do Kremlin com a ExxonMobil pelo futuro do Sakhalin-1, um projeto altamente complexo no extremo leste da Rússia, é um exemplo das dificuldades que o futuro da energia russa pode enfrentar.

Analistas e fontes do setor dizem que o Kremlin está tentando forçar a Exxon a continuar operando o Sakhalin-1, em grande parte porque as empresas russas não têm capacidade técnica para operar o campo. A produção do campo petroleiro caiu de 220 mil para 10 mil barris diários.

A crise energética deste ano mostra que as gigantescas reservas de energia da Rússia dão muita munição ao país para infligir dor econômica ao Ocidente. Mas a reação a isso também será dolorosa para Moscou.

Novos dados

Nesta quarta (14), a União Europeia votará sobre o futuro da indústria de pellets de madeira. Os membros do Parlamento Europeu decidirão se devem adotar revisões em sua Diretiva de Energia Renovável, entre as quais uma cláusula que propõe excluir a queima de árvores inteiras como fonte de energia renovável.

A diretiva foi estabelecida em 2009 para impulsionar o consumo de energia limpa pelo bloco, e estabeleceu metas e subsídios. A queima de biomassa como a madeira foi classificada como energia renovável, com base na ideia de que seria possível regenerar as florestas.

O setor vem sofrendo ataques nos últimos anos pois cientistas advertiram que a queima de pellets de madeira emite mais carbono do que a queima de carvão, e não há como as florestas voltarem a crescer em ritmo semelhante ao de seu esgotamento atual. No ano passado, mais de 500 cientistas escreveram uma carta aos líderes dos Estados Unidos, União Europeia, Coreia do Sul e Japão, pedindo que a queima de madeira seja excluída da definição de energia renovável.

"A diretiva de energia renovável da União Europeia deveria se aplicar somente a formas reais de energia renovável –e as florestas não são renováveis", escreveram Greta Thunberg e outros oito ativistas do clima em um artigo de opinião publicado na semana passada pelo jornal The Guardian.

Desde a adoção da diretiva, o consumo de pellets de madeira da União Europeia aumentou, para um recorde de 23,1 milhões de toneladas no ano passado, um crescimento de cerca de 50% de 2014 para cá, e responde por uma fatia de 55% do mercado mundial. A demanda tem repercussões significativas para os Estados Unidos, que se tornaram a maior fonte de suprimento do produto para a Europa.

A votação da União Europeia vem em um momento no qual Bruxelas enfrenta uma crise energética provocada pela invasão russa à Ucrânia. A associação setorial Bioenergy Europe advertiu que, se adotada, a revisão na diretiva reduzirá em 20% o fornecimento de energia renovável da Europa, o que equivale a 4% do consumo total de energia da região.

Justin Jacobs

Correspondente do Financial Times em Houston

Amanda Chu

Jornalista de dados no Financial Times

Derek Brower

Editor de energia dos EUA no Financial Times

Myles McCormick

Correspondente do Financial Times sobre energia dos EUA

Tradução de Paulo Migliacci

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