Leilão de térmicas jabutis fracassa no Nordeste

Certame, que exige usinas a gás, não negocia nem metade da energia ofertada; Eneva é destaque no Norte

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília e São Paulo

A Eneva foi o destaque no leilão de térmicas a gás, na modalidade de reserva de capacidade, que ocorreu nesta sexta-feira (30). O certame, que atende a exigência de contratação de usinas a gás prevista na lei de privatização da Eletrobras, não conseguiu negociar nem metade da energia ofertada.

No total, foram fechados 754 MW (megawatts) para região Norte, 75% da oferta. Não foram feitos lances para a região Nordeste.

Vista da usina térmica a gás Jaguatirica 2, localizada na área rural de Boa Vista, capital de Roraima; abastecimento é feito por caminhões, a partir do campo de Azulão (AM) - Lalo de Almeida/Folhapress

Prevaleceu o preço teto de R$ 444 por MWh (megawatt-hora), sem deságio. Os investimentos previstos somam R$ 4,1 bilhões.

A Eneva saiu vencedora com as usinas Azulão 2 e 4, que vão cobrir a oferta de pouco mais da metade da energia contratada para o Norte, 590,9 MW.

A GPE (Global Participação em Energia) fez uma oferta menor, de 162,9 MW, com a termelétrica Manaus 1. A empresa atua no setor de energia desde 2001 e já desenvolveu projetos de geração com a Petrobras.

Foram oferecidos no leilão um total de 2 GW (gigawatts) de termelétricas a gás, sendo 1 GW em áreas metropolitanas da região Norte, com entrega a partir de dezembro de 2026, e outro 1 GW de projetos no Nordeste, 700 MW no Piauí e 300 MW no Maranhão, que devem estar gerando energia a partir de dezembro de 2027. Os contratos são de 15 anos.

Os 2 GW do certame desta sexta fazem parte de um total de 8 GW em projetos a gás que precisam ser instalados. A exigência foi inserida pelos parlamentares na MP (medida provisória) de privatização da Eletrobras durante a tramitação do texto. Como não tem nenhuma relação com a desestatização, o projeto de expansão de térmicas a gás ficou conhecido como jabuti da Eletrobras.

A ausência de lances no Nordeste trouxe alívio para o mercado. A leitura é que prevaleceu a análise técnica sobre o interesse político.

Projetos no Maranhão até eram considerados viáveis, mas de alto risco, especialmente para quem não tem acesso direto a gás local. Por causa do aumento da tensão com a Rússia anexando áreas na Ucrânia o cenário para o insumo é cada vez mais incerto.

No Piauí, projetos de usinas térmicas a gás são considerados inviáveis sem um gasoduto. Uma alternativa para região é o gasoduto Meio Norte, cuja obra demandaria no mínimo R$ 5 bilhões em investimentos, segundo estimativas do mercado. A garantia de gás também viabilizaria a Gaspisa, distribuidora de gás que não opera por falta de insumo, e tem como sócios o governo do estado do Piauí e o empresário Carlos Suarez.

No Congresso, correram tentativas de recriação do brasduto, o fundo que bancaria a expansão da rede de gasodutos no Brasil com recursos públicos. No entanto, elas não avançaram até a realização do leilão.

O uso do gás na expansão da geração de energia elétrica não é consensual. O gás já responde por 25% da geração de energia no Brasil, mas boa parte dos especialistas argumenta que ele não é insumo para a transição energética no país em que predomina a produção hídrica e tem alto potencial para o avanço de outras fontes renováveis. O momento seria dos investimentos em energia solar e eólica, mais limpas e baratas. Outros defendem que essas usinas podem garantir o abastecimento em períodos de instabilidade climática.

A oposição é ainda maior às térmicas exigidas na lei de privatização da Eletrobras. Especialistas questionam a falta de racionalidade técnica, pois devem obrigatoriamente ser instaladas onde não há gás ou grande mercado consumidor, o que exige investimento em infraestrutura de transporte do insumo e transmissão da energia.

O frustrante resultado desta sexta reforça a oposição a essas usinas. A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, por exemplo, tem entre suas metas convencer a nova leva de parlamentares e rever a lei da Eletrobras para retirar a obrigatoriedade de construção das demais usinas.

"Não tenho o menor receio de dizer que o Brasil não precisa dessas térmicas", diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente.

Os projetos agora também estão sendo questionados por ambientalistas.

Nesta sexta, o Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) divulgou nota questionando a falta de transparência sobre os impactos dos projetos para a região Amazônica.

"Apesar de contarem com licença prévia, as usinas contratadas no estado do Amazonas não têm (EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental]", afirmou Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Iema.

"Pela falta de documentação, fica impossível precisar os reais riscos socioambientais das usinas. Ou seja, essas termelétricas foram contratadas sem disponibilizar à sociedade os impactos ambientais que causarão, principalmente, na região."

Na avaliação da entidade, a contratação de termelétricas a gás natural afasta o setor elétrico brasileiro do seu processo de descarbonização. Pelas projeções, as usinas de Azulão 2 e Azulão 4 vão emitir anualmente cerca de 887 mil toneladas de CO2e (sigla para toneladas de CO2 equivalente, que inclui não apenas o dióxido de carbono como também outros gases de efeito estufa). A usina Manaus 1, por sua vez, geraria 601 mil toneladas por ano.

Energia total contratada nesta sexta levaria, de 2026 a 2041, os 15 anos de validade do contrato, a aumento de 67% nas emissões do setor elétrico naquela área do Amazonas. Nesse período, essas usinas terão emitido 35,66 milhões de tCO2e .

Na terça-feira (26), o Instituto Internacional Arayara entrou com ação civil na Justiça Federal em Brasília na tentativa de suspender o leilão. A entidade alega na ação que a exigência dos 8 GW de térmicas a gás na lei de privatização da Eletrobras é inconstitucional, e que há jurisprudência nesse sentido. Também questiona os custos financeiros e ambientais das usinas.

Um silencioso embate jurídico foi travado na Justiça da capital. A PGR (Procuradoria-Geral da União) defendeu a realização do certame. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a Eneva também acionaram suas áreas jurídicas.

A Justiça não se manifestou até a publicação deste texto.

ENEVA VIVEU REVIRAVOLTA NOS NEGÓCIOS

A Eneva é a maior operadora privada do Brasil de gás natural em terra —on shore, como se diz no jargão do setor. Atua com 11 campos de gás natural nas bacias do Parnaíba (MA) e Amazonas (AM). Sua área de concessão nesses estados supera 60 mil quilômetros quadrados.

Tem usinas a gás em Maranhão, Ceará e Roraima. Ao mesmo tempo, atua no segmento de energia renovável. Entre seus empreendimentos está o Parque Solar Futura, em Juazeiro (BA).

Seu parque de geração soma 5,6 GW de capacidade instalada e projetos em fase de construção.

Antiga MPX, empresa de energia criada pelo empresário Eike Batista, a Eneva agora tem entre os acionistas investidores financeiros. Lanx Capital (18,28%) e BTG (17,21%) são os principais, mas também há participação de Dynamo Administração (5%), Atmos Capital (4,73%), Vanguard Group (2,75%), CSHG Asset (2,20%), BlackRock (1,62%), entre outros.

Após mudanças de acionistas e gestores, bem como percalços financeiros, o que inclui pedido de recuperação, a Eneva se reergueu. Encerrou 2021 com um lucro de R$ 1,1 bilhão.

Ações oscilaram na Bolsa ao sabor do leilão

As ações ordinárias da companhia (ENEV3) registraram forte oscilação nos últimos dias na B3, a Bolsa brasileira, à reboque de expectativas com o leilão. Depois de um período de alta, encerraram a sexta em queda de 2,08%, na contramão do Ibovespa, que fechou o dia com alta de 2,20%.

Logo após a divulgação do resultado do leilão, avançavam 1,73%, acima do Ibovespa. Por volta das 11h30, registravam a quarta maior alta da Bolsa e também ocupavam a terceira posição em volume de negociações, à frente de ações com liquidez razoável, como o Magazine Luiza.

A alta vinha no embalo do dia anterior. Na quinta (29), os papéis tiveram alta de 1,33%, quando o Ibovespa fechou em baixa de 0,80%, pressionado pelo temor de recessão que domina o mercado global de ações. Foi a primeira alta após quatro baixas diárias, que acumulavam queda de 10% no período. No ano, os papéis sobem 2,12%.

No entanto, ao longo da tarde, foram desidratando. Na comparação entre o fechamento de quinta e o de sexta, o valor do papel cedeu de R$ 14,45 para R$ 14,15, chegando a alcançar o pico R$ 15,28 pouco depois das 10h desta sexta.

A companhia está na lista do Novo Mercado e integra o seu principal índice, o Ibovespa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.