Experimentos com renda básica se espalham pelos EUA; entenda

Mais de 48 programas foram iniciados no país desde 2020

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Kurtis Lee
Los Angeles | The New York Times

No início da pandemia, Alondra Barajas, 22, tinha um emprego temporário no Departamento do Censo americano, fazendo telefonemas do apartamento de dois quartos que dividia com a mãe e quatro irmãos mais novos. Quando esse trabalho terminou, no final de 2020, ela teve dificuldade para encontrar outro.

Mas Barajas soube por um anúncio no Instagram que podia se qualificar para uma forma incomum de assistência: pagamentos mensais de US$ 1.000 (R$ 5.163) durante um ano.

Desde que ela começou a receber os recursos –enquanto cuidava de sua filha recém-nascida, procurava um emprego e um novo lugar para morar–, suas perspectivas começaram a melhorar. "Isso me ajudou a não chegar ao fundo do poço", disse ela.

Os pagamentos fazem parte de um programa piloto da prefeitura de Los Angeles, um dos maiores experimentos dos Estados Unidos com renda básica.

Homem vasculha cesto de lixo em São Francisco, nos Estados Unidos
Homem vasculha cesto de lixo em São Francisco, nos Estados Unidos - Jim Wilson - 7.abr.2019/The New York Times

A ideia é que a melhor maneira de combater a desigualdade e dar às pessoas a oportunidade de construir uma vida mais estável é oferecer pagamentos em dinheiro para os mais vulneráveis.

O conceito, às vezes chamado de renda básica universal, tem defensores há décadas. Ao mesmo tempo, os críticos afirmam há muito tempo que essa abordagem incentiva as pessoas a não trabalhar.

Ainda assim, ela está ganhando força nos EUA, cidade por cidade.

Mais de 48 programas de renda básica foram iniciados em cidades de todo o país desde 2020, de acordo com a Prefeitos pela Renda Básica, rede de líderes que apoiam esses esforços nos níveis local, estadual e federal.

Alguns esforços são financiados publicamente e outros têm apoio não-governamental —Jack Dorsey, ex-CEO do Twitter, doou US$ 18 milhões para ajudar a iniciativa.

A Califórnia se tornou o epicentro do movimento. O programa de Los Angeles, financiado principalmente pela prefeitura, beneficia 3.200 pessoas que têm pelo menos um filho, além de uma renda anual abaixo do nível federal de pobreza.

Várias cidades avançaram com iniciativas usando dinheiro privado: Oakland prometeu dar a 600 famílias de baixa renda US$ 500 (R$ 2.581) durante 18 meses, e em San Diego algumas famílias com crianças pequenas receberão US$ 500 por mês durante dois anos.

No ano passado, o estado reservou US$ 35 milhões (R$ 180,7 milhões) ao longo de cinco anos para as cidades realizarem programas piloto, que podem usar diferentes critérios, como nível de renda e local de residência. Está em andamento um processo de inscrição para que os municípios aproveitem essas verbas.

Além da Califórnia, 300 residentes de Atlanta (Geórgia) que vivem abaixo do nível federal de pobreza estão recebendo US$ 500 por mês durante um ano, e em Minneapolis (Minnesota), 200 moradores de bairros de baixa renda receberão US$ 500 por mês durante dois anos.

Neste outono, 260 pessoas que vivem em motéis ou abrigos de emergência em Denver (Colorado) receberão um pagamento de US$ 6.500 (R$ 33.560) e um adicional de US$ 500 por mês durante 11 meses, com pagamentos planejados para mais 560 pessoas.

Michael Tubbs, prefeito de Stockton (Califórnia), implementou um dos primeiros programas de renda básica do país em 2019, e hoje observa que esses pagamentos não devem ser um único meio de renda, mas visam fornecer um amortecedor para as pessoas quebrarem o ciclo de pobreza.

Tubbs vê os programas como ferramentas cruciais para alcançar a justiça racial para negros e latinos.

"As maneiras como o racismo e o capitalismo se cruzaram para roubar riqueza de algumas comunidades criam as disparidades que vemos hoje", afirma.

Damon Jones, professor de economia da Universidade de Chicago, que estudou esses programas, observou que dinheiro irrestrito –incluindo pagamentos de estímulo— foi amplamente usado pelo governo federal para conter a devastação econômica da Covid-19.

"Os formuladores de políticas públicas foram surpreendentemente abertos a essa ideia após o início da pandemia", disse Jones. Agora, os programas de ajuda emergencial em grande parte caducaram, encerrando o que para alguns era uma tábua de salvação.

Críticos afirmam que programas são caros e contraproducentes

Oren Cass, diretor executivo da American Compass, um grupo de pensadores de linha conservadora, disse que o argumento contra a renda básica é que "um sistema permanente e de toda a sociedade para prover a todos destruiria elementos fundamentais do contrato social e criaria os incentivos errados para as pessoas ao fazerem opções sobre o rumo de suas vidas", disse ele. "Você não pode pilotar isso."

Além das objeções filosóficas, os pesquisadores dizem que será difícil aplicar em escala nacional as lições de programas piloto como o de Los Angeles.

Uma análise do Jain Family Institute, organização sem fins lucrativos que estudou vários programas piloto, argumenta que o melhor caminho para uma renda nacional básica não é através da ampliação de um piloto, mas na reforma e expansão dos programas federais existentes, como o crédito sobre imposto de renda e o crédito fiscal para crianças.

"Não faz sentido pegar um programa municipal e criá-lo quando já existem programas que podem ser reformados", disse Stephen Nuñez, pesquisador-chefe de renda garantida do Jain Family Institute.

Por exemplo, disse Nuñez, a Califórnia –junto com quase uma dúzia de outros estados– já tem uma forma de crédito fiscal para crianças. Na Califórnia, os pais com renda anual inferior a US$ 30 mil se qualificam.

"Quando comecei a trabalhar nisso, há quase cinco anos, as pessoas me chamavam de louco", disse Tubbs, 32, que perdeu uma candidatura à reeleição em 2020 e agora é consultor do governador Gavin Newsom, defensor da renda básica.

A paixão de Tubbs pela ideia está enraizada na experiência pessoal. Ele cresceu em Stockton com sua mãe, e eles viviam com um orçamento apertado. Programas de renda básica como os que estão surgindo agora, disse ele, poderiam ter ajudado sua família.

Uma pesquisa preliminar de dois professores universitários, baseada no primeiro ano do programa de dois anos de Stockton, descobriu que dar às famílias US$ 500 por mês reduzia as flutuações de renda, permitindo que os beneficiários encontrassem emprego em tempo integral.

Em um caso, um participante estava estudando para obter a licença de corretor imobiliário havia mais de um ano –um caminho para um trabalho mais consistente e com salários mais altos–, mas não conseguia encontrar tempo para se preparar já que precisava ganhar dinheiro com trabalhos temporários. Os pagamentos da renda básica, descobriram os pesquisadores, lhe deram tempo para estudar e obter a licença.

Em Los Angeles, de acordo com dados da prefeitura, um terço dos adultos não consegue sustentar suas famílias apenas com a renda do trabalho.

"Quando você fornece recursos para famílias em dificuldades, isso pode lhes dar espaço para respirar para realizar metas que muitos de nós temos a sorte de dar como garantidas", disse o prefeito Eric Garcetti quando o programa começou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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