Governo corta 42% da Saúde e depende de emendas para cumprir gasto mínimo

Técnicos dizem que quadro dificulta planejamento do SUS, pois parlamentares escolherão destino da verba

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro (PL) enviou a proposta de Orçamento para 2023 com uma previsão de corte de 42% nas verbas discricionárias do Ministério da Saúde, usadas na compra de materiais, equipamentos e para investimentos.

Para cumprir o gasto mínimo assegurado pela Constituição, o Executivo vai depender das chamadas emendas de relator, instrumento usado como moeda de troca nas negociações com o Congresso.

Prédio do Ministério da Saúde em Brasília
Prédio do Ministério da Saúde, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Em 2023, a Saúde terá direito a R$ 20,3 bilhões para despesas não obrigatórias, segundo a proposta divulgada pelo Ministério da Economia nesta quarta-feira (31). À primeira vista, o valor parece maior que os R$ 17 bilhões iniciais indicados no envio do projeto de Orçamento de 2022.

No entanto, do montante previsto para o ano que vem, R$ 10,42 bilhões estão numa reserva de emendas de relator, que costumam ser indicadas por parlamentares aliados do governo e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Mesmo que sejam destinadas à Saúde, essas emendas não necessariamente contemplarão projetos estruturais da pasta. Em geral, as emendas de relator são usadas pelos congressistas para irrigar ações em seus redutos eleitorais.

Além disso, não há nenhuma norma legal que impeça os parlamentares de redirecionar a verba para gastos de outras áreas.

O valor a ser efetivamente controlado pelo Ministério da Saúde em 2023 está estimado em R$ 9,84 bilhões —uma queda de 42,2% em relação aos R$ 17 bilhões programados inicialmente para 2022.

Em nota, a pasta disse que a proposta do governo "observa rigorosamente a garantia do financiamento regular para as ações e serviços públicos de saúde" e que "acompanhará com atenção" as discussões do Orçamento no Congresso em busca de ampliação dos recursos.

Outros ministérios também tiveram cortes significativos em suas despesas discricionárias e vão depender de emendas de relator para manter seu funcionamento.

A maior tesourada recaiu sobre os gastos do Desenvolvimento Regional, que tem uma previsão de R$ 2,2 bilhões para custeio e investimentos —uma queda de 48,2% em relação ao programado inicialmente para 2022, parcialmente compensada por R$ 1,5 bilhão em emendas de relator. A segunda maior redução foi justamente na Saúde. O detalhamento foi divulgado nesta quinta-feira (1º).

A justificativa do Ministério da Economia é que a distribuição das emendas de relator entre os órgãos busca promover maior alinhamento entre a indicação desses recursos e as políticas públicas tocadas pelo Executivo.

A estratégia vem na esteira da decisão do Congresso de carimbar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), uma etapa anterior à formulação do Orçamento, um volume maior para emendas parlamentares. O total a ser indicado por deputados e senadores chegou a R$ 38,8 bilhões.

Já incluindo as emendas de relator, a despesa da Saúde que conta para o cumprimento do mínimo está prevista em R$ 149,9 bilhões para o ano que vem, exatamente o mesmo valor do piso da área. Embora a cifra seja R$ 15 bilhões maior do que o previsto para 2022, o mínimo também ficou maior.

Um estudo feito pelo Cosems-SP (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo) aponta que o orçamento da Saúde tem ficado cada vez mais refém das emendas parlamentares —não só de relator, mas também de bancada, e individuais.

Em reação ao domínio cada vez maior do Congresso sobre as verbas da área, o Ministério da Saúde vem ampliando, no governo Bolsonaro, a lista de ações que podem receber recursos de emendas. A estratégia acaba sendo uma maneira de ampliar o leque de programações aptas a absorver esses recursos, compensando os cortes.

Segundo o estudo, o número de áreas habilitadas passou de 4, em 2019 e em 2020, para 8 em 2021, chegando a 13 em 2022. Assim, o deputado ou senador pode escolher destinar o dinheiro a diferentes frentes, desde o combate às arboviroses, como a dengue e a zika, até a investimentos em saúde animal.

A assessora técnica do Cosems-SP, Mariana Alves Melo, afirma que a mudança dificulta o planejamento do SUS (Sistema Único de Saúde), uma vez que cada congressista tem autonomia para escolher de que forma o dinheiro deve ser aplicado.

"Há previsão constitucional para esse tipo de destinação, o problema é o agigantamento das emendas de relator no contexto de congelamento de recursos por causa do teto de gastos e de diminuição da transparência", diz.

Ela também ressalta que as emendas parlamentares de custeio não podem ser usadas para gastos com pessoal, um dos maiores desafios das prefeituras.

Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Economia da Saúde aponta que a participação das emendas no Orçamento Federal destinado às Ações e Serviços Públicos de Saúde passou de R$ 2,9 bilhões em 2014 para R$ 16,9 bilhões em 2022.

O estudo do Cosems-SP afirma que a distorção foi causada pelo teto de gastos —que limita o crescimento das despesas à variação da inflação—, somado ao surgimento das emendas de relator e à decisão do Congresso que obrigou o governo federal a executar as emendas de bancada.

Em um panorama geral da proposta orçamentária, outros ministérios também tiveram cortes significativos em suas despesas de custeio e investimentos.

Sofreram reduções significativas também os ministérios de Minas e Energia (-35%), Comunicações (-30,8%), Economia (-28,3%), Turismo (-25,3%) e Ciência e Tecnologia (-20,9%).

Por outro lado, tiveram incremento em suas dotações previstas Cidadania (31,9%), Trabalho e Previdência (25,64%), Agricultura (16,3%), além de agências reguladoras. As comparações são sempre feitas com a proposta inicial de Orçamento para 2022.

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