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Financial Times inflação

'O Fantasma da Ópera' é mais uma vítima da inflação nos EUA

Custos crescentes e turismo global em queda prejudicam o negócio de musicais

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John Gapper

Colunista de negócios do FT Weekend. No jornal desde 1987, foi comentarista-chefe de negócios e editor de opinião e análise do jornal. Já trabalhou em Londres, Nova York e Tóquio, e cobriu bancos, mídia e tecnologia e emprego

Financial Times

O lustre do palco cairá pela última vez quando "O Fantasma da Ópera", o mais longevo musical apresentado na Broadway, em Nova York, for encerrado em fevereiro, após 35 anos. A cortina está baixando sobre o trabalho de Andrew Lloyd Webber, com seus 130 artistas no elenco, equipe e orquestra, 230 figurinos e uma réplica de 6.000 cristais do lustre da Ópera de Paris.

Toda a produção desafia a gravidade, de fato. O teatro musical tem sido o pilar da Broadway desde o século 19, e o recente renascimento de "Cabaret" em Londres mostra o quão importante é para o West End. Mas o negócio de executar grandes musicais que exigem que grandes plateias paguem preços exorbitantes por ingressos é uma aposta e tanto.

Cameron Mackintosh, produtor adjunto do "Fantasma" com o Really Useful Group de Lloyd Webber, gosta de citar Alan Jay Lerner, o libretista de musicais americano. "Você sabe o que é um ‘succès d’estime’, não sabe? Um sucesso que se esgota." A conquista financeira de Mackintosh e Lloyd Webber com espetáculos como "Cats" e "O Fantasma da Ópera" foi impedir que se esgotassem.

Fila para entrada de O Fantasma da Opera em Manhattan - Spencer Playy - 21.jul.2022/Getty ImagesAFP

O "Fantasma" foi visto por quase 20 milhões de pessoas na Broadway até o início deste mês, arrecadando US$ 1,3 bilhão (R$ 6,84 bilhões). Ele ainda está em cartaz no West End em Londres, depois de fechar temporariamente durante a pandemia, e já foi visto por 145 milhões de pessoas em 41 países desde a estreia na cidade, em 1986. Talvez não se compare às óperas clássicas enquanto obra de arte, mas não se pode discutir com uma caixa registradora.

No entanto, a máquina pode quebrar de repente, como o "Fantasma" descobriu na Broadway desde que voltou após a pandemia, no ano passado, com uma doação de US$ 10 milhões de um fundo do governo dos Estados Unidos para reviver os teatros. "O ‘Fantasma’ é uma fera de show, com muitos funcionários e artistas, figurinos e perucas", disse-me Mackintosh esta semana. "Iniciá-lo do zero hoje seria impossível."

A maior dificuldade não é o investimento inicial em uma nova produção, por maior que seja; é que os musicais são muito caros para continuarem em cartaz. Mackintosh os compara com iates. "É como ter um barco: os dias mais felizes são o da compra e o da venda. É extremamente caro de operar."

Os musicais são um excelente exemplo da "doença do custo" nas artes cênicas identificada pelo economista William Baumol em 1966. O aumento dos salários e outros custos não pode ser compensado por uma maior produtividade no trabalho, porque cada apresentação requer o mesmo número de pessoas para a mesma produção. A não ser que fique sem o lustre, é uma luta tornar o "Fantasma" mais eficiente financeiramente.

O problema se agravou com a inflação alta. Mackintosh estima que o custo semanal de colocar o "Fantasma" na Broadway aumentou de aproximadamente US$ 850 mil antes da pandemia para quase US$ 950 mil, com novos aumentos em energia e outras despesas futuras. Já que tem arrecadado apenas uma média de US$ 850 mil por semana este ano, as contas não fecham mais.

Isso é reforçado pelo fato de que musicais de longa duração em cidades como Londres e Nova York tendem a se tornar cada vez mais dependentes de turistas. Os moradores locais serão atraídos por temporadas limitadas de novos shows e reprises como "The Music Man", mas musicais como o "Fantasma" dependem mais dos visitantes. E há menos deles visitando Nova York do que antes da Covid, principalmente da Ásia.

À medida que a demanda cai, os ingressos sofrem descontos e a economia do musical mais antigo cai. O "Fantasma" já foi apresentado com 71% da capacidade de público na Broadway este ano, em comparação com os 96% de "Hamilton", a um preço médio de US$ 93 (R$ 489) contra os US$ 213 (R$ 1.120) de "Hamilton". O anúncio de que acabará em fevereiro deve aumentar a procura por ingressos à medida que o prazo se aproxime.

Esta provavelmente não será a última vez que Nova York verá o homem mascarado apaixonado; o "Fantasma" poderá ser revivido no futuro, talvez de forma mais viável. Ele continuará em turnê pelo mundo por temporadas limitadas em cidades de Sydney a Viena. Se os turistas não vierem ao "Fantasma", ele irá até eles.

"O musical da Broadway não está morto, mas as coisas serão mais difíceis. Haverá mais pressão para ter elencos e orquestras menores", diz Matthew Rousu, fã de musicais e professor de economia da Universidade Susquehanna, na Pensilvânia. A banda vai continuar tocando, mas com menos músicos.

Isso levanta uma questão existencial sobre o futuro de musicais espetaculares na escala do "Fantasma" ou "Les Misérables". Os musicais tendem a ser financiados por capital de risco, com um grupo de investidores assumindo o alto risco de encerramento antes que a produção recupere seu desembolso inicial, por uma pequena chance de ficarem muito ricos (os investidores originais de "Cats" em Londres tiveram um retorno de 60 vezes).

O efeito de um sucesso na Broadway tem sido historicamente enorme: é a razão pela qual existem tantas produções do "Fantasma". Fazer musicais menores limita os riscos, mas também reduz a probabilidade de um novo se tornar um fenômeno global e gerar dinheiro durante décadas.

Mackintosh foi muito bem no auge do negócio dos grandes musicais: sua produtora lhe rendeu dividendos de 35 milhões de libras (R$ 200 milhões) no final de 2019, antes da pandemia e do aumento da inflação atual, e depois zero quando a crise começou. Quando a cortina finalmente cair sobre "O Fantasma da Ópera", talvez ele esteja chorando.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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