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Preocupação com impactos duradouros sobre inflação motivou divergência no Copom, mostra ata

Decisão de manter a Selic em 13,75% não foi unânime

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Brasília

A preocupação com impactos mais duradouros sobre a inflação foi motivo de divergência na decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, conforme ata divulgada nesta terça-feira (27).

Na última quarta (21), o Copom optou por manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75%, interrompendo o ciclo de aperto monetário. A decisão não foi unânime.

A diretora de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos, Fernanda Guardado, e o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução, Renato Dias de Brito Gomes, votaram por uma alta residual de 0,25 ponto percentual na Selic. Desde 2016, o BC não registrava dissidência nos votos.

Sede do Banco Central, em Brasília - Pedro Ladeira - 4.mai.22/Folhapress

Os diretores argumentaram que, diante da elevação das expectativas de inflação para 2024, da incerteza do grau de ociosidade da economia e do forte ritmo da atividade econômica, a alta adicional fortaleceria a mensagem de comprometimento do comitê com sua estratégia.

"Esses membros avaliam que os riscos de alta elencados no balanço de riscos podem ter impactos mais duradouros caso se materializem, e sugerem cautela adicional na avaliação das projeções do cenário de referência para o ano de 2024", disse o documento.

Entre as condições que puxariam os preços para cima, o Copom destacou a persistência das pressões inflacionárias globais, a incerteza sobre a situação fiscal do país e a pressão vinda do mercado de trabalho.

Dada a defasagem dos efeitos da política monetária sobre a economia, o colegiado tomou sua decisão buscando a convergência da inflação "para o redor da meta" no ano que vem e, em menor grau, em 2024.

Atualmente, o colegiado está usando a inflação acumulada em 12 meses até o fim do primeiro trimestre de 2024 como horizonte de política monetária.

Os objetivos perseguidos pelo BC para 2023 e 2024 foram fixados pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 3,25% e 3%, respectivamente, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

As estimativas do mercado financeiro para a inflação de 2024 começaram a se deteriorar e chegaram a 3,5%, segundo o boletim Focus divulgado na véspera do encontro do Copom, ante 3,3% na reunião de agosto.

A cautela e a necessidade de avaliação ao longo do tempo dos impactos acumulados do "intenso e tempestivo" ciclo de política monetária realizado pesaram na decisão da maioria em favor da manutenção da Selic em 13,75%.

Ao todo, foram 12 aumentos consecutivos entre março de 2021 e agosto deste ano, com elevação acumulada de 11,75 pontos percentuais. Esse foi o choque de juros mais longo da série histórica e o mais intenso desde a adoção do regime de metas para inflação, em 1999.

Na ata, o colegiado do BC repetiu que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que "não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado".

O comitê disse ainda que se manterá vigilante e avaliará se a estratégia de manutenção da Selic "por período suficientemente prolongado" será capaz de assegurar a convergência da inflação.

Segundo Roberto Padovani, economista-chefe do BV, a ata reforça duas ideias centrais sobre o encerramento do ciclo de alta de juros.

A primeira é a justificativa de que "se deve aguardar os efeitos de todo o aperto [monetário] já realizado, entender melhor o cenário a partir de agora". A segunda refere-se ao acompanhamento do ritmo de convergência das expectativas de inflação em direção às metas. "Há ainda preocupações sobre a velocidade de queda da inflação", disse.

Padovani ressalta que as expectativas ainda estão muito acima do teto das metas de inflação para 2022 e 2023. Nesse contexto, acredita que a taxa de juros deve ficar parada em 13,75% por um "bom período" e não prevê cortes na Selic antes de meados do próximo ano.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, diz que o BC "acerta em ter cautela e usar a defasagem a seu favor, nesse momento de cenário externo contribuindo para a queda da inflação".

Para Caio Megale, economista-chefe da XP, o Copom deixou claro que a discussão hoje é se a atual postura monetária está apertada o suficiente.

"Acreditamos que a desinflação global em 2023 ajudará o Copom a trazer a inflação para a trajetória de metas até 2024, abrindo espaço para algum afrouxamento monetário. Mas não antes de meados do ano que vem", disse.

No cenário doméstico, o BC destacou crescimento robusto tanto no consumo quanto no investimento. "O mercado de trabalho seguiu em expansão, ainda que sem reversão completa da queda real dos salários observada nos últimos trimestres", afirmou.

Segundo o comitê, a análise de alguns indicadores de atividade, especialmente do mercado de trabalho, levou à discussão sobre "o caso de o hiato do produto estar mais estreito do que o utilizado atualmente pelo Copom em seu cenário de referência".

O hiato do produto mede a diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo, e a situação do mercado de trabalho é um dos termômetros para estimar essa diferença.

No cenário de referência do Copom, as projeções de inflação caíram para 5,8% neste ano e se mantiveram em 4,6% para 2023. Para 2024, o colegiado elevou marginalmente a previsão para 2,8%.

Em exercício alternativo, pressupondo que o hiato do produto estaria no nível zero no terceiro trimestre, as projeções de inflação seriam de 4,9% e 3% para 2023 e 2024, respectivamente.

Quanto à situação fiscal do país, o Copom destacou que o aumento de gastos públicos de forma permanente e a incerteza sobre essa trajetória no próximo ano podem elevar as expectativas de inflação.

"O comitê reitera que há vários canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação, incluindo seu efeito sobre a atividade, preços de ativos, grau de incerteza na economia e expectativas de inflação", afirmou.

O governo Jair Bolsonaro (PL) apresentou sua proposta de Orçamento para 2023 com um benefício médio de R$ 405 para o Auxílio Brasil, abaixo do piso permanente de R$ 600 prometido pelos principais candidatos à Presidência. A renovação da desoneração de impostos sobre combustíveis é outra questão em debate.

Caso a manutenção da desoneração tributária sobre combustíveis se materialize no próximo ano, o Copom antecipou que voltará a enfatizar intervalos que incluam o primeiro trimestre de 2023.

No cenário externo, o BC considerou que o risco de uma desaceleração mais acentuada da atividade econômica global se elevou. Segundo o Copom, essa percepção é reforçada pelo movimento sincronizado de alta de juros nos países avançados.

O colegiado ponderou que a postura de política monetária mais restritiva globalmente teria impacto desinflacionário no Brasil no médio prazo, citando a menor pressão sobre preços de commodities e de bens.

No entanto, ressaltou que "os possíveis impactos que tal reprecificação teria sobre os ativos no curto prazo adicionam incerteza sobre o efeito na inflação brasileira."

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