UE teme perder influência na América Latina com acordos comerciais fracos

Preocupações com desmatamento na Amazônia atrapalham negociações com Brasil sobre pacto com Mercosul

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Andy Bounds Michael Stott
Bruxelas e Londres | Financial Times

A presidente da Comissão Europeia prometeu uma política comercial mais firme para combater a influência global da China. Mas quando Ursula von der Leyen anunciou seus planos não mencionou o pacto comercial estagnado com o Mercosul, maior bloco comercial da América Latina.

Falando em Estrasburgo este mês, Von der Leyen disse que apresentará acordos comerciais com México, Chile e Nova Zelândia para ratificação pelo Parlamento Europeu e Estados membros e seguirá em conversas com Austrália e Índia.

Mas o pacto abrangente de 2019 com o bloco sul-americano do Mercosul foi ignorado. O Mercosul inclui Brasil e Argentina, duas das maiores economias de uma região onde o comércio e os investimentos chineses cresceram significativamente nas últimas duas décadas.

Área de pastagem ao lado da floresta
Áreas de pastagem devastada na floresta amazônica, na região da bacia do Rio Tapajós, no estado do Pará. - Pedro Ladeira/Folhapress

Bruxelas espera resultado de eleições no Brasil

Bruxelas aguarda o resultado da eleição presidencial do Brasil em outubro, insistindo que Brasília assine um compromisso separado de proteção da Amazônia, antes de ratificar o acordo com o Mercosul.

Pesquisas sugerem que o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva derrotará o populista de direita Jair Bolsonaro, que tem tensionado as relações com a maioria dos líderes da União Europeia por seu fracasso em conter o desflorestamento e apoiar os direitos dos povos indígenas.

Mas a falta de progresso tem preocupado Josep Borrell, chefe de política externa da UE. Em julho, o espanhol preparou um documento confidencial para os chanceleres, visto pelo Financial Times, que mapeava a necessidade de um "salto qualitativo nas relações" com a América Latina e o Caribe dentro de 18 meses.

Ele alertou para uma "sensação de desengajamento da UE". O fracasso em concluir acordos comerciais "prejudicou a credibilidade da UE", enquanto "a presença e a influência da China na região aumentaram exponencialmente".

Embora Lula geralmente favoreça laços mais estreitos com a UE, um de seus aliados próximos disse ao Financial Times que um novo governo Lula tentaria renegociar partes do acordo com o Mercosul.

Lula, que foi presidente por dois mandatos, de 2003 a 2010, considera a parceria com a UE "estratégica para o Brasil e para a América Latina", disse Celso Amorim, seu chanceler na época.

Mas Amorim, que assessorou Lula em política externa após deixar o cargo, disse que um governo Lula provavelmente "vai querer alguns ajustes" no texto do pacto e tem preocupações com áreas como proteção à propriedade intelectual e compras governamentais. "Queremos ter certeza de que nada impedirá o desenvolvimento técnico ou industrial do Brasil", disse. "Não queremos continuar sendo apenas produtores de matérias-primas."

Quaisquer mudanças precisariam ser acordadas pelos parceiros do Mercosul do Brasil –Argentina, Uruguai e Paraguai–, bem como pelos 27 estados membros da UE.

Um governo Lula, acrescentou Amorim, estará aberto às mudanças desejadas pelos europeus para fortalecer as cláusulas sobre clima e direitos humanos, "desde que isso não interfira na soberania brasileira."

Lula sugeriu no mês passado que o tratado UE-Mercosul é desfavorável ao Brasil em algumas áreas. "As negociações devem ser algo em que todos ganham... O que queremos na discussão com a Europa é não ceder em nosso interesse de reindustrializar [o Brasil]", disse a jornalistas estrangeiros.

No entanto, uma autoridade da UE afirmou que a rediscussão de um acordo que levou anos para ser concluído seria um "pesadelo", especialmente porque muitos países membros se tornaram mais céticos sobre novos acordos comerciais desde 2019.

Pedro Miguel da Costa e Silva, embaixador do Brasil na União Europeia, disse que o Brasil assinou todos os tratados internacionais relevantes: "Você não deve fazer o acordo de refém porque você tem essas outras questões", disse ele em entrevista.

Brasília poderia discutir a assinatura de um acordo conjunto para conter o desmatamento, mas deve ser "equilibrado e equitativo", disse ele, ressaltando que seu país tem outros interessados. "A parceria estratégica que estabelecemos com a UE está inativa. A América Latina está fora do mapa para a UE."

Seis homens de terno, atrás de um balcão em que se lê 30 Mercosul
O presidente Jair Bolsonaro participa da LIX Cúpula de Chefes de Estado do MERCOSUL e Estados Associados, em dezembro. - Clauber Cleber Caetano/PR

Guerra na Ucrânia mostrou que UE precisa de mais aliados na AL

O acordo estagnado do Mercosul não é o único problema nas relações comerciais da UE com a América Latina.

Um acordo comercial e de parceria com o México não foi ratificado por quatro anos devido a preocupações na Europa sobre direitos ambientais e trabalhistas. O Chile ainda aguarda aprovação depois que Paris bloqueou o acordo com a UE por causa das preocupações dos agricultores franceses com o aumento das importações de frango.

O comissário de Comércio da UE, Valdis Dombrovskis, viajará para a América Latina no final deste ano. Um funcionário da UE, falando sob a condição de anonimato, disse que a guerra na Ucrânia demonstrou que a UE precisa de uma gama maior de aliados, especialmente os países democráticos da América Latina.

"Se você quer ganhar votos na ONU, não pode confiar apenas na UE, EUA, Canadá, Coreia do Sul e Japão. Precisamos trabalhar com muitos outros países."

A América Latina, grande produtora de cobre e lítio, também é uma fonte de minerais vitais para a transição energética verde da UE.

"A África já está arrendada à China porque eles têm sido mais estratégicos do que as democracias. Não podemos permitir que o mesmo aconteça com a América Latina", disse o funcionário.

Javi López, socialista espanhol que preside a delegação do Parlamento Europeu para a América Latina, afirmou que uma vitória eleitoral de Lula seria uma oportunidade vital para estabelecer melhores relações.

"Somos bons amigos, mas precisamos investir tempo e capital político se quisermos ser aliados", disse ele, acrescentando que não houve uma cúpula entre a UE e a América Latina em sete anos.

"A Amazônia está sendo usada como desculpa para parar o comércio. Alguns países [da UE] estão protegendo suas indústrias agrícolas."

A comissão disse que os acordos com o México e o Chile poderão ser apresentados para ratificação aos Estados membros e ao Parlamento Europeu ainda este ano. Quanto ao pacto com o Mercosul, acrescentou: "Esperamos nos envolver com as autoridades brasileiras, bem como com os outros países do Mercosul, para levar o processo em curso a uma conclusão bem-sucedida".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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