Descrição de chapéu twitter

'Eu me faço de bobo e dou tiros no pé no Twitter', afirma Elon Musk

Bilionário fala sobre se mudar para Marte e salvar a liberdade de expressão por meio da rede social

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Roula Khalaf
Financial Times

O jantar com Elon Musk começa com um passeio num Tesla. Estou sentada no banco de trás, ao lado de X, o filho de 2 anos e meio do bilionário. São cerca de 19h em Austin, e X está de mau humor, como seria de esperar.

Estávamos a caminho do Fonda San Miguel, o restaurante mexicano favorito de Musk, depois de uma visita com um colega do FT à Tesla Gigafactory, às margens do rio Colorado. Nesse local enorme, Musk está produzindo os SUVs elétricos Y, o modelo mais recente da coleção Tesla que o catapultou ao topo da lista dos mais ricos do mundo (patrimônio líquido: US$ 232 bilhões, ou R$ 1,21 trilhão).

Musk, com X empoleirado em seus ombros, exibiu orgulhosamente o chão de fábrica enquanto às vezes maldizia o investimento vagaroso no refino de lítio, que é desesperadamente necessário para aliviar a escassez de baterias em todo o mundo.

O chefe de segurança de Musk, também motorista, vem ao socorro com uma mamadeira de leite que acalma X e o faz dormir quando chegamos ao restaurante.

Nas horas seguintes, me familiarizo com o curioso personagem Elon Musk, o engenheiro e o visionário, o bilionário e o disruptor, o agitador e o encrenqueiro.

Homem branco de camisa preta ri
O bilionário Elon Musk, 51. - Frederic J. Brown/AFP

Desafiando exércitos de céticos, incluindo eu mesma (revelação completa: até minha família se rebelar contra mim e comprar um Tesla Model 3 e eu começar a dirigi-lo, estava convencida de que a empresa iria à falência), Musk construiu a Tesla, levando-a a atingir um valor de mercado de mais de US$ 700 bilhões, e forçou a indústria automobilística a acelerar a mudança para veículos elétricos.

Não propenso à modéstia, Musk avalia que pode ter acelerado o "advento da energia sustentável" em "10, talvez até 20 anos".

Em pouco mais de uma década, ele também transformou a indústria espacial comercial e a economia do espaço, superando os rivais na construção de um foguete reutilizável que pode transportar passageiros.

A Nasa (agência espacial americana) escolheu seu Starship para levar astronautas à lua nos próximos anos. Agora vale cerca de US$ 125 bilhões. Um dia ele será usado para colonizar Marte, Musk está convencido.

Musk também é um rebelde, um tuiteiro serial com mais de 100 milhões de seguidores, que desrespeita convenções, diverte-se com explosões ofensivas, briga com reguladores e funcionários e provoca concorrentes.

Ele tem desentendimentos regulares com a Comissão de Valores Mobiliários: foi multado e forçado a desistir da presidência da Tesla por causa de tuítes de 2018, nos quais alegava ter conseguido financiamento para tornar a Tesla particular, declarações que mais tarde um juiz dos Estados Unidos descreveu como feitas "imprudentemente".

Um processo recente acusa Musk de executar um esquema de pirâmide para sustentar o dogecoin, criptomoeda que é, literalmente, baseada numa piada –um meme da internet de um cachorro japonês. O dogecoin caiu, como se previa, mas o entusiasmo de Musk não: ele combina seu jeans preto com uma camiseta preta com a imagem do cachorro.

Por que um cara sério com ideias sérias se entrega a jogos bobos no Twitter, que também podem custar caro aos seus seguidores?

"Você não está se divertindo?", Musk ruge de tanto rir. "Eu me faço de bobo no Twitter e muitas vezes dou um tiro no próprio pé, me causo todo tipo de problema... Não sei, acho vagamente terapêutico me expressar no Twitter. É uma maneira de levar mensagens ao público."

É justo dizer que Musk é obcecado pelo Twitter, tanto que está envolvido numa épica aquisição da plataforma que cativa Wall Street e a indústria tecnológica há meses.

O Twitter processou Musk (e ele processou de volta) depois que ele desistiu de um acordo de aquisição de US$ 44 bilhões feito em abril, acusando a empresa de rede social de informar a menos o número de bots na plataforma. Esta semana, e pouco antes de seu depoimento agendado, Musk mudou de ideia. Ele agora diz que quer comprar o Twitter novamente.

Eu tinha perguntado durante o almoço se sua oferta original tinha sido uma piada de mau gosto.

"O Twitter é certamente um convite para aumentar seu nível de sofrimento", diz ele. "Acho que devo ser masoquista..."

Mas ele não esconde que seu interesse pela empresa nunca foi principalmente financeiro: "Não estou fazendo o Twitter por dinheiro. Não é como se eu estivesse tentando comprar um iate e não pudesse pagar. Eu não tenho nenhum barco. Mas acho importante que as pessoas tenham um meio inclusivo e de máxima confiança para trocar ideias, e que seja o mais confiável e transparente possível."

A alternativa, diz, é uma fragmentação do debate em diferentes bolhas de rede social, como evidenciado pela rede Truth Social, de Donald Trump. "Ela [a Truth Social] é essencialmente uma câmara de eco da direita. Poderia muito bem ser chamada de Trumpet [trompete]."

Musk não almoça, possivelmente porque uma foto nada lisonjeira dele em traje de banho tirada num iate em Mykonos viralizou durante o verão. Desde então, ele está de dieta.

No Fonda San Miguel, restaurante mexicano fervilhante que promete uma experiência culinária regional, ele é um cliente habitual. Pede uma frozen margarita (que chama de "raspadinha com álcool") e eu peço uma cerveja. Musk olha em volta. "Há um bom burburinho neste restaurante", diz ele, com aprovação, e sugere ao garçom que nos sirva algumas das especialidades.

Musk está me dizendo que as empresas são como crianças, quando os primeiros pratos chegam à mesa –costeletas de cordeiro com molho de pimenta e camarão com queijo e jalapeños. A comida é "épica", suspira Musk.

"É importante que as pessoas morram. Quanto tempo você gostaria que Stalin vivesse?"

Musk é caprichoso, mas se vê como um solucionador de problemas, e o problema é tudo, desde o possível fim da vida na Terra até as mudanças climáticas e o tráfego (sua empresa Boring ["chata"] está construindo túneis).

Recentemente, ele sonhou com seu próprio plano de paz (bastante inútil) para acabar com a guerra da Rússia na Ucrânia.

Nascido e criado na África do Sul em uma família abastada, ele desembarcou na Califórnia depois de estudar economia e física no Canadá e na Pensilvânia. Uma de suas primeiras grandes ideias estava bem à frente de seu tempo: ele queria revolucionar o setor bancário. Fundiu uma empresa de pagamentos online que ajudou a fundar com outra empresa no que se tornou o PayPal. Quando o PayPal foi vendido ao eBay, ele usou o dinheiro para iniciar a SpaceX e investir na Tesla.

O envelhecimento me parece a única ameaça aos humanos que ele não está tentando resolver, embora outra empresa que fundou, a Neuralink, esteja projetando chips que serão implantados no cérebro para restaurar a função sensorial e motora.

Musk está muito preocupado com o declínio populacional e afirma estar fazendo sua parte para povoar a Terra tendo dez filhos (de várias parceiras), incluindo, como foi noticiado recentemente, gêmeos com uma executiva da Neuralink.

Ele zomba quando pergunto se há outros filhos que ele gerou –"Tenho certeza de que não há outros bebês se aproximando"– e descarta os rumores de que comprou uma clínica de fertilidade para sustentar sua produção de bebês. Alguns amigos, ele revela, de fato sugeriram que ele deveria ter 500 filhos, mas isso seria um pouco estranho.

Referindo-se a si mesmo, aos 51 anos, como uma "galinha no outono", ele diz que poderá ter mais filhos, mas apenas se puder ser um bom pai para eles. No entanto, prevê que "a tendência atual na maioria dos países é que a civilização não morra com um estrondo, morra com um gemido em fraldas para adultos".

Mas ele diz que o envelhecimento não deve ser resolvido. "É importante que as pessoas morram. Quanto tempo você gostaria que Stalin vivesse?" É uma boa tese.

A maior preocupação de Musk é a preservação da vida além da Terra. Sua solução é povoar Marte. "Algo vai acontecer com a Terra eventualmente, é apenas uma questão de tempo. O sol se expandirá e destruirá toda a vida na Terra, então precisamos nos mudar em algum momento, ou pelo menos ser uma espécie multiplanetária", diz ele.

"Você tem que fazer a pergunta: queremos ser uma civilização que voa no espaço e uma espécie multiplanetária ou não?" Não tenho certeza do que penso, mas Musk é enfático. "É uma questão de que porcentagem dos recursos devemos dedicar a tal empreendimento. Acho que se você disser 1% dos recursos provavelmente é uma quantia razoável."

O próprio Musk se juntaria à colônia pioneira em Marte? "Especialmente se eu estiver ficando velho, farei isso. Por que não?", diz. Mas quão útil ele seria para Marte se for muito velho? "Acho que há uma chance não desprezível de morrer, então prefiro arriscar quando for um pouco mais velho, quero ver meus filhos crescidos. Em vez de agora, quando o pequeno X tem apenas 2 anos e meio. Acho que ele sentiria minha falta."

A mesa é muito pequena para os pratos grandes que compartilhamos como segundo prato: um cordeiro cozido lentamente que derrete na boca, pimentões picantes em molho de nozes e camarão em molho cremoso de chipotle. Musk tem razão: é a melhor comida mexicana que já comi.

Voltamos aos seus pontos de vista sobre governo e política, e o Musk do Twitter aparece, a personalidade mais emocional e desenfreada que vemos em seus posts frenéticos. Ele está elogiando os bilionários como os mais eficientes administradores de capital, mais bem posicionados para decidir sobre a alocação de benefícios sociais. "Se o administrador alternativo do capital for o governo, na verdade não beneficiará a população", diz.

Musk critica Joe Biden por ser escravo dos sindicatos, mas também por ousar esnobá-lo. "Ele [Biden] fez uma cúpula de veículos elétricos na Casa Branca e deliberadamente não convidou a Tesla no ano passado. Em seguida, para adicionar insulto à injúria, num grande evento ele disse que a GM estava liderando a revolução dos carros elétricos, no mesmo trimestre em que a GM vendeu 26 carros elétricos e nós, 300 mil. Isso parece justo para você?"

Até recentemente, Musk votava nos democratas, embora agora esteja mais do lado republicano, ou talvez flutuando em algum lugar no meio. Ele diz que está considerando a criação do "Super Pac Super Moderado" para apoiar candidatos com opiniões moderadas.

Ele faz questão de me dizer que não odeia Trump, mesmo que tenha entrado em conflito com ele, e insiste que Biden é simplesmente velho demais para concorrer a um segundo mandato. "Você não quer estar muito longe da idade média da população, porque vai ser muito difícil manter contato... Talvez uma geração de distância da idade média seja aceitável, mas duas gerações? No ponto em que você tem bisnetos, não sei, o quanto você está em contato com as pessoas? É possível estar?"

Musk tem uma visão distópica da influência da esquerda nos Estados Unidos, o que ajuda a explicar sua corrida desenfreada pelo Twitter para liberar a liberdade de expressão. Ele culpa o fato de sua filha adolescente não querer mais estar associada a ele à suposta aquisição de escolas e universidades de elite pelos neomarxistas. "É o comunismo desenfreado... e um sentimento geral de que se você é rico, você é mau", diz Musk. "Isso [o relacionamento] pode mudar, mas eu tenho um relacionamento muito bom com todos os outros [filhos]. Não posso conquistar todos."

Ele também tem uma visão negativa dos reguladores, que vê como burocratas justificando seus empregos perseguindo alvos de alto nível como ele. Parece estar numa briga constante com um regulador ou outro, seja por causa de seus próprios pronunciamentos ou pelo tratamento de funcionários.

Musk não tem problemas em exigir muito deles. Foi intimidado quando criança (e também falou de abuso emocional por seu pai), mas agora às vezes é acusado de intimidar outras pessoas. Ele revida: se alguém está insatisfeito trabalhando para ele, deve trabalhar em outro lugar, porque "não está acorrentado à empresa, é voluntário."

Ele acha que está acima da lei? Isso é um completo absurdo, diz. "Estou sujeito a literalmente um milhão de leis e regulamentos e obedeço a quase 99,99% deles. Só quando eu acho que a lei é contrária ao interesse das pessoas que eu tenho um problema." Eu me pergunto se ele quer dizer o interesse de Elon Musk.

Existem alguns temas que divertem Musk, provocando risos demorados, e outras perguntas que são recebidas com um silêncio deliberado antes de ele falar.

O silêncio mais longo segue minha pergunta sobre a China e o risco para a fábrica da Tesla em Xangai, que produz entre 30% e 50% do volume total da Tesla. Musk tem sido um admirador e também um investidor na China. Mas não está imune às crescentes tensões EUA-China ou ao risco de uma tomada chinesa de Taiwan. Musk diz que Pequim deixou clara sua desaprovação ao recente lançamento do Starlink, o sistema de comunicação por satélite da SpaceX, na Ucrânia para ajudar os militares a contornar o corte da internet pela Rússia. Diz que Pequim buscou garantias de que ele não venderia a Starlink na China.

Musk acredita que o conflito em torno de Taiwan é inevitável, mas logo aponta que não será o único a sofrer as consequências. A Tesla será envolvida em qualquer conflito, diz ele, embora, curiosamente, pareça supor que a fábrica de Xangai ainda conseguirá abastecer os clientes na China, mas não em qualquer outro lugar. "A Apple estaria em apuros, com certeza...", acrescenta, para não falar na economia global, que estima, com precisão, sofrerá um golpe de 30%.

Talvez seja a percepção de Musk de que as decisões empresariais não podem mais ser tomadas sem levar em conta a segurança e a geopolítica –ou simplesmente uma crença arrogante de que ele tem todas as respostas– que agora o leva a oferecer suas próprias soluções para os problemas geopolíticos mais complexos do mundo.

"Minha recomendação... seria inventar uma zona administrativa especial para Taiwan que fosse razoavelmente palatável; provavelmente não agradaria a todos. E é possível, e acho que provável, de fato, que eles pudessem ter um acordo mais brando do que Hong Kong." Duvido que sua proposta seja aceita.

Também na Ucrânia, ele defendeu um compromisso com a Rússia que lhe rendeu zombaria em Kiev, onde o Starlink o transformou em herói até agora. Ele lançou seu plano de paz numa pesquisa no Twitter e sugeriu que a Crimeia, que a Rússia invadiu em 2014 e depois anexou, deveria simplesmente ser entregue à Rússia. Volodimyr Zelensky, o presidente ucraniano, respondeu com sua própria enquete no Twitter: de qual Elon Musk você gosta mais, perguntou, o que apoia a Ucrânia ou o que apoia a Rússia?

Estamos há mais de uma hora almoçando e Musk tem pressa, pois agendou uma ligação com sua equipe da SpaceX. Pulamos a sobremesa e peço a conta, mas descubro que já foi paga pelo chefe de segurança. Musk ignora meus protestos de que está desrespeitando a convenção do # Almoço com o FT: "Você está em dívida comigo por toda a vida", brinca. Voltamos para o carro que o leva a um aeroporto particular para embarcar em seu jato, e ele sugere que continuemos nossa conversa no caminho.

Encontro X exatamente onde ele ficou, na cadeirinha, mas está mais alegre depois do cochilo. Ele arrulha enquanto assiste a vídeos de foguetes em seu iPad e o pai discute foguetes com sua equipe. De repente, noto que o carro está dirigindo sozinho, como se quisesse dissipar as dúvidas que eu havia expressado sobre as perspectivas de direção autônoma da Tesla. "Ele pode chegar ao aeroporto sem intervenção", diz Musk.

Alarmada, coloco meu cinto de segurança. Musk pode ser um mágico, mas também pode estar enganado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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