Descrição de chapéu Folhajus

Ministério Público vê ação coordenada em explosão de assédio eleitoral em MG

Segundo órgão, maior parte das denúncias envolve empresários bolsonaristas

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Brasília e Belo Horizonte

A liderança de Minas Gerais no número absoluto de denúncias de assédio eleitoral neste ano se deve a uma ação coordenada de empresários e associações, afirma o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Foram registradas no estado 512 das 1.965 denúncias recebidas pelo MPT até esta quinta-feira (27), ou 26% do total. O Paraná, vice-líder, tem menos da metade (215). Minas também lidera em número de empresas denunciadas (380 entre 1.525), mas fica atrás de Santa Catarina na ponderação por número de eleitores: 23,3 por 1 milhão, contra 29,7 por 1 milhão entre os catarinenses.

Para a procuradora do trabalho em Belo Horizonte, Ana Cláudia Nascimento Gomes, a forma como as denúncias ocorrem, "muito articulada", revela a coordenação. "Tem muitas denúncias que são plurais, ou seja, envolvem centenas de empresas. Por quê? Por que houve uma articulação naquele setor econômico para cometer o assédio eleitoral. O assédio não tem sido praticado de forma isolada", diz

Ao todo 360 investigações em 11 municípios já foram abertas no estado até quarta (26), últimos dados disponíveis. Desse total, 255 estão em três dos maiores colégios eleitorais do estado. A maior parte das denúncias envolve empresários bolsonaristas, segundo informações do MPT no estado.

Funcionários de frigorífico Serradão/Frigobet, em Betim (MG), durante evento a favor de Jair Bolsonaro. Eles estão de costas, em pé, e vestem camiseta amarela
Evento a favor de Jair Bolsonaro em frigorífico de Betim (MG) durante horário de almoço de funcionários - Reprodução

Mais de 120 denúncias do estado vieram do município de Sete Lagoas, cidade de aproximadamente 250 mil habitantes na Grande Belo Horizonte, segundo dados da última sexta (21), depois que dezenas de comerciantes prometeram dar folga na segunda-feira (31) caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) seja reeleito.

A ação ilegal foi organizada e divulgada pelas redes sociais com o mote "Um dia de recesso e quatro anos de progresso" e mobilizou clínicas de odontologia, papelarias, autoescolas, sorveterias, oficinas mecânicas e imobiliárias.

Parte dos empresários de Sete Lagoas já assinou acordo com o MPT com o compromisso de não oferecer nenhuma vantagem aos funcionários, e de deixar claro que o voto é livre e secreto.

Outro caso que demonstra a atuação organizada no estado ocorreu no município de Passos. O sindicato de varejistas, a associação comercial e industrial, além do clube de dirigentes e lojistas do município foram processados pelo MPT por um vídeo publicado nas redes sociais em que pedem votos para Bolsonaro.

É uma prática nefasta porque se utiliza da fragilidade do trabalhador que está sujeito a uma relação de poder privado, que está sujeito a uma necessidade de subsistência

Ana Cláudia Nascimento Gomes

Procuradora do trabalho em Belo Horizonte

Um agravante para o caso mineiro, segundo a procuradora do trabalho, é o estado ter se tornado palco de acirrada batalha pela preferência dos eleitores, com Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva disputando as 16 milhões de pessoas aptas a votar, o segundo maior colégio do país.

"Em termos nacionais, a gente vê que a sociedade está muito dividida e polarizada, e isso obviamente entranha nas relações de trabalho. Não deveria ser assim, mas tem acontecido. Agora, essa necessidade de conquistar Minas Gerais tem imposto ao estado uma sobrecarga de assédio eleitoral", afirma.

"A gente vê que o empresariado tem levado essa pressão para o trabalho como se o trabalhador fosse sua longa manus [executor de ordens], e não é. Não é porque é trabalhador e recebe salário que vende sua liberdade de consciência, que vende sua liberdade política. Ele não é objeto de poder, ele é sujeito de direitos."

Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fala a trabalhadores de frigorífico em Barbacena (MG); cena foi registrada pela CNN de Portugal - CNN de Portugal/Reprodução

Gomes afirma que, em geral, micro e pequenos empresários têm demonstrado boa vontade para reconhecer o erro e tentar se corrigir. O problema maior, segundo ela, tem ocorrido em grandes empresas, que preferem enfrentar o Ministério Público no Judiciário.

"[Os médios ou pequenos] normalmente nunca nem estiveram no MPT e querem resolver de forma imediata. Muitas vezes não estavam conscientes do tamanho do problema que estavam assumindo para si. Então, a grande maioria, de boa-fé, se retrata ou celebra o Termo de Ajustamento de Conduta", diz.

"As grandes empresas é que são mais complicadas. São empresas com poderio econômico maior, que se sentem, inclusive, mais fortalecidas em termos jurídicos para litigar com o Ministério Público e postergar o problema."

Procurador de Minas vê perfil conservador de empresários

O procurador do trabalho Fabricio Borela Pena, do MPT-MG, afirma que o perfil conservador dos empresários do estado é um dos motivos que contribuem para o elevado número de denúncias de assédio eleitoral no estado.

"Há um movimento muito forte do setor em Minas Gerais", diz. No último dia 6 de outubro, Bolsonaro, em encontro com empresários realizado pela Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) em Belo Horizonte, pediu para que a categoria convencesse "os mais humildes" a apoiá-lo. O candidato a vice na chapa, Braga Netto (PL) fez o mesmo pronunciamento no encontro.

Borela afirma que as declarações podem servir como pretexto para que os empresários exerçam pressão contra os funcionários. "É um pretexto para que empresas do segmento busquem formas para seguir isso [o pedido feito pelo presidente]", disse.

O procurador frisou, porém, que as investigações são sempre em relação a empresários, e não envolvem candidatos e que a atuação do MPT contra o assédio é a mesma, seja qual for o candidato beneficiado.

As denúncias chegam de trabalhadores de diversos setores como frigoríficos, setor sucroalcooleiro, indústria e comércio de estofados. Um registro enviado ao MPT-MG envolveu Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, que fez campanha contra Lula dentro de um frigorífico em Barbacena.

Já há casos de decisões judiciais, em caráter liminar, em ações impetradas pelo MPT-MG para obrigar empresas a se retratarem pela realização de reuniões para pressionar funcionários.

Entre os compromissos assumidos em acordos intermediados pelo MPT estão a distribuição de comunicados falando da importância do voto livre aos funcionários.

Até esta quinta-feira (27), em todo o país, foram assinados 123 acordos com empresários e gestores públicos por meio de TACs (Termo de Ajustamento de Conduta). Outros 31 casos sem acordo foram parar na Justiça em ações civis públicas.

Procuradores vão tentar coibir retenção de documentos de empregados

Diante do aumento de casos, procuradores do trabalho de todas as regionais foram convocados para atuar no final de semana das eleições e tentar coibir, por exemplo, que empregadores retenham o documento de empregados.

Os eleitores também devem acionar o órgão no domingo (30) caso sejam impedidos de deixar o trabalho para votar —os trabalhadores têm o direito de se ausentar pelo tempo necessário, e não precisam compensar as horas antes ou depois.

Além disso, o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro Lelio Bentes Corrêa, encaminhou ofício aos TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) recomendando que eles também intensifiquem o regime de plantão no fim de semana do segundo turno.

"O objetivo é garantir que a Justiça do Trabalho atenda a possíveis demandas relacionadas a assédio eleitoral que exijam rápida intervenção do Estado", afirmou Corrêa.

"Toda a instituição está assustada com a quantidade de denúncias. A gente está tendo que trabalhar, digamos, no meio do maremoto. Isso implica uma série de providências internas também. E a gente sendo espremido pelo tempo. Por isso a importância dessa conscientização [da sociedade]", afirma a procuradora.

"É uma prática nefasta porque se utiliza da fragilidade do trabalhador que está sujeito a uma relação de poder privado, que está sujeito a uma necessidade de subsistência e de manutenção do seu contrato de trabalho, para um objetivo diverso do contrato. Um objetivo diverso de sua obrigação laboral."

Federação diz que repudia atos antidemocráticos

Em nota, a Fiemg informou que, sobre denúncias de assédio eleitoral supostamente praticado por empresários de Minas Gerais, "repudia veementemente quaisquer atos antidemocráticos e reitera sua posição a favor da democracia".

COMO E ONDE DENUNCIAR ASSÉDIO ELEITORAL

O MPT sugere que os trabalhadores façam as denúncias com o maior número possível de provas materiais, como documentos, imagens e mensagens de texto ou áudios. Elas podem ser feitas no Brasil inteiro e de forma anônima por meio do site do Ministério Público do Trabalho.

É assédio eleitoral a pressão contra funcionários para que votem em determinado candidato, sob a ameaça, por exemplo, de demissão.

Colaborou José Marques.

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