Descrição de chapéu Financial Times twitter

'Só ficamos sabendo 15 minutos antes': os bastidores do acordo entre Musk e o Twitter

O drama da aquisição pelo chefe da Tesla atraiu um elenco de magnatas de Wall Street, a elite do Vale do Silício e alguns explicadores de memes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Hannah Murphy Sujeet Indap James Fontanella-Khan
San Francisco, Phoenix e Nova York | Financial Times

Mesmo quando sua compra por US$ 44 bilhões chegou ao prazo final, Elon Musk manteve o Twitter na dúvida.

Normalmente, advogados e consultores de cada lado de uma transação corporativa trabalham juntos para garantir um fechamento tranquilo. Mas, à medida que o calendário se aproximava de 28 de outubro, o prazo definido pelo tribunal para o fim da aquisição, o lado de Musk trabalhou principalmente de forma isolada, deixando o Twitter à margem, com os dedos cruzados.

"Não sabíamos quando fecharíamos na noite de quinta-feira (27) até 15 minutos antes de acontecer", disse um consultor do Twitter.

Logo do Twitter - Dado Ruvic - 28.abr.2022/Reuters

Após a notícia de que o acordo foi fechado, aqueles com a pele em jogo suspiraram aliviados. "Cara, estou feliz por isso terminar e, [do ponto de vista] de um acionista, terminar bem", disse um dos maiores acionistas da companhia.

A compra da influente plataforma de rede social pelo homem mais rico do mundo está entre os dramas de negócios mais e caóticos da história corporativa.

Ele reuniu alguns dos jogadores mais poderosos de Wall Street –com JPMorgan Chase e Goldman Sachs aconselhando o Twitter sob o codinome Projeto Tundra, e Morgan Stanley e Barclays no canto de Musk, sob Projeto X–, bem como figurões do Vale do Silício e um exército de advogados.

Mesmo para negociadores veteranos, a aquisição pouco ortodoxa do Twitter por Musk abriu novos caminhos quando os lados se envolveram numa feroz batalha jurídica. Na firma de advocacia do Twitter, a Wachtell Lipton, jovens advogados tornaram-se "explicadores de memes" para seus colegas mais velhos, decifrando as postagens esotéricas de Musk na Internet e encontrando maneiras de usar algumas delas contra ele –incluindo um emoji de um monte de cocô.

O episódio abriu uma janela sobre como Musk faz negócios, quando ele passou de um dos usuários mais seguidos do Twitter a dono da plataforma, com a tarefa de transformar uma empresa em dificuldades financeiras, com uma enorme influência na política e na cultura globais.

O negócio se forma

A aquisição do Twitter por Musk começou como terminou: às pressas.

O chefe da Tesla começou a construir uma participação de 9% no Twitter no final de março, levando a empresa de rede social a lhe oferecer um assento no conselho. Ele concordou. Mas então, depois de ser repreendido pelo executivo-chefe, Parag Agrawal, por fazer uma pesquisa perguntando "O Twitter está morrendo?", Musk decidiu comprar a empresa inteira, oferecendo US$ 54,20 por ação –sendo o "4,20" amplamente interpretado como uma referência à cultura da maconha.

O pacote de financiamento de US$ 13 bilhões, um dos maiores já organizados em Wall Street, foi rapidamente montado por um grupo de bancos liderados pelo Morgan Stanley. Uma pessoa envolvida no financiamento da dívida descreveu a due diligence do negócio como "fácil", porque "não houve".

Outros envolvidos no financiamento viram pouco risco em apoiar Musk. Mas isso foi antes de os mercados de dívida começarem a se recuperar, no final do verão. Os bancos e Musk rapidamente se arrependeriam de sua pressa à medida que as taxas de juros subiam e as ações de tecnologia despencavam.

Enquanto isso, o Morgan Stanley, liderado pelo famoso banqueiro de investimentos Michael Grimes, corria para encontrar investidores em ações para entrar na aquisição e reduzir os encargos financeiros de Musk. Potenciais candidatos de private equity americanos, como Thoma Bravo, foram sondados, mas acabaram desistindo.

Em vez disso, Musk reuniu mais de US$ 7 bilhões em compromissos de uma mistura incomum de investidores, como o bilionário do Vale do Silício Larry Ellison, a exchange de criptomoedas Binance, as empresas de capital de risco Andreessen Horowitz e Sequoia Capital. Ele também recorreu a apoiadores do Oriente Médio, como o QIA, o fundo soberano do Qatar, e o príncipe saudita Alwaleed bin Talal bin Abdulaziz al Saud.

As mensagens de texto produzidas durante a luta jurídica mostraram que os coinvestidores fizeram pouca análise por conta própria, deixando-as para Musk. "Se você está considerando parceiros de capital, meu fundo de crescimento entra com US$ 250 milhões, sem necessidade de trabalho adicional", escreveu Marc Andreessen.

A investida de Musk veio num momento de fraqueza do Twitter, que lutava contra a desaceleração das vendas de publicidade e a fraca inovação de produtos sob um novo e pouco conhecido executivo-chefe. Alguns acreditavam que Musk poderia dar nova vida à plataforma vacilante.

Ele também recebeu aplausos de figuras libertárias e conservadoras do Vale do Silício em sua órbita –incluindo David Sacks, Jason Calacanis, Joe Lonsdale e Peter Thiel–, que protestavam contra a censura nas redes sociais. Mathias Döpfner, executivo-chefe do grupo de mídia alemão Axel Springer, chegou a escrever para Musk uma proposta detalhada para uma "verdadeira plataforma de liberdade de expressão".

O apoio também veio do fundador do Twitter e ex-presidente-executivo Jack Dorsey, que incitou Musk e criticou os diretores da empresa como "terríveis", apesar de estar ao lado deles no conselho.

Apesar desse entusiasmo, os mercados de tecnologia azedaram, assim como o apetite de Musk pelo negócio.

O negócio desmorona

O primeiro sinal de que Musk estava arrependido veio em maio, quando de repente ele declarou que o acordo estava "temporariamente suspenso" enquanto se aguardava uma investigação sobre o número de contas falsas na plataforma, o que chocou o Twitter.

Então, numa noite de sexta-feira em julho, Musk anunciou que estava encerrando a aquisição, acusando o Twitter de várias violações do acordo de fusão, incluindo deturpar o número de contas falsas em documentos públicos. As ações do Twitter caíram para US$ 33 –40% abaixo do preço do negócio.

O Twitter se preparava para Musk renegar o acordo desde que ele começou a insinuar que estava pensando melhor e se preparava silenciosamente para o litígio, contratando a Wachtell Lipton em junho. O Twitter elaborou um possível processo contra Musk.

Quatro dias após a carta de rescisão de Musk, a companhia o processou no Tribunal de Chancelaria de Delaware, tentando forçá-lo a fechar pelo preço de US$ 54,20 por ação.

O documento continha prints de tela dos tuítes de Musk, incluindo um emoji de cocô enviado a Agrawal, e o acusava de violar repetidamente a cláusula de não depreciação no contrato de fusão. O Twitter disse que Musk simplesmente queria sair por causa da queda das ações de tecnologia.

"Musk aparentemente acredita que ele –diferentemente de todas as outras partes sujeitas à lei contratual de Delaware– é livre para mudar de ideia, destruir a empresa, interromper suas operações, destruir o valor dos acionistas e ir embora", disse o Twitter na época.

Os assessores da empresa ficaram surpresos com o fato de Musk não ter dado o primeiro tiro no tribunal para declarar inválido o contrato de fusão. O bilionário levou semanas para apresentar suas reconvenções [contestações das alegações do autor do processo].

Nos dias que se seguiram ao processo do Twitter, os negociadores que aconselhavam Musk o pressionaram a explorar um acordo para evitar uma prolongada batalha legal pública, segundo pessoas informadas sobre o assunto.

Mas Musk não tinha interesse em conseguir um desconto. Naquela fase, ele estava apenas ouvindo Alex Spiro, um litigante impetuoso da Quinn Emanuel mais conhecido por sua lista de clientes famosos do que pela experiência em complexas batalhas de fusões e aquisições. Spiro afastou os outros conselheiros de Musk a ponto de eles mal conseguirem falar com ele, disseram duas das pessoas.

Em particular, os consultores de negócios de Musk entraram em contato com a equipe do Twitter para explorar se havia como alcançar um compromisso, de acordo com várias partes de ambos os lados. Parecia haver margem de manobra no preço; o Twitter estava disposto a fazer concessões para fechar o negócio rapidamente. Mas Musk rejeitou a ideia, a conselho de Spiro, disseram duas pessoas.

Em público, uma amarga batalha legal eclodiu, com cada lado acusando o outro de não cooperar e atacando em audiências judiciais. A intensidade da luta foi exacerbada pelo prazo acelerado solicitado pelo Twitter, que foi concedido pela juíza de Delaware, a chanceler Kathaleen McCormick, dando-lhes apenas três meses para se prepararem para um julgamento em 17 de outubro.

A melhor oportunidade para Musk ir embora pareciam ser as alegações que surgiram em agosto de um ex-executivo de segurança do Twitter que se tornou denunciante, Peiter "Mudge" Zatko, que disse que a empresa enganou os reguladores sobre sua saúde cibernética –mas que também fracassaram.

Cada lado tinha várias empresas vasculhando milhares de páginas de documentos, emails e mensagens de texto. Uma pessoa estimou que, a certa altura, cem dos 250 advogados da Wachtell tinham trabalhado no caso.

O acordo se fecha –novamente

Musk não explicou sua abrupta reviravolta, mas sua equipe jurídica ganhou pouca força nas batalhas pré-julgamento, e os tribunais de Delaware historicamente quase nunca deixam compradores acovardados irem embora.

Qualquer que fosse a gota d'água, Musk percebeu que havia chances mínimas de prevalecer no tribunal. E a essa altura o Twitter não tinha interesse em um preço com desconto, disseram três pessoas.

Em 4 de outubro, Musk disse ao tribunal de Delaware em uma carta que pretendia fechar a transação nos termos originais. O Twitter pressionou por proteções legais para garantir que o acordo fosse fechado. Enquanto isso, a equipe de Musk queria se reservar o direito de processar os executivos do Twitter.

Mais tarde naquela semana, Musk tentou interromper o julgamento enquanto prometia arrecadar os US$ 13 bilhões em financiamento de dívida para concluir o acordo, acusando o Twitter de "não aceitar um sim como resposta". O Twitter declarou a proposta de Musk "um convite para mais malandragens e atrasos". A juíza deu a Musk até 28 de outubro para fechar o negócio ou enfrentar um julgamento em novembro.

Enquanto alguns juristas ficaram surpresos, a decisão judicial se mostrou consequente. O acordo foi fechado nos termos originais, sem julgamento. As pesadas contas de advogados do Twitter, que podem chegar a US$ 100 milhões, devem ser pagas com os fluxos de caixa da empresa que Musk controla.

Com seu típico estilo bombástico, Musk visitou o escritório do Twitter em San Francisco esta semana carregando uma pia, e tuitou "Deixem a ficha cair" [trocadilho com a palavra "sink", pia em inglês] –um meme mais comumente usado no Reddit ou no Tumblr do que no final de uma batalha de aquisição com bilhões de dólares em jogo.

Mas os conselheiros do Twitter –e os investidores que conseguiram vender por um alto preço– podem ser perdoados por pensar que eles riram por último.

"O sistema funcionou", disse um advogado do Twitter. "A tecnologia moderna de acordos de fusão e a lei de Delaware foram muito adequadas."

(Colaborou Cristina Criddle, em Londres)

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.