Descrição de chapéu
tecnologia

Xi Jinping deve reassumir China com economia mais lenta e múltiplas crises

Guerra da Ucrânia, alta da inflação e desaquecimento do mercado imobiliário chinês são obstáculos para líder do Partido Comunista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Xi Jinping deve ser reconduzido a um terceiro mandato de cinco anos no meio de várias crises: Covid, Guerra da Ucrânia, conflitos comerciais com os EUA, desaquecimento do mercado imobiliário local e aumento global da inflação.

O 20º Congresso do Partido Comunista Chinês começou neste domingo (16). Enquanto nos últimos congressos o clima era de otimismo (e até certa megalomania com o sucesso econômico do país), neste, a determinação das diretrizes econômicas e políticas têm caráter de urgência. Como será que o terceiro mandato do presidente Xi Jinping vai lidar com todas as mudanças mundiais ocorridas desde que ele foi reconduzido em 2017?

No último congresso, em 2017, 2.280 delegados representaram os cerca de 89 milhões de membros do partido. Durante o evento, eles introduziram o pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na constituição do partido e estabeleceram diversos cronogramas concretos para atingir metas de desenvolvimento.

Abertura do 20° Congresso do Partido Comunista Chinês - AFP

Em agosto de 2021, Xi Jinping introduziu o conceito de "prosperidade comum", dando a entender que o foco do seu terceiro mandato seria diminuir sobremaneira a desigualdade de renda chinesa, que é bem alta para os padrões asiáticos. Algumas das consequências imediatas foram a reforma educacional, que limitou os "cursinhos", introdução de impostos sobre propriedade e aumento da contribuição para a previdência social daqueles que ganham maiores salários. Mas, hoje, o foco mudou.

A economia chinesa, pela primeira vez em décadas, vai crescer menos (2,5%) do que os outros países em desenvolvimento asiáticos (5%). É bom lembrar que para muitos países, um crescimento de 2,5% não é tão baixo assim, mas esse não é o caso do gigante asiático. Na China, mais de 500 milhões de pessoas ainda vivem oficialmente em áreas rurais. No momento em que alguém se muda para uma cidade ou a cidade muda para o campo (urbanização, hoje, é muito mais um processo de transformar áreas rurais em cidades do que expandir centros urbanos), sua produtividade triplica. Assim, urbanização por si só praticamente garante que a China deve crescer 2% ou 3% ao ano pelos próximos 10 a 20 anos. Ou seja, a não ser pelo crescimento natural das transformações urbanas, a economia chinesa deve andar de lado neste ano.

Grande parte da razão para isso é escolha. O cordão sanitário continua de pé e o objetivo das autoridades locais continua sendo minimizar a transmissão de Covid pelo país. Os testes quase diários de boa parte da população devem custar U$ 100 bilhões em 2022, ou 0,5% do PIB. Mas os maiores custos são indiretos: a queda da atividade pela diminuição do movimentos das pessoas pelo país e limitação de vários serviços pelos lockdowns pontuais onde pipocam casos de Covid.

Por exemplo, um amigo está com seu bar em Xuhui, bairro central de Xangai, fechado desde o início do ano, pois as autoridades locais ainda consideram que é mais seguro manter negócios pequenos fechados. É bom lembrar que as decisões sobre a pandemia são muito descentralizadas no país e mesmo na cidadea maioria dos bares em Xangai só fechou durante o lockdown da cidade que acabou no início de junho).

Mas a tendência do cordão sanitário é de afrouxamento. A quarentena, que era de 14 dias em hotel mais sete dias de monitoramento, agora é de 7+3. Antes, as viagens para a China tinham que ser feitas em voos diretos, se houvesse previsão destes; hoje, é possível fazer escalas. Ou seja, o país deve reabrir as fronteiras lentamente, mas caminha para isso inexoravelmente. Os principais obstáculos do terceiro mandato de Xi Jinping não incluem o vírus.

Internamente, a crise imobiliária vai demorar a ser deglutida pelo sistema econômico, mesmo que não haja risco de crise financeira. E, externamente, o processo de "decoupling" entre EUA e China continua a todo vapor, especialmente depois da nova rodada de sanções impostas pelos americanos.

Em um país em rápida urbanização, a desestabilização do sistema imobiliário reverbera em vários setores. Por exemplo, cerca de 20% das receitas de autoridades locais vêm de vendas de terras públicas para construção de imóveis residenciais e comerciais. Mas neste mandato, espera-se que a arrecadação por esses leilões caia 30% em comparação ao ano passado, no qual o total já foi menor que em 2020. Ainda assim, como o sistema financeiro chinês é isolado do mundo (há fortes controles de capitais e bancos privados quase não podem operar no país), não há risco para a estabilidade do sistema.

Se houver sinais de recuperação, não falta espaço para que o consumo interno volte forte. As taxas de poupança no país, por exemplo, são altíssimas. O FMI estima que se as famílias chinesas consumissem a sua renda da mesma forma que no Brasil, o consumo agregado chinês mais que dobraria.

Mas a grande apreensão para o resto do mundo vem dos rumos da guerra comercial entre EUA e China. Na sexta-feira, dois dias antes do congresso do PCC, os norte-americanos anunciaram o último e maior alvo na guerra comercial contra o gigante asiático. Basicamente, os EUA proibiram a exportação de qualquer componente ou equipamento que possibilite a produção de semicondutores na China a não ser que os produtores tenham uma autorização especial do governo. Mais ainda, o governo americano proibiu cidadãos americanos de trabalhar com empresas chinesas do setor. Dezenas de executivos já tiveram que pedir demissão.

Com todos esses problemas, o clima no congresso do PCC não é de otimismo. O presidente já anunciou que vêm "tempos turbulentos" por aí. Isso inclui, por exemplo, aumentar a segurança alimentar, uma preocupação desde a grande fome do final da década de 50, mas que virou prioridade depois da pandemia e da Guerra da Ucrânia. Isso significa aumento de gastos militares e intervenção na economia. As reformas prometidas no 19º congresso não devem se concretizar.

O governo aposta em um "grande rejuvenescimento", no qual as indústrias locais seriam suficientes para suprir o desenvolvimento chinês. Mas elas não são. A China foi uma das grandes beneficiárias do processo de globalização, que basicamente foi revertido com a eleição de Donald Trump. No fundo, o governo de Xi Jinping está em uma encruzilhada. A economia é muito maior que quando ele assumiu o poder, assim como o papel geopolítico chinês.

Apesar de o processo econômico não ter se esgotado, a posição dos EUA como adversários assumidos e os problemas internos limitam a gama de ações do governo. Mais do que os anúncios do congresso do Partido, importam as ações do governo nos próximos meses. Como o governo chinês reagirá às sanções americanas? O processo de afrouxamento do cordão sanitário continuará? A China vai mediar a paz entre a Rússia e a Ucrânia ou vai continuar se abstendo do processo?

No fundo, superestimamos a China no curto prazo e a subestimamos no longo prazo. Um país com 1,4 bilhão de pessoas e com potencial econômico gigantesco ainda pode ser o motor do crescimento mundial. Mas o que parecia ser um destino manifesto se tornou muito mais difícil. O terceiro mandato do Presidente Xi Jinping não começa com poucos obstáculos. Vamos ver como ele lida com eles.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.