Descrição de chapéu transição de governo

Alckmin entrega PEC da Transição, que exclui Bolsa Família do teto de gastos de forma permanente

Proposta também retira do limite projetos ambientais bancados com doações e parte dos investimentos

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Brasília

Após duas semanas de intensa negociação, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), apresentou nesta quarta-feira (16) a minuta da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que propõe retirar o programa Bolsa Família do teto de gastos de forma permanente e abre caminho para honrar promessas de campanha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A medida é considerada necessária para evitar um apagão social no ano que vem, já que a proposta de Orçamento enviada em agosto pelo governo Jair Bolsonaro (PL) assegura apenas um valor médio de R$ 405,21 para os beneficiários, além de impor cortes severos nas verbas para a habitação e no Farmácia Popular.

"É o cuidado com o social, combater a fome, erradicar a pobreza e atender às crianças", disse Alckmin em entrevista a jornalistas após a entrega da proposta.

"Estamos tomando uma medida de salvação nacional", disse o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), que estava na reunião para receber o texto.

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin entrega a PEC da Transição no Congresso Nacional - Pedro Ladeira/Folhapress

A PEC não vai fixar um valor máximo para a fatura extrateto, mas as estimativas da equipe de Lula apontam a necessidade de R$ 175 bilhões para o programa social no ano que vem. O valor inclui R$ 157 bilhões para assegurar a continuidade do benefício mínimo de R$ 600 e R$ 18 bilhões para bancar a parcela adicional de R$ 150 por criança de até seis anos.

O texto também não estipula prazo de validade para a medida, o que deixa a porta aberta para que ela seja permanente. "Nós trouxemos uma proposta que não tem prazo, tem um princípio que é a exclusão do Bolsa Família", disse Alckmin. "Cabe à Câmara e ao Senado discutir [esse ponto]."

Só considerando a retirada do Bolsa Família do teto de gastos, o déficit primário do governo no ano que vem pode passar de R$ 235 bilhões. Esse valor é bancado por dívida pública, que é financiada pela arrecadação (obtida principalmente a partir dos impostos pagos pela sociedade).

Integrantes do PT sabem que uma ala importante do Congresso defende restringir a validade da exceção a 2023, primeiro ano do governo Lula. Por isso, aliados do petista admitem negociar um prazo de quatro anos, o que é visto como um meio-termo para acenar a setores que temem um "cheque em branco".

Na terça-feira (15), o Painel mostrou que Lula defendeu o prazo de quatro anos ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em conversa reservada no Egito, onde participam da COP27, a conferência do clima das Nações Unidas.

O modelo de exclusão do Bolsa Família do teto de gastos prevaleceu apesar dos alertas vindos do mercado financeiro, que vê no tamanho da fatura um risco de descontrole das contas públicas —sobretudo se a medida for adotada de forma permanente.

Mesmo que o prazo fique em quatro anos, a conta que está sendo feita por alguns analistas é que o novo governo terá autorização para gastar R$ 700 bilhões fora do teto no período —valor próximo da economia estimada com a reforma da Previdência, aprovada em 2019 pela atual administração.

Alckmin buscou minimizar os temores dos investidores. "Nós vamos explicando. O pessoal vai ficar mais tranquilo", disse.

Pessoas que participam das discussões da PEC destacam que a exclusão mais duradoura do Bolsa Família do teto de gastos evita que o novo governo fique sem margem para governar. O novo risco de aperto poderia surgir já em abril de 2023, quando é preciso encaminhar o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024.

O prazo de quatro anos também é visto como uma forma de dar tempo ao novo governo para estruturar uma proposta de novo arcabouço fiscal, algo que não é trivial e demanda uma série de análises técnicas.

Na campanha, Lula chegou a falar em revogar o teto de gastos, mas a equipe do petista ainda não decidiu qual deve ser o novo modelo para substituir a âncora fiscal.

PEC deve começar tramitação pelo Senado

A PEC foi entregue no Senado ao presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e ao relator do Orçamento. Pacheco não pôde comparecer porque está na COP27. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não se dirigiu à Presidência do Senado, onde ocorreu a entrega do texto. Ele recebeu Alckmin posteriormente, em seu gabinete da Presidência na Câmara.

O próximo passo é colher assinaturas para que a PEC comece formalmente sua tramitação, o que petistas pretendem fazer já nesta quinta-feira (17). Ela deve começar a ser analisada pelo Senado, onde o rito é mais simples. Na Câmara, a expectativa é apensar o texto a uma proposta já em tramitação para que a votação seja feita diretamente em plenário.

Alcolumbre, que preside a CCJ, disse que as negociações ainda precisarão prosseguir antes de se ter um consenso em torno do texto. "De fato hoje, nós temos uma minuta, mas, repito, não é um texto. Até porque não existe proposta de emenda constitucional. Existe um desejo do novo governo pedindo apoio do Parlamento para que a gente possa construir em várias mãos esse texto", disse.

Líder do PT no Senado, Paulo Rocha (MG) acredita ser possível fazer as duas votações no mesmo dia. Isso daria um prazo de duas semanas para a análise do texto pela Câmara dos Deputados, cumprindo a expectativa de aprovar a PEC ainda neste ano, a tempo de incorporar as mudanças ao Orçamento de 2023.

Na Câmara, o texto seria apensado à PEC 24, que tem a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) como relatora.

O senador Alexandre Silveira (PSD-MG) afirmou que "tudo" ainda pode ser negociado. "É uma minuta. Não tem nada construído. [O texto] vai ser discutido a partir da entrega da minuta. Agora tem que buscar convergência para ter maioria. Todos saem com o mesmo dever de casa, de construir maioria consensual para poder, em um prazo exíguo, destravar o Brasil do ponto de vista de investimentos", afirmou.

Ao retirar o Bolsa Família do teto, os R$ 105 bilhões atualmente reservados para o programa na proposta de Orçamento poderão ser redistribuídos a outras ações, incluindo promessas de Lula, como o aumento real do salário mínimo (acima da inflação) e a recomposição da verba para programas como Minha Casa, Minha Vida e Farmácia Popular.

Um dos poucos pontos já conhecidos é que a equipe de Lula pretende sugerir um salário mínimo próximo a R$ 1.320 no próximo ano, o que gera um custo adicional de R$ 6,8 bilhões, como mostrou a Folha. A grande incógnita, por sua vez, é o volume destinado aos investimentos.

Doações para projetos ambientais e receitas próprias de universidades também ficariam fora do teto

Alckmin também confirmou a inclusão de um dispositivo que permite ao governo usar recursos obtidos por meio de doações na execução de projetos ambientais. A articulação foi feita no dia em que Lula discursou na COP27, cobrando recursos dos países ricos e colocando o combate à crise climática como prioridade em seu novo governo.

A avaliação é que não faz sentido limitar essas despesas, uma vez que retirá-las do teto estimula parcerias e até mesmo viabiliza novas fontes de financiamento para gastos estratégicos. O Fundo Amazônia, por exemplo, hoje tem dificuldade para estabelecer parcerias com a União diante da falta de espaço no Orçamento.

"É dinheiro de graça. Não tem lógica [limitar a despesa]", disse o vice eleito. "Teremos mais recursos para preservar o meio ambiente e combater as mudanças climáticas", complementou.

A mesma lógica deve ser aplicada às universidades federais, que teriam autorização para executar despesas fora do teto caso elas sejam bancadas com receitas próprias, como doações ou captações. Hoje, esse tipo de gasto fica sujeito ao limite, o que gera reclamações das instituições e engessa projetos de pesquisa. A avaliação é que o novo modelo pode inclusive induzir parcerias e até mesmo reduzir a dependência do Orçamento público.

O texto da PEC também permite a destinação de uma parcela das receitas extraordinárias (obtidas, por exemplo, com bônus de assinatura de leilões de petróleo) para custear investimentos públicos fora do teto de gastos. O argumento é que essa despesa teria uma espécie de lastro fiscal, ou seja, só seria realizada mediante o excesso de arrecadação.

A ideia, porém, é estipular um limite para essa parcela, equivalente a 6,5% do excesso de arrecadação verificado em 2021 —o que resulta em um valor seja de até R$ 23 bilhões. Na prática, o extrateto poderá ser de até R$ 198 bilhões, caso a PEC seja aprovada da forma como foi apresentada, como antecipou a Folha.

A regra seria uma forma de compensar a perda de espaço no teto de gastos a partir de 2024, quando será preciso ajustar o crescimento maior do limite em 2023. O relator já indicou que vai manter a correção de 7,2% prevista no Orçamento, apesar da desaceleração recente da inflação. Isso ajuda no ano que vem, mas força uma correção próxima a R$ 30 bilhões no período seguinte.

O que tem na PEC?

Auxílio Brasil (ou programa que sucedê-lo): Fica fora do teto de gastos e da regra de ouro a partir de 2023, e também fora do cálculo da meta de resultado das contas do governo apenas no ano que vem. Estimado em R$ 175 bi

Investimentos: Tira do teto e da meta de 2023 o valor equivalente à arrecadação que exceder as receitas correntes do exercício anterior (ao da lei orçamentária), limitadas a 6,5% do excesso de arrecadação de receitas correntes de 2021 —o equivalente a R$ 23 bi

Meio ambiente: Tira do teto de gastos despesas com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, no âmbito do Poder Executivo, custeadas por doações

Universidades: Tira do teto de gastos despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da Federação ou entidades privadas

Valor extrateto (estimado por envolvidos nas discussões): R$ 198 bi. Valor aprofunda o déficit de R$ 63,7 bi projetados na atual proposta orçamentária para 2023, caso não haja mudanças como melhoras na arrecadação ou revisões de outras despesas

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