Descrição de chapéu transição de governo

Arminio Fraga responde a discurso de Lula: responsabilidade fiscal ajuda os mais pobres

Ex-presidente do Banco Central, que havia feito 'entrevista imaginária' com candidato petista, inverte posições e responde a questões feitas em discurso pelo presidente eleito

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São Paulo

"Estabilidade fiscal significa menos incerteza e juros mais baixos, o que gera mais investimento e mais crescimento. Simples assim. E mais, acompanhada de transparência, aumenta a chance de os recursos beneficiarem os mais pobres", afirma o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, em resposta a críticas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a políticas de austeridade fiscal.

Em discurso feito a parlamentares de partidos aliados no auditório do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), sede do governo de transição, na manhã desta quinta (10), Lula fez várias perguntas nas quais demonstrou ver incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e políticas sociais que beneficiem os mais pobres.

Homem calvo de barba grisalha, camisa branca e paletó preto
Arminio Fraga em evento em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 18.out.2022/Folhapress

Investidores reagiram mal à mensagem do presidente, levando a uma disparada do dólar e à queda da Bolsa.

Fraga, que em coluna nesta Folha fez uma "entrevista imaginária" com Lula durante a campanha eleitoral, inverteu as posições de entrevistador e entrevistado e, abaixo, responde a questões feitas pelo presidente eleito durante seu discurso.

Luiz Inácio Lula da Silva: Ora, por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal neste país? Arminio Fraga: Estabilidade fiscal significa menos incerteza e juros mais baixos, o que gera mais investimento e mais crescimento. Simples assim. E mais, acompanhada de transparência, aumenta a chance de os recursos beneficiarem os mais pobres.

O descontrole fiscal contribui também para a volta da inflação. Outra vez, quem perde mais são os mais pobres.

As escolhas a curto prazo parecem terríveis. Mas não é o caso. Com um ambiente econômico arrumado, a atividade econômica reage, como ocorreu a partir da segunda metade de 1999, quando foram seis trimestres de crescimento anualizado em torno de 4%. E reage também na outra direção, como vimos em 2015-16 com o colapso fiscal. Essa é a escolha.

Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Porque o gasto público vem crescendo há décadas, e a dívida corre o risco de entrar em trajetória de crescimento acelerado.

Tudo começou com o colapso fiscal de 2014. De lá para cá houve algum progresso, mas recentemente a torneira se abriu. As perspectivas para o ano que vem não são boas. A discussão de aumentar o gasto agora é brincar com fogo.

Sou a favor de aumentar os investimentos sociais, uma legítima demanda, mas redefinindo prioridades. O mercado despencou hoje, um sinal de que um pânico pode estar a caminho. Sem uma correção de rumo, o custo social vai ser enorme.

Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social deste país? Muitas discutem. Tenho escrito e falado sobre a necessidade de se promover uma discussão mais aberta do Orçamento. Os gastos em folha de pagamentos e Previdência são enormes no Brasil. Com um ajuste seria possível estabilizar a economia e aumentar os investimentos de alto retorno social.

Há também algum espaço para aumentar receitas, sobretudo cobrando de quem mais pode pagar e hoje paga muito pouco. Essas são as grandes escolhas que não estão nem sequer sendo contempladas, que dirá feitas.

Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Como disse acima, falta esse olhar macro, que dê transparência a um tema crucial: para onde vai o dinheiro público.

Está ganhando força a ideia de que dá para gastar à vontade com investimento, pois se paga. Mas se paga mesmo? Quando? Como? O que é investimento? Quanto dá para financiar no mercado? Não muito. Falta mesmo é prioridade.

Por que que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Seria bom. A inflação responde de forma direta e em prazo curto à política macroeconômica. A experiência universal, nossa com certeza, mostra que inflação atrapalha o crescimento e penaliza os pobres. Nada se ganha com um pouco mais de inflação.

Não se pode confundir recuperação de recessão, como ocorre no pós-pandemia, com crescimento sustentado. O crescimento depende de ganhos de produtividade. Para isso é necessário investimento em gente, em ideias, em capital convencional, em boas práticas, em horizontes longos, o que requer muita tranquilidade e previsibilidade. Leva tempo.

Seria possível e desejável estabelecer objetivos, sim, mas as correções de rumo não são passíveis de respostas de curto prazo, como na política monetária. Seria tarefa para gerações e exigiria um esforço continuado e competente.

Por que que a gente não estabelece um novo paradigma de funcionamento neste país? Seria ótimo. Nos falta uma visão mais moderna. Mais gasto não vai dar conta do recado. Nesse momento vai atrapalhar.

Claro que pobreza e desigualdade têm que ter um papel central. Mas, do pouco que já se ouve, me parece que estamos caminhando para mais um período de instabilidade macroeconômica. Os sonhos de um Brasil de oportunidades, justo, verde, vibrante, estão ameaçados. Os sinais de curto prazo, como a enorme expansão de gastos, estão indo na direção contrária ao necessário. Não vai ser acumulando mais dívida que chegaremos lá.

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