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Eleições 2022 desafios do novo mandato

Equilíbrio fiscal é chave para país voltar a crescer

Nova gestão também terá que lidar com a baixa produtividade

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Marcos Mendes

O Brasil tem crescido pouco nos últimos 40 anos. Em alguns períodos até ensaia um voo de galinha, que logo se reverte em recessão. Crescimento relevante é aquele que se mantém por muitos anos e eleva substancialmente a renda da população. Do contrário, fica difícil reduzir a pobreza e a desigualdade, o que contribuiu para a polarização política e divisão da sociedade. Casa em que falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão.

Trem da Rumo Logística passando pela malha da MRS, próximo da Estação Evangelista de Souza, no bairro Emburá, extremo sul da cidade de São Paulo - Eduardo Anizelli - 13 mai.21/Folhapress

Há duas causas fundamentais para nossa incapacidade de crescer de forma consistente: o desequilíbrio fiscal crônico e a baixa produtividade.

No campo fiscal, o crescimento da despesa pública leva a juros altos, carga tributária pesada e complexa, inflação e moeda valorizada. Isso derruba o investimento e a competitividade externa de nossas exportações "não commodities".

baixa produtividade significa que nosso trabalho e capital produzem muito menos do que poderiam, e decorre de vários fatores: déficit na escolaridade dos trabalhadores; baixo acesso a novas tecnologias; proteção do governo tanto a empresas politicamente fortes quanto às pequenas e ineficientes; sistema tributário complexo; insegurança jurídica; e deficiências de infraestrutura.

Desequilíbrio fiscal e baixa produtividade se retroalimentam. Por exemplo, trabalhadores pouco instruídos são pouco produtivos, ganham baixos salários e passam a depender de transferência de renda, pressionando a despesa pública. Para cobrir esse custo, a carga tributária cresce, e empresas fazem lobby para escapar de mais impostos.

Os benefícios fiscais se multiplicam, o sistema tributário fica mais complexo, e acabam prosperando as empresas mais capazes de obter benefícios em Brasília, e não as mais produtivas e inovadoras.

Mudar essa realidade é trabalho para mais de uma década. O governo Lula dos próximos quatro anos conseguirá, na melhor hipótese, dar alguns passos na direção certa e, oxalá, evitar escolhas erradas.

A primeira dificuldade é que o diagnóstico do PT sobre o baixo crescimento não é este. Acredita-se no partido que cabe ao Estado subsidiar empresas para estimular o investimento e ampliar o gasto público para puxar a economia. Esse tipo de política, adotado nos quatro mandatos do partido, agravou os problemas e nos jogou em grande recessão.

A três dias da eleição o PT divulgou uma carta que reafirma essa visão que, aliás, é coerente com o pouco que Lula falou sobre economia durante a campanha: reativar o PAC; interferir nos preços dos combustíveis; induzir investimentos estatais em refinarias, enrijecer a legislação trabalhista.

Na contramão do necessário ajuste fiscal, Lula prometeu revogar o teto de gastos, reajustar a tabela do Imposto de Renda e dar seguidos aumentos reais ao salário mínimo (que pesam nas contas públicas e empurram os trabalhadores de baixa qualificação para o improdutivo mercado informal).

A promessa de repetir os superávits primários que fez no primeiro governo não convence. Boa parte daqueles superávits foram produzidos por uma fase positiva do ciclo econômico, que aumentou as receitas, e não por real esforço fiscal.

Seu primeiro desafio para ter um governo de sucesso será colocar de lado essa agenda sem que isso pareça um estelionato eleitoral ou abandono de sua base fiel. Terá que encontrar uma agenda alternativa, que não seja incompatível com as aspirações do partido e que efetivamente ajudem no equilíbrio fiscal e na melhoria da produtividade.

A segunda dificuldade é que temos um Congresso especializado em defender interesses de grupos organizados em detrimento do interesse coletivo: empresas, categorias profissionais e os próprios interesses financeiros e eleitorais dos parlamentares. A agenda de ajuste fiscal e aumento da produtividade conflita com esse modus operandi, pois requer políticas horizontais, que não criem tratamentos privilegiados.

É preciso escolher prioridades que consigam transitar no corredor estreito deixado pelas restrições acima apontadas.

Uma possibilidade promissora seria a reforma da tributação do consumo, da renda e da folha de pagamentos. Se bem executadas, elas diminuirão distorções do sistema tributário atual, elevarão a produtividade, tornarão a tributação mais justa e progressiva, diminuirão o custo do emprego formal.

Essas reformas estão tecnicamente maduras, a resistência de alguns setores já foi bastante reduzida e o tema não se choca com as bandeiras do PT. No caso da tributação da renda há, inclusive, uma demanda clara dos seus apoiadores por maior progressividade.

Não será fácil. A maior ou menor qualidade de cada reforma está nos detalhes. Será preciso grande esforço para que o Congresso não pendure, no texto final, benefícios a grupos específicos. E haverá um desgaste grande com a classe média alta, pois será necessário tratar de redução de descontos para idosos e para gastos com educação e saúde.

Outra reforma que poderia ter espaço seria o redesenho das políticas sociais. O gasto neste setor aumentou muito, já superando os R$ 300 bilhões por ano. Mas houve deterioração no desenho do Auxílio Brasil, tornando-o uma máquina de desperdício, e abandono do Cadastro Único, que é a bússola para orientar os programas sociais.

Unificar os programas, em um desenho que focalize a atenção nos 40% mais pobres, e dê tratamento adequado à insegurança e volatilidade de renda dos trabalhadores de aplicativos ou informais, seria um grande ganho, totalmente coerente com a agenda social do PT, e passível de negociação com o Congresso.

Esses seriam pontapés iniciais, que garantiriam bom início de governo e credibilidade para outras reformas que destravem o crescimento e abram espaço para redução da pobreza. A agenda é longa e desafiadora. Reformas adicionais serão necessárias para limitar o crescimento da despesa, inclusive desmontando-se a máquina de corrupção e ineficiência escondida por trás das emendas parlamentares ao orçamento.

Áreas deixadas para trás no último governo, como educação, saúde e meio ambiente, precisarão de planos de recuperação, para os quais não haverá muito dinheiro: será preciso trabalhar com prioridades e busca de eficiência.

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