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Estados e empresas de um homem só estão arruinando o mundo

Uma década atrás, as bandas de um homem só tinham saído de moda; então vieram Putin, Xi Jinping, Zuckerberg e Musk

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Simon Kuper
Financial Times

"Comprar o Twitter é um acelerador para a criação do X, o aplicativo de tudo", explicou Elon Musk em 4 de outubro, no Twitter. Quatro semanas depois, quando o escritor Stephen King se recusou a pagar US$ 20 por mês para ser autenticado pelo Twitter, Musk estava em retirada. "Que tal US$ 8?", ele tuitou de sua "sala de guerra" na sede da empresa em San Francisco, na Califórnia. Desde então, o Twitter interrompeu a verificação paga.

Às vezes, Musk se parece cada vez mais com uma versão abençoadamente sem sangue de Vladimir Putin. A compra do Twitter por ridículos US$ 44 bilhões lembrou a oferta de aquisição muito hostil de Putin pela Ucrânia, na qual o autocrata daria uma lição à sua presa. Mas enquanto Musk destrói sua própria empresa, o exército de Putin foge da recém-anexada Kherson, lugar que deveria ser a Rússia "para sempre".

As duas formas organizacionais dominantes de hoje são praticamente as mesmas: o estado autocrático de um homem só e a empresa autocrática de um homem só. Ambos têm a mesma vulnerabilidade: a idiossincrasia de um solitário superestimado.

Musk em coletiva de imprensa em Brownsville, no Texas - Adrees Latif - 25.ago.2022/Reuters

As bandas de um homem saíram de moda há muito tempo. A China e a Rússia passaram décadas sob liderança coletiva depois que os governantes solitários Mao e Stalin mataram milhões de pessoas. Nos negócios há uma década, nenhuma das dez empresas mais valiosas do mundo ainda era administrada por seus fundadores.

Mas nessa altura Putin, Xi Jinping, a Meta de Mark Zuckerberg, a Tesla de Musk e a Amazon de Jeff Bezos já estavam em ascensão. Então Mohammed bin Salman tornou-se o único governante da Arábia Saudita e controlador de fato da segunda empresa mais valiosa do mundo, a Saudi Aramco. Seu colega herdeiro, Donald Trump, tentou administrar os Estados Unidos como uma imobiliária familiar.

Estados e empresas de um homem só têm ciclos semelhantes. A princípio, mesmo que o objetivo do autocrata seja o autoenriquecimento, ele quer aprovação, então evita a autossabotagem. Livre de regras, ele parece mais ágil do que seus rivais governados coletivamente. Com sucesso, ele adquire uma aura. Ele estabilizou a Rússia/inventou o Facebook/construiu carros elétricos. Ora, ele é um gênio! Se ele quiser se tornar presidente vitalício ou atribuir a si mesmo ações com dez vezes os direitos de voto de outras ações, bem, o que pode dar errado?

Mas o sucesso inicial se deveu geralmente a uma confluência única de sorte, pessoa e momento. Poucos humanos têm mais de uma habilidade. Pior, a arrogância toma conta. Tendo desafiado os pessimistas na primeira vez, o autocrata os ignora na segunda. "Mova-se rápido e quebre coisas" foi o lema inicial de Zuckerberg, mas acabou se tornando o de Putin também. Além disso, o autocrata fica entediado. Depois de administrar a Rússia ou o Facebook para sempre, cada dia começa a parecer igual. Presumivelmente, foi por isso que Bezos saiu. Ele colocou Andy Jassy no comando da Amazon, disparou para o espaço e agora está apostando num time de futebol.

Musk, Zuckerberg e Putin permaneceram no cargo, mas, como Bezos, buscaram novos estímulos. Embora os acionistas ou os policiais secretos russos imaginassem que o autocrata ainda era totalmente dedicado a ganhar dinheiro para eles, na verdade ele havia progredido para coisas mais elevadas. Zuckerberg, por exemplo, parece ter decidido que seria muito legal construir um "metaverso" de realidade virtual, sem pensar em custos.

A pandemia provavelmente acelerou esses processos de desenvolvimento pessoal. Enquanto Putin passou o bloqueio estudando a história ucraniana, Musk parece tê-lo passado no Twitter: sua média de tuítes por dia disparou. Enquanto isso, o isolamento se instalou. O investidor Chris Sacca tuitou na semana passada: "Um dos maiores riscos de riqueza/poder é não ter mais ninguém ao seu redor que possa recuar... Uma visão de mundo cada vez menor, combinada com isolamento intelectual, leva a uma merda fora de alcance... Recentemente, observei as pessoas ao seu redor se tornarem cada vez mais bajuladoras e oportunistas... Concordar com ele é mais fácil e há mais vantagem financeira e social". Sacca estava falando sobre Musk, mas poderia muito bem estar se referindo a Putin.

Ex-apoiadores horrorizados não conseguem conter o autocrata. Zuckerberg está livre para queimar o dinheiro dos acionistas porque controla os direitos de voto da Meta, assim como Putin efetivamente controla os da Rússia, enquanto Musk dissolveu o conselho do Twitter. Se tudo isso é assustador, espere até que o mais poderoso autocrata, Xi Jinping, descubra uma paixão.

As organizações não precisam ser tão disfuncionais. Para um modelo alternativo, veja a Apple. Seu governante, Steve Jobs, provavelmente preservou sua reputação ao morrer antes que a arrogância o atacasse. A Apple hoje não é muito inovadora, mas se tornou a empresa mais valiosa do mundo ao monetizar sucessos do passado, principalmente o iPhone. Sua liderança coletiva está atenta aos riscos. Quando a Apple faz besteiras, como o teclado borboleta de 2015, acaba se autocorrigindo. Um dia, Tim Cook abrirá espaço para um novo e desinteressante CEO. Na verdade, a Apple é administrada como a Alemanha. "Feliz é a terra que não precisa de heróis", escreveu o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Feliz é a companhia, também.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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